Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quando os suíços tinham escravos no Brasil

(Foto: Valéria Maniero)

Quando se fala da Suíça no Brasil antigo, a palavra empregada é imigração e logo surge uma cidade pioneira, Nova Friburgo, na montanha perto do Rio de Janeiro, criada pelo rei de Portugal, d. João VI, em 1818, quatro anos antes da independência brasileira.

Seus primeiros habitantes lhe deram o nome de Nova Friburgo, em homenagem à cidade suíça de onde tinham vindo. Houve também grupos de imigrantes suíços no sul do Brasil e outros lugares, porém é difícil saber o número exato porque os registros misturavam suíços com alemães.

Mas não se sabia que muitos suíços se comportavam como colonizadores utilizando o trabalho escravo, nas terras que receberam também do rei d. João VI no extremo sul da Bahia. Talvez porque do grupo fizessem também alemães. O Museu de Etnografia de Genebra organizou uma exposição fotográfica revelando a existência de uma extensa área, dedicada à plantação de café, com o nome de fazenda Helvécia, parte integrante da Colônia Leopoldina, criada em 1818, que hoje é distrito do município baiano de Nova Viçosa.

As fotos e vídeos mostrados na exposição, aberta ao público durante três meses, no Museu de Etnografia de Genebra, com o nome de “Helvécia, uma história colonial esquecida”, são do suíço-brasileiro Dom Smaz, da cidade suíça de Lausanne, filho de mãe brasileira e pai suíço.

Sua descoberta e seu interesse pelo passado colonial escravagista suíço se devem a uma “viagem descoberta” ou “road trip” feita com sua companheira Milena Machado Neves ao sul da Bahia, quando viu uma placa na estrada indicando o distrito de Helvécia, o nome original da Suíça, que muitos de seus habitantes desconheciam por terem suas origens na África.

Todas as fotos estão reunidas no livro documentário “Uma história colonial suíça no Brasil”, editora Lars Mueller Publishers, um importante documento de um passado suíço desconhecido, que, por sua importância histórica e política, mereceria ter um prefácio de apresentação de Jean Ziegler. As principais pesquisas e as entrevistas com moradores locais foram feitas por Milena Machado Neves.

A exposição mostra também depoimentos em vídeos que nos fazem recuar duzentos anos e descobrir a existência de fazendas de café que enriqueceram colonizadores brancos, nas quais trabalharam em algumas gerações milhares de escravos importados da África em situação terrível dentro de navios negreiros.

Quando foi abolida a escravidão no Brasil, em 1888, muitos dos fazendeiros escravocratas retornaram à Europa. Restaram ali no sul da Bahia alguns nomes e alguns descendentes das misturas que ocorreram, legais ou clandestinas, de patrões e capatazes suíços com suas escravas, naquelas terras que acabaram sendo abandonadas por seus proprietários. O fim da escravidão tinha tornado não lucrativas as plantações de café.

Os escravos libertados passaram a utilizar as terras para o plantio diversificado dos cereais e legumes necessários à sobrevivência e felizmente alguns dos habitantes mais instruídos decidiram pedir a concessão à comunidade do título de quilombo à Fundação Cultural Palmares, obtido em 2005.

Geralmente são consideradas quilombolas os lugares onde se refugiaram escravos negros em fuga. Helvécia, ex-Leopoldina, constituía uma exceção, porque foram os proprietários das terras e escravos que abandonaram a região em busca de lugares mais lucrativos ou de retorno à Alemanha e Suíça. O mais original é um antigo quilombo, com quase toda população pobre e negra, ter o nome Helvécia, o nome original herdado da rica e branca Suíça, assinala Smaz, num dos comentários inseridos entre as fotos.

O primeiro suíço a se instalar na região foi Abraham Langhans, nascido em Berna, em 1819, atraído pela fertilidade da terra, onde se podia plantar arroz, mandioca, laranjas, limões, bananas e frutas exóticas e ter grandes colheitas. As boas notícias logo chegaram à Suíça e outros conterrâneos logo vieram de Neuchâtel, como Pierre-Henri Beguin e Philippe Huguenin. O nome da região provém da enorme fazenda (o governo doava as terras para o plantio) Helvetia, de Johann Martin Flach.

Em pouco tempo a região se transformou numa das maiores exportadoras do café, fazendo a Suíça criar numa cidade portuária próxima, Caravelas, uma agência consular. O sucesso era extremamente lucrativo para os fazendeiros, com um custo mínimo na produção, pois os plantadores, colhedores, ensacadores e transportadores eram escravos vindos da África. Escravos submetidos ao tratamento do chicote, como contava o fazendeiro David Pache numa carta à sua irmã.

Em 1850, o médico da região, Karl August Toelsner empregava 200 brancos num total de 2000 escravos negros, repartidos em 40 fazendas.

Sete anos depois da abolição da escravidão, 1895, a Suíça fechou o vice-consulado de Caravelas, aproveitando da demissão de Luis Bornand de seu cargo. Nessa altura, a exportação do café, sem escravidão não era tão lucrativa. A exploração escravagista não era boa escola, pois o filho suíço do último vice-consul, Edgar Bornand, foi condenado em 1947, na França, como colaborador nazista. Com a partida dos suíços, só ficaram alguns nomes de descendentes como Sulz, Krull, Metsker e Krygsman mestiçados nas últimas gerações.

Do café aos eucaliptos

A história da exploração de negros trazidos da África amarrados, muitos deles desembarcando perto de Caravelas e sendo dirigidos para as fazendas de café de colonos alemães e suíços não parou. Hoje, o café foi substituído pela monocultura do eucalipto naquela região. E existem trabalhos de pesquisas de universitários reproduzindo a maneira como os negros reconhecidos como descendentes dos escravos de Helvécia lutam para não terem suas terras, reconhecidas por lei e pelo estatuto de quilombo, tomadas por grupos do agronegócio madeireiro dos eucaliptos como Aracruz Celulose e Suzano Bahia Sul Celulose.

Destaco o trabalho de pesquisa feita há alguns anos pela professora Liliane Fernandes Gomes da Universidade do Estado da Bahia sobre a Atuação da Associação Quilombola de Helvécia frente às empresas de Eucalipto. E uma entrevista bem recente do presidente da Associação Quilombola Volta Miúda e da Cooperativa Quilombola do Extremo Sul de da Bahia, na qual se revela como a Suzano, maior empresa de papel e celulose do mundo, continua operando com graves violações e ilegalidades. As comunidades continuam lutando para recuperar suas terras.

Outro trabalho, de há alguns anos, é o de Paulo Vinicius Brito dos Santos Oliveira, que trata do Quilombo de Helvécia, lugar de memória e resistência, num relato da luta dos descendentes dos escravos contra a monocultura dos eucaliptos que acabou com os peixes no rio e com a fertilidade das terras, além de ser muito poluente.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.