Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O combate ao racismo na prática cotidiana da mídia e da sociedade

(Foto: Redes Sociais/Instagram)

Faz pouco mais de dois meses que uma das jornalistas símbolo da televisão brasileira faleceu. A morte de Glória Maria, além de marcar uma perda para o jornalismo em geral, ocorre num momento em que o debate racial e sobre a presença de mais jornalistas negras/os – não apenas, mas principalmente –, em frente às câmeras parece estar surtindo algum resultado. Aquela mulher negra, com microfone na mão, que reportava fatos com firmeza e compartilhava experiências, transformando, muitas vezes, o medo em seu aliado, mostrava que era permitido sonhar e buscar caminhos outros, mesmo que, para isso, tenha que se dedicar uma vida inteira. A conversa, repleta de lembranças, entre jornalistas negros, no Fantástico de 5 de fevereiro de 2023, que foi marcado por homenagens à repórter, é um exemplo disso.

Para quem acompanha minimamente os canais de TV, abertos ou fechados, percebe que o rosto, a cor e a presença de Glória Maria se multiplicam em mais jornalistas negras/os na função desempenhada por ela, nos últimos anos. Aqui cabe frisar que estamos fazendo um recorte bem específico, que tem a ver com o argumento central de nossa reflexão: a imagem das pessoas. 

Entretanto, apesar de um avanço a ser comemorado, essa abertura chega atrasada, reativa e ainda não se converteu numa maior presença negra em cargos de direção e decisão, por exemplo. Segundo a pesquisa “Raça e liderança na mídia 2023: evidências de cinco mercados”, realizada pela Universidade de Oxford e pela Reuters Institute e divulgada em março deste ano, apenas 23% dos principais editores eram negros. A pesquisa monitorou 100 empresas online e offline do Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, África do Sul e Alemanha, e, quando retirados os dados da África do Sul, o percentual de pessoas negras nas editorias cai para 11%. No Brasil e na Alemanha, a situação é a mais crítica: dos veículos analisados, nenhum possuía uma pessoa negra na editoria principal.

Quando do falecimento da jornalista Glória Maria, em fevereiro último, diversas foram as matérias que abordaram sobre sua competência, criatividade, inventividade e pioneirismo a inspirar gerações de futuros colegas. Meses depois, produtos não jornalísticos da TV Globo ganharam destaque no noticiário especializado no entretenimento, também pela vinculação com a temática racial. A atual edição do Big Brother Brasil, pela primeira vez, teve a maioria de pessoas negras no Top 10, ou seja, dos dez últimos participantes do programa, oito eram negros; sendo que também foi recorde o percentual de negros selecionados este ano, considerando o histórico do reality. 

Outro fato que vem ganhando a atenção dos noticiários é haver, ao mesmo tempo em exibição, duas novelas globais cujas equipes na frente (protagonistas e outras personagens de destaque) e por trás das câmeras (texto e direção) terem muitas pessoas negras – seja na novela das seis, Amor Perfeito, seja na novela das sete, Vai na Fé. Na primeira, mesmo sendo ambientada nos anos de 1930-1940, vê-se atores negros em papéis como médicos e advogados; além de o protagonista da trama ser um menino negro, de 9 anos. Levi Asaf foi descoberto pela equipe na peça de teatro na qual interpretava o Pequeno Príncipe. Já no folhetim das sete, a questão racial aparece de forma mais direta, com temas como cotas nas universidades e o estereótipo dos bailes funk.

Indo para o campo da política institucional, no pleito de 2022, pela primeira vez, o percentual de parlamentares negras/os eleitas/os para a Câmara dos Deputados foi superior a legislaturas anteriores, chegando a 26%. Entre as candidaturas, esse percentual chegou a 49,5%. No entanto, como demonstraram Luiz Augusto Campos e Carlos Machado, em artigo publicado no Nexo Jornal, a Câmara permanece ainda mais branca, dados os mecanismos de incentivos a candidaturas de pessoas negras, mas que não se mostram suficientes na ausência de instrumentos de controle quanto às autodeclarações de cor/raça.

Claro, reforçamos, esses avanços devem ser notados e comemorados. Citá-los aqui é uma forma de registrar isso. Mas, assim como no campo jornalístico há avanços a serem reivindicados, como a ampliação de profissionais negras/os em cargos de direção e com voz potente no processo decisório da produção da notícia, na mídia em geral e na sociedade, o enfrentamento do racismo deve ser cotidiano. E estamos num momento significativo, em que temos o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, ressaltando, em seu discurso de posse, que os grupos minorizados “existem e são importantes para nós”. Essa é uma oportunidade fundamental para que a reflexão e as transformações avancem. As imagens que circulam na nossa sociedade são parte relevante do processo, mas são necessárias a desnaturalização do racismo e a ampliação das oportunidades, das legitimidades e dos direitos para todas/os.

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Viviane Gonçalves Freitas é coordenadora do GT Mídia, Gênero e Raça – Compolítica.

Lucy Oliveira é vice-coordenadora do GT Mídia, Gênero e Raça – Compolítica.