Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Parlamentares bolsonaristas perdidos em Nova York

Sede das Nações Unidas em Nova Iorque. Foto: ONU/Manuel Elias

Quando se trata da questão de defesa dos direitos humanos, a ignorância dos políticos bolsonaristas é total. Seria o caso de se criar em Brasília, além da bancada da bala e a dos evangélicos, uma bancada complementar: a dos desorientados. No caso dos direitos humanos, não se pode pleitear proteção aos instigadores, divulgadores, apoiadores e executores de atos violentos, apanhados com a boca na botija.

Entretanto, se queriam mesmo tentar enganar as autoridades internacionais, era preciso saber o endereço dos órgãos internacionais competentes para receber denúncias de violações de direitos humanos, a fim de evitar o ridículo e o vexame, no qual caíram os senadores Eduardo Girão, Magno Malta, Carlos Portinho, o deputado federal Marcel Van Hattem e as dezenas de parlamentares que os acompanhavam.

Entende-se, talvez nem saibam no que consistem os direitos humanos, pois estiveram alinhados em outras campanhas, as de defesa dos “humanos direitos”, como costumava ironizar o ex-presidente Bolsonaro.

Mas qualquer secretária sabe e se não souber tem um celular ou computador e nele acharia o endereço da ONU pelo Google. O próprio senador Girão poderia ter feito isso sozinho, sem ajuda. Ou é incapaz de procurar onde fica a Comissão de Direitos Humanos da ONU?

Em todo caso, se ouviram falar que a deputada Carla Zambeli apresentou uma queixa nos EUA, junto com o jornalista Paulo Figueiredo, tratando de violação de direitos humanos no Brasil, deveriam ter prestado mais atenção, pois a ainda deputada e o neto do antigo ditador João Figueiredo, ex-correspondente da Jovem Pan nos EUA, não recorreram à ONU, mas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cuja sede não é Nova York, mas Washington.

E o assunto não consistia em violações pessoais de direitos humanos, mas reclamações relacionadas com o que chamaram de violações de direitos de liberdade de imprensa. Tanto Zambelli como Figueiredo tiveram suspensas e canceladas suas contas nas diversas redes sociais, inclusive Youtube, pelas quais recebiam pagamento. Essas contas, segundo decisão do STF, defendiam declaradamente o golpe pretendido pelo ex-presidente Bolsonaro, junto à chamada manada bolsonarista, composta de milhões de seguidores.

Talvez Girão e seus seguidores mal-informados tenham percebido a tempo não desejarem entregar suas queixas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Seria à ONU, mesmo porque tinham visto o ex-presidente Bolsonaro pronunciar discursos na ONU de Nova York. Um simples turista poderia pensar assim: pois Nova York é a sede principal da ONU e o prédio ali construído pelo arquiteto Wallace Harrison se baseou também em propostas de Oscar Niemeyer e Le Corbusier.

Só que a ONU tem mais três sedes adicionais. A de Genebra foi construída em 1948, onde estão a Comissão de Direitos Humanos e o Comitê de Direitos Humanos. As outras duas sedes da ONU estão em Viena, capital da Áustria, e Nairobi, capital do Quênia. Mas se o objetivo dos parlamentares liderados por Girão era o de condenar internacionalmente os ministros do STF, por terem prendido os golpistas terroristas que atacaram a sede dos Três Poderes em Brasília, o lugar mais indicado para apresentar a queixa seria em Haia, na Holanda, no Tribunal Penal Internacional, também chamado de Corte Penal Internacional.

Haveria, porém, um cuidado a ser observado pelos parlamentares bolsonaristas: nesse Tribunal existem diversas queixas contra o ex-presidente Bolsonaro, por genocídio e crime contra a humanidade.

Esse Tribunal não é brincadeira e o desinformado senador Girão deveria contar isso a Bolsonaro. Veja só: o presidente russo Vladimir Putin foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional e evitou ir à reunião do Brics, em Joanesburgo, para não ser preso, pois contra ele existe um mandado de prisão que a África do Sul, signatária do TPI, teria de cumprir. Além disso, os parlamentares bolsonaristas, querendo levar fake news sobre infrações aos direitos humanos no Brasil pelo STF, poderiam provocar o julgamento das queixas contra Bolsonaro e a esperada decisão pela prisão do ex-presidente, que não poderia se esconder nos Estados Unidos, como o Allan Santos, e nem na cidade natal de seu pai, na Itália.

Em todo caso, pegou mal essa impressão deixada de desconhecimento do lugar exato para protocolar uma queixa na Comissão de Direitos Humanos, importunando o embaixador Sérgio França Danese, em Nova Iorque, quando deveriam ter ido a Genebra e entregar ao embaixador Tovar da Silva Nunes, embaixador permanente do Brasil junto à ONU. Se fossem mais espertos, poderiam ir protocolar diretamente na ONU.

Bom, dizem algumas más línguas que Girão e seus acólitos não se enganaram quanto ao endereço da Comissão de Direitos Humanos da ONU e nem estavam a fim de entregar uma queixa contra Alexandre de Moraes e o STF, mas que tudo não passou de um belo pretexto para ir a Nova York, e aduzem essas más línguas, um belo fim-de-semana com tudo pago pelos contribuintes.

A colunista de O Globo também achou que seria preciso ir protocolar as queixas na ONU de Genebra. Querendo rebater a jornalista, Girão se enterrou de vez, argumentando ser possível fazer as queixas online. Seria, então, o caso de devolver os custos das passagens e hotéis de seu festivo grupo. De acordo com o site bolsonarista Diário do Poder, o documento entregue em Nova York estará nas próximas semanas em Genebra. Mas segundo o jornal O Povo, de Fortaleza, citando o deputado federal Marcel Van Hattem, o documento entregue ao embaixador Danese foi em português e ainda terá de ser traduzido para o inglês.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.