‘Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a sua fogueira’ (Tolstoi). Se por uma proeza da ciência – ou por milagre de Deus – pudéssemos transportar o artigo ‘Do État-gendarme ao Estado-pastor’ de Muniz Sodré para os idos dos anos 60, teríamos a sensação de estar diante de um apaixonado panfleto do conservadorismo católico, recebido das mãos de um não menos apaixonado militante da TFP. Apesar de não ser jornalista, abusando da minha inquieta posição de cidadão comum, gostaria de provocar alguns questionamentos: no que diz respeito ao caos urbano vivido no Rio, que cenário social podemos imaginar diante da implantação de ações inteligentes e eficazes de combate à violência? As manifestações do ‘poder paralelo’ são a expressão nua e crua da incompetência e falência do poder público (como alardeia ‘desinteressada’ a mídia) ou a reação em cadeia (sem trocadilhos) de medidas até certo ponto validas de combate à bandidagem?
Não é ingênuo imaginar, por exemplo, que a ‘turma’ tomaria a decisão racional de um rendimento pacífico e harmonioso após cada investida policial? Um cenário de trégua e ‘tranqüilidade’ é motivo de alívio ou de desconfiança? Assumir-se como minoria é sempre uma atitude de coragem. Apesar de manter significativas divergências políticas (nunca mereceram o meu voto), admiro a atitude do ‘casal governador’ em declarar publicamente que são protestantes, tornando-se alvo fácil da retaliação (consciente ou não) de uma maioria esmagadora. Boa parte da artilharia apontada para o par de governantes não está fundamentada, a meu ver, na discordância pontual de natureza política – leia-se, divergências de caráter ideológico quanto à administração da coisa pública.
Esta crítica desenfreada, recheada de provocações ardilosas e risinhos cínicos, provém do desconforto (muitas vezes inconsciente) e da ‘esquisitice’ que é ao despojado carioca ter ‘dois crentes’ à frente do governo do estado: esta ‘gente esquisita’ que ‘entrega o seu dinheiro para os pastores’, ‘ignora os costumes tradicionais’, ‘não acredita na evolução da espécie’ etc. Por que terceirizar parte do sistema penitenciário? Quais as vantagens de entregar a guarda de presos a uma cooperativa de ex-policiais? Qual a chance de novos incidentes desta natureza ocorrerem e que ações preventivas estão sendo tomadas? Por que a governadora e o secretário não aparecem tanto na mídia como na época eleitoral? Por que são sempre outros membros do governo de respondem quando a notícia é ruim?
Estes sim, são termos, a meu ver, merecedores de reflexão e cobrança. Por mais ‘exóticas’ que tenham sido as imagens ‘despretensiosamente’ publicadas sobre a atuação do pastor-herói em questão. Debochar de sua ida à negociação e insinuar sua ligação com facções criminosas é uma atitude reprovável (merecedora, inclusive, da abertura de um processo para que se prove o afirmado). É visível que há despreparo intelectual, e até mesmo psíquico, de alguns ‘líderes evangélicos’, como também há carência de ética em parte do jornalismo brasileiro (vide o recente caso do suposto alcoolismo de Lula…) e sobram escândalos e contradições na igreja católica, principal (de)formadora deste nosso jeitinho brasileiro de ser.
Ouvir pré-conceitos ou conceitos equivocadamente formados de um cidadão médio, usuário de modelos teóricos acabados, é minimamente esperado. Mas ao ler a lógica depreciativa do autor, embutida na afirmação de que no ‘Rio de Janeiro, consegue-se ver o pior por efeito de uma conjuntura governamental regressiva e obscura. Basta dizer que a governadora do estado admite publicamente não acreditar na evolução das espécies’ é de causar estranheza.
Gostaria que o jornalista explicasse: qual a ligação direta entre a capacidade administrativa da coisa pública e os conceitos estruturantes da religiosidade individual? Há algum modelo ideal de crença para garantir o sucesso político? O fato de não acreditar na evolução das espécies faz alguém ‘menos sábio’ para governar? É, ao menos, consensual entre os cientistas a tal ‘comprovação empírica’ da teoria de Darwin ? ‘Basta dizer’, prezado jornalista, que, a princípio, o papa e todas as autoridades eclesiásticas da cultura judaico-cristã também não acreditam na evolução das espécies. E agora?
E mais: ‘Uma conjuntura governamental regressiva e obscura…’ é exclusividade deste governo? Onde estava o senhor durante os governos Brizola, Moreira, Marcello? O despreparo na liderança religiosa é tão nocivo à sociedade quanto a arrogância intelectual de certos formadores de opinião. Nos dois cenários ‘o líder’ impõe, equivocadamente, aos seus ‘fiéis’ a absoluta certeza (fé) de que as coisas ‘são assim’. Há tanto simbolismo no fato de um pastor mediar um conflito (no lugar da reivindicada autoridade pública oficialmente constituída) quanto nas reações posteriores manifestadas pelos espectadores. E se fosse um padre, um rabino ou um psicanalista? A reação seria a mesma? Ou exigiria um cuidado especial para dar ao fato – se merecedor de atenção – um caráter mais ‘natural’?
Geralmente intelectuais expõem suas crises existenciais e filosóficas num confortável divã. Presidiário, prostituta, mendigo, viciado, favelado, enfim, quem vive à margem tem mesmo é pastor! E isso se dá porque historicamente as igrejas protestantes cresceram à margem, com o povo da margem, característica esta que incomoda, até hoje, boa parte da dita intelectualidade que, como já disseram um dia, tanto gosta da miséria. Se a condição imposta foi a presença do pastor, o que deveria fazer o Estado? Atender e pragmaticamente abrir um canal mais efetivo de comunicação ou explicar academicamente aos rebeldes que, segundo as concepções sociológicas sobre o Estado liberal de direito, eles deveriam pedir pela mediação de agentes do governo?
Por fim, segue aqui uma sugestão à governadora: se acontecer uma próxima rebelião, quando exigirem um mediador, deixe o ‘Estado-pastor’ de lado, ignore a possibilidade de intervenção divina e chame o Muniz Sodré. Pelo que tudo indica, ele vai resolver!
Edison Pinheiro, especialista de mercado, Rio de Janeiro
Carente de humildade
Infelizmente, a imprensa no Brasil é muito carente de humildade para reconhecer que os evangélicos prestam um grande serviço à sociedade. (…)
Rogério Basilio, empresário, Petrópolis, RJ
Teoria, e não lei
Primeiramente, não é lei de Darwin, e sim teoria. Não se pode julgar caráter ou competência por não acreditar em teoria tão sem sentido como esta da evolução. (…)
Joelcio Lopes, auxiliar administrativo, São Gonçalo, RJ
Abordagem imparcial
Caros senhores, gostaria de dar-lhes os parabéns pela matéria em questão, uma abordagem imparcial, inteligente e científica.
Edivaldo Jaques Barbosa, contador, Betim, MG