Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Se Jango tivesse resistido ao golpe de 64 existiria o bolsonarismo?

(Foto: Reprodução)

A volta do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Brasil aconteceu na manhã de 30 de março. Um dia antes do golpe militar de 1964 completar 59 anos. Coincidência? Não, Bolsonaro aproveitou a data para lembrar aos seus seguidores que continua fiel aos valores políticos dos golpistas de 64. Para mim, trouxe a lembrança de que há meio século uma pergunta sobre 1964 ronda as mesas dos botecos. Eu a ouvi pela primeira vez em 1974 ou 75, quando comecei a frequentar os bares nas proximidades das redações dos jornais. A pergunta é a seguinte. Se o então presidente da República João Goulart, o Jango do antigo PTB, em vez de se refugiar no Uruguai tivesse ficado no Brasil e enfrentado os golpistas, como defendia o seu cunhado, o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, teria acontecido o golpe que instalou o regime militar no país? Brizola tinha café no bule para instigar a reação aos militares. Em 1961, ele era o governador gaúcho e liderou o Movimento da Legalidade, que enfiou garganta abaixo dos generais a posse de Jango na Presidência da República, depois da renúncia do presidente Jânio Quadros – há matérias, livros, filmes e muitos documentários sobre a Legalidade. Nunca saberemos o que teria acontecido se Jango tivesse resistido.

A ditadura militar acabou em 1985. E, na medida em que redemocratização do país se consolidava, essa pergunta começou a rarear nas mesas dos botecos. Até ser ressuscitada durante o governo Bolsonaro. O que a ressuscitou? Até a eleição de Bolsonaro, em 2018, a imagem que as Forças Armadas tinham na opinião pública era de competência, honestidade e organização. Essas qualidades, somadas às articulações internacionais dos militares brasileiros, influenciaram Jango a não reagir e se refugiar no país vizinho, como consta nos livros de história. Jango teria uma chance de atrapalhar o golpe se tivesse reagido. Esse é o recado que deixa a participação dos militares no governo Bolsonaro. Oficialmente, as Forças Armadas não participavam do governo. Mas o então presidente vendia a imagem de que participavam. Na verdade, eram os Generais do Bolsonaro, como a imprensa apelidou um grupo que somavam mais de 6 mil militares (ativa, reserva e reformados) que foram designados para preencher cargos civis na administração federal. Os militares desse grupo estavam no governo por sua conta e risco. E não se aliaram por motivos ideológicos ou qualquer outro que não fosse dinheiro – há matérias na internet. Eles deixaram um rastro de incompetência administrativa, ilegalidades, abusos e outras irregularidades, principalmente no Ministério da Saúde, durante a pandemia causada pela Covid. A joia da coroa dessa situação foi o apoio dos Generais do Bolsonaro aos atos terroristas de 8 de janeiro, quando um grupo de bolsonaristas radicalizados acampados na frente do Quartel-General do Exército (QG), em Brasília (DF), tentou derrubar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quebrando tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF). O resultado desse rolo: mais de 1,4 mil pessoas envolvidas nos atos terroristas foram presas. Oficiais e graduados da Polícia Militar, do Exército e agentes da Polícia Federal (PF) envolvidos cumprem prisão preventiva ou estão em liberdade vigiada e sendo processados.

Bolsonaro voltou para o Brasil depois de permanecer 90 dias nos Estados Unidos, para onde viajou dias antes do final do seu mandato para evitar passar a faixa presidencial para Lula. Há uma espécie de unanimidade entre jornalistas, historiadores e parlamentares de que o ex-presidente tem capital político para fazer oposição ao governo Lula. Mas fazer oposição dentro das regras estabelecidas pela Constituição. Se ele e seu círculo íntimo de líderes forem para a conspiração, atos terroristas e outras loucuras vão acabar presos. Bolsonaro tem alardeado aos quatro ventos que defende a direita. Todos sabem, até as pedras das ruas, que é conversa fiada. Ele defende os interesses da extrema direita, que são diferentes aos da direita tradicional – há matérias, livros e documentos disponíveis na internet. As ideias de extrema direita que consolidaram o nazismo, na Alemanha, e o fascismo, na Itália, nos anos 30, são responsáveis pela carnificina da Segunda Guerra Mundial e voltaram a circular no mundo atual camufladas com pele de cordeiro em corpo de lobo. Quem imaginaria que tentariam dar um golpe de estado nos Estados Unidos? Em 6 de janeiro de 2021, instigados pelo então presidente americano Donald Trump (republicano), invadiram o Capitólio, o Congresso americano, e tentaram impedir a eleição do presidente Joe Biden (democratas). No Brasil, em 8 de janeiro de 2023, bolsonaristas radicalizados tentaram derrubar Lula.

Para arrematar a nossa conversa. Os comandantes das Forças Armadas (Marinha, Aeronáutica e Exército) estão, em passo acelerado, fazendo as “desbolsonarização” dos quartéis, um processo que está sendo conduzido pelo ministro da Defesa, José Mucio Monteiro Filho – há matérias na internet. Em parte, a influência do ex-presidente nos quartéis deve-se ao fato dele ser capitão reformado do Exército, onde conspirou contra os seus superiores, como relata o livro O cadete e o capitão: A vida de Jair Bolsonaro no quartel, escrito pelo repórter Luiz Maklouf Carvalho. Lembro aqui o que falou sobre ele o quarto presidente da República na ditadura militar, o general gaúcho Ernesto Geisel, em entrevista dada em 1993 para a Folha. Ele disse que Bolsonaro foi um mau militar, que só pedia um novo golpe. Esse foi, é e sempre será o grande projeto político do ex-presidente. Alguém tem dúvida?

Texto originalmente publicado em Histórias Mal Contadas 

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.