Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Se a imprensa não ficar atenta, mais tragédias anunciadas acontecerão em São Paulo

(Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Foi uma tragédia anunciada o apagão causado pela tempestade que atingiu na sexta-feira (11/10) a Região Metropolitana de São Paulo. O vendaval e a chuvarada mataram sete pessoas, deixaram sem energia elétrica 2,1 milhões de residenciais e espalharam pânico e destruição por todos os cantos, em especial na cidade de São Paulo. Não vou olhar essa bronca pelo lado das empresas estatais ou privadas. Não é a hora. Vou focar na cobertura da grande imprensa na questão do fornecimento de energia elétrica. Em 2023, houve um apagão na capital paulista entre os dias 3 e 9 de novembro. Ou seja, levou seis dias para ser resolvido. Desta vez, o rolo foi maior. Mais de uma semana depois das chuvas e dos ventos ainda havia consertos a serem feitos. Não digo que li, vi e ouvi tudo que se publicou sobre os estragos da tempestade nos jornais, rádios, TVs, sites e redes sociais. Mas o suficiente para ter uma boa ideia de como a imprensa cobriu o apagão. A cobertura diária está sendo feita com eficiência e lançando luzes nos cantos escuros do emaranhado de interesses eleitorais e econômicos que envolve os governos federal, municipal e estadual, a fornecedora e distribuidora de energia elétrica, a multinacional italiana Enel (Ente Nazionale per l’Energia Elettrica) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Vamos a nossa conversa.

Oproblema da cobertura da grande imprensa começa agora, quando termina a emergência. E as matérias migram das manchetes para o pé das páginas. O problema não é de hoje. Vem de longe. Trabalhei em redação de 1979 a 2014 e me especializei em jornalismo investigativo sobre conflitos agrários, crime organizado nas fronteiras e migrações. Por conta disso, passei a maior parte do tempo viajando pelos rincões do Brasil e países vizinhos. Mas quando estava na redação e acontecia um evento extraordinário, eu era chamado para participar das famosas “forças-tarefas”, também conhecidas como “pescoção”, e operava fazendo a cobertura diária. Lembro-me que assim que a poeira baixava o assunto era abandonado à própria sorte. E não adiantava sugerir, nas reuniões de pauta, que se voltasse a ele, porque os editores faziam “ouvidos de mercador”, ou seja, só prestavam atenção no que lhes interessava. Entre setembro de 2023 e maio deste ano, o Rio Grande do Sul foi atingido por três enchentes devastadoras que deixaram um rastro enorme de destruição, mais de 200 mortes, muitos desaparecidos e inundações por todos os lados. Inclusive na capital, Porto Alegre, onde, na enchente de maio, as águas do Guaíba atingiram níveis históricos, alagando o Centro e vários bairros, deixando fora de operação a Estação Rodoviária (intermunicipal) e o Aeroporto Internacional Salgado Filho. A rodoviária voltou a operar com restrições alguns dias depois que as águas baixaram, mas o Salgado Filho só deverá ser parcialmente reaberto na próxima semana (terça-feira, dia 21), depois de permanecer cinco meses fechado. Tenho questionado a grande imprensa local sobre a qualidade dos consertos feitos, em especial nas casas de bombas encarregadas de evitar os alagamentos em Porto Alegre. E na rede elétrica da Equatorial Energia – CEEE. Entre os posts que tenho publicado se encontra Conserto no sistema contra as cheias da capital resiste às “enchentes de São Miguel?” Uma pergunta sobre o Salgado Filho: qual a garantia de que na próxima cheia ele não ficará debaixo da água novamente?

No ano passado, quando aconteceu o apagão na cidade de São Paulo, um colega inglês, que conheci nas coberturas de conflitos agrários, me perguntou o que exatamente estava acontecendo. Resumi toda a situação em poucas palavras: falta de manutenção. Se não acontecer nenhuma outra tempestade nos próximos dias, os consertos dos estragos na rede distribuição de energia elétrica deverão estar concluídos até o final do mês. Faço a seguinte pergunta. Qual é a qualidade dos reparos feitos pela Enel na rede elétrica? Serão suficientes para resistir ao próximo temporal? Com o “novo normal do clima” é certo que as tempestades violentas se repetirão. Daí a importância do assunto continuar ocupando os lugares nobres dos noticiários. São escassos os repórteres da minha geração que continua nas redações. E também são raros os que se tornaram diretores ou editores. Cabe à nova geração de jornalistas pressionar as direções das redações para manter na pauta assuntos relevantes, como é o caso da rede elétrica de São Paulo. Um capítulo à parte no caso de São Paulo é o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa Neto, que assumiu o cargo em 2022 e cujo mandato vai até 2027. Não sei como funcionam nos outros países as agências reguladoras, se é que existem. Aqui no Brasil são 11 agências federais e o funcionamento delas merece a atenção da imprensa. A Aneel é apenas a ponta de iceberg. Essas agências entraram no radar da imprensa durante o governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos. Na pandemia da Covid, ele fez do seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus uma política de governo.

Surgiram muitas propostas para mudar a estrutura das agências. Não é um assunto fácil de mexer e não haverá mudanças do dia para a noite. Até lá, muitas calamidades vão acontecer. Por isso, é necessário que os jornalistas fiquem atentos ao que vai rolar. A propósito das mudanças nas agências, ouvi alguns colegas comentarem que elas devem ser dirigidas por técnicos, e não por políticos. Conversa fiada. O problema não é quem dirige as agências. Mas quem as vigia, para que façam a coisa certa. Mais uma vez. Daí a importância da imprensa ficar atenta. Para arrematar a nossa conversa. Desde os tempos que os jornalistas molhavam a ponta de uma pena num tinteiro para escrever as suas matérias até os dias atuais, em que vivemos cercados por uma enorme parafernália tecnológica, as coisas só funcionam se a imprensa pressionar.

Texto publicado originalmente em Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.