Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

No Brasil, o meio ambiente, um impulsionador diplomático com efeito estufa…

(Foto: NewAfrica)

Em 26 de outubro de 2023, Lula não estava em Brazzaville para a reunião de Cúpula das Três Bacias de Florestas Tropicais – Amazônia, Congo e Bornéu/Mekong. Ele havia sido convidado pessoalmente por seu colega congolês, Denis Sassou Nguesso. De acordo com a imprensa, ele aceitou o convite. Como o Brasil estava presidindo o Conselho de Segurança da ONU naquele mês, em meio à crise do Oriente Médio, é compreensível sua ausência e a dificuldade de ter de cuidar do pão assando no forno climático e ao mesmo tempo moer a farinha israelo-palestina.

Nos primeiros dias da campanha para a eleição presidencial brasileira em 2022, o assessor diplomático de Lula, Celso Amorim, anunciou um voluntarismo diplomático total, amplo. Com a vitória de Lula, o Brasil estaria, segundo ele, de volta aos trilhos com sua diplomacia “ativa e ambiciosa”, começando pela proteção das florestas. “O clima”, anunciou ele, “é uma questão central para o mundo hoje. E não apenas para o Brasil”.

A proteção ambiental era uma prioridade, tanto por realismo quanto por convicção. As artimanhas de Jair Bolsonaro de 2019 a 2022 tiveram sérias consequências para a floresta amazônica e para a imagem internacional do Brasil. Os Estados Unidos, a União Europeia e a França, em particular, jogaram a carta “verde” para apertar os cintos nas relações comerciais com o Brasil.

Para recuperar o respeito e a autonomia no cenário internacional e restaurar a capacidade de influência do Brasil, Lula teve de enfrentar o problema ambiental desde o primeiro dia, o que ele fez de forma espetacular, participando da COP27 em Sharm-el-Sheikh, Egito, em 18 de novembro de 2022, como presidente eleito e ainda não empossado.

O trabalho prático começou em 1º de janeiro de 2023, no dia em que ele assumiu o cargo. Marina Silva, o ícone ecológico de seu primeiro mandato, retornou à pasta ambiental depois de ter desistido do cargo de Ministra do Meio Ambiente em 2008. Um embaixador do clima para representação internacional do Brasil no tema, Luiz Alberto Figueiredo, foi nomeado logo depois, em 17 de fevereiro de 2023. O Brasil apresentou sua candidatura, em 12 de janeiro de 2023, e foi eleito para organizar a COP30, em 2025, em Belém.

O aparato estatal foi rapidamente mobilizado. As forças armadas entraram em guerra contra garimpeiros ilegais de ouro, responsáveis pela poluição por mercúrio na bacia amazônica. O órgão encarregado da defesa das florestas e do meio ambiente, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), foi reforçado com recursos financeiros e humanos em 15 de agosto de 2023. No primeiro semestre de 2023, os alertas de desmatamento registrados caíram 42%, e em agosto de 2023, esse percentual teve um bônus, subindo para 66% de queda. Ao mesmo tempo, foi apresentado um plano nacional de transição ecológica. Esses sinais positivos foram seguidos por compromissos internacionais. O Brasil assinou uma série de acordos ambientais que haviam sido congelados pelo ex-capitão Bolsonaro: a Convenção de Escazú, um projeto de cooperação estabelecido pela ONU sobre o desenvolvimento sustentável.

O Banco do Brasil e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) assinaram um programa de promoção bioeconômica em 21 de setembro de 2023. Cada reunião bilateral permitiu ao Brasil cobrar dos colegas alguns compromissos assumidos e ainda não cumpridos pelos países e parceiros internacionais na luta pelo desenvolvimento sustentável, como o ocorrido com o primeiro-ministro australiano, por exemplo, em 19 de maio de 2023, e com Joe Biden, em 16 de agosto de 2023. Os Estados Unidos e vários países europeus, incluindo a Alemanha e a Noruega, também se comprometeram a doar dinheiro para o Fundo Amazônia criado por Brasília. O tema ambiental conquistou, assim, o lugar principal nas discussões e permitiu avanços em propostas mais amigáveis, tanto para o meio ambiente quanto para o Brasil e sua imagem internacional. O Brasil convidou o mundo para ir a Belém nos dias 8 e 9 de agosto de 2023 para conversar in loco com todos os atores regionais e locais envolvidos. Todos os chefes de estado e de governo dos países membros da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) compareceram. Os presidentes dos dois estados do Congo também estavam presentes. A Indonésia delegou um de seus ministros.

No entanto, as coisas não foram tão tranquilas quanto pareciam. A diplomacia florestal do Brasil foi envolvida em um complexo efeito estufa. A Colômbia, um ator regional, negociou um acordo bilateral mediano com Brasília. Seu chefe de estado também tomou iniciativas independentes. A França foi convidada para ir a Belém, mas se desculpou por ter de se ausentar. No final, ela nomeou um representante de nível modesto para comparecer.

Ao longo do primeiro trimestre de 2023, a França se esquivou do convite do Brasil, mas multiplicou suas iniciativas florestais e ambientais, solicitando a presença do presidente brasileiro. Lula não participou da One forest summit organizada por Paris e Libreville em março de 2023. No entanto, ele concordou em participar em Paris nos dias 22 e 23 de junho de 2023, desde que pudesse ter uma reunião cara a cara com seu colega francês, permitindo que ele colocasse seu convite de volta na mesa para a participação da França em Belém, e também se manifestasse na Europa, em Bruxelas e em Paris, criticando o “colonialismo verde” e sua verve egoísta e comercial.

Além disso, o meio ambiente está lutando para encontrar seu lugar no Brasil. Os cofres do Estado dependem de atividades extrativistas e agrícolas que estão muito distantes das preocupações ambientais. Esse é o destino de muitos países do Sul, assim como do Norte. O Brasil, se observado de perto por seus concorrentes econômicos e comerciais, tem muito a compensar após o episódio ecocida de Bolsonaro. De fato, apesar da ostentação ambiental, ao mesmo tempo as autoridades brasileiras e o presidente estão viajando para a China e para outros lugares do mundo, acompanhados de agroexportadores.

Lula e sua equipe diplomática esperavam benefícios globais desses compromissos ambientais. Eles estão encontrando dificuldades para que isso se concretize. As tentativas de reunir vozes discordantes em nível internacional, exigindo maior multilateralismo, até agora não foram ouvidas, inclusive na América Latina. O Brasil não conseguiu fazer com que seus dois parceiros latino-americanos no G20 chegassem a um acordo sobre as crises do momento, a Ucrânia e o Oriente Médio. Argentina, Brasil e México têm visões bastante semelhantes, mas nenhum deles conseguiu, ou quis, criar convergências concretas. A Colômbia, um país amazônico, acrescentou seu próprio toque especial a uma pauta compartilhada. Lula teve de ceder a seu colega colombiano, Gustavo Petro, em 8 de julho na cidade fronteiriça amazônica de Letícia, para poder então afinar os violinos, e isso um mês antes da reunião de cúpula da OTCA em Belém. A base do Mercosul está balançando.

A Argentina está passando por um período de incerteza política e econômica. O Uruguai está cada vez mais preferindo agir por conta própria. O México se recusou a considerar a proposta do Brasil de uma moeda latino-americana para rivalizar com o dólar. O Brasil enviou representante à cúpula congolesa sobre bacias de florestas tropicais, mas Lula não fez seu discurso em Brazzaville. Na ONU, ele também não conseguiu romper a polarização paralisante dos vetos cruzados entre russos e norte-americanos.

Notas

  • Texto publicado originalmente em francês, no dia 23 de outubro de 2023, na seção ‘Actualités do Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Au Brésil, l’environnement, un moteur diplomatique à effet de serre …”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/115545. Tradução de Jeniffer Aparecida Pereira da Silva e Luzmara Curcino.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso – UFSCar e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura.