Algo assustador ocorreu em Araraquara, SP. É preciso que a norma jurídica que permite semelhantes fraudes à consciência do eleitorado venha a ser modificada. Afinal, o Código Civil dispõe em seu artigo 147, II – ‘É anulável o ato jurídico … por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude’. É o que se chama vício de consentimento. Ou seja: cumpre não sacrificar a volição do agente ao fetichismo da forma.
Três candidatos disputavam a Prefeitura, um deles, o do PSTU, mero figurante. As duas forças reais, duas coligações muito bem-estruturadas, estavam desenvolvendo os primeiros esforços para convencimento dos eleitores, quando a EPTV (Globo) divulgou sua primeira pesquisa, encomendada ao Ibope. O candidato A suplantava o candidato B por 9 pontos percentuais, mas tudo dentro da margem de erro, deduzindo-se pois um empate técnico. Dez dias após B havia encurtado a distância para apenas 3 p.p., saltando de 30 para 33, enquanto A caía de 39 para 36. Como a margem de erro fosse de 5,3% e o número de indecisos alcançasse 20%, a campanha prosseguia acesa. Quatro dias antes das eleições, um furacão maior que o terrível Ivan: a 3ª e última pesquisa. Ei-la:
Candidato A: 51%; Candidato B: 30%; margem de erro: 4,4%; indecisos: 11%; diferença: 21 %; votos válidos: A = 61 %; B = 37%; diferença: 24%. Um espanto! Manchetes, jornais radiofônicos, alto-falantes, gritos de já ganhou, atordoamento do candidato B, desânimo e traição explícita de seus candidatos a vereador. Salve-se quem puder! Abertas as urnas, os números foram:
A: 51,3%; B: 48%; diferença: 3,3%; abstenções: 18%: brancos/nulos: 7%.
Em resumo: as apontadas diferenças de 21% ou 24% eram pura fantasia, verdadeiro passa-moleque. Mesmo sob tamanho tiroteio, já sem tempo para desmentir-se a ‘pesquisa’, parte do eleitorado manteve seu voto, outra parte (18%) arrepiou carreira, os nulos e brancos (7%) acompanharam o féretro. Mas, como sempre acontece, milhares de indecisos inclinaram-se para a candidatura de A, que era a da máquina oficial, ou seja, pela reeleição.
Ressalte-se que entre a penúltima e a derradeira ‘magia’ nenhum fato desabonador, nada de extraordinário ocorreu que pudesse explicar tamanho despautério. O assunto vai ser encaminhado à Justiça, mas, de antemão pergunto: quem escolheu o prefeito da cidade? Houve lisura ou manipulação da vontade? Até o Código de Defesa do Consumidor penaliza patranhas dessa ordem, quando o peso, a quantidade, a qualidade, a divulgação enganosa, enfim, ilaqueiam o consumidor. Que esta lição não caia no limbo. A lei leniente e desfiguradora da vontade popular precisa ser contida em limites toleráveis, tais como um prazo (15 dias?), a fim de que possa haver defesa por parte do prejudicado ainda em seus programas no rádio e na TV. E é preciso punir com severidade esses que distorcem, de boa ou má-fé, um dos fundamentos do regime que, limpamente exercido, é insuperavelmente o democrático.
Elementar na democracia o respeito ao contraditório, sempre com vistas a alcançar-se a verdadeira manifestação de uma cidadania já tão eivada de falhas pelo abuso do poder econômico. Assim como Dines, quero exorcizar magos, duendes, pitonisas e falsos profetas. Continue, que a briga é boa!
Reginaldo Galli, 70 anos, professor e advogado aposentado, Araraquara, SP
As prévias de Araraquara 2
Sou editor de Cidade do jornal Tribuna Impressa de Araraquara. Circulamos com 8 mil exemplares/dia. Quero cumprimentar Alberto Dines pela clareza e profundidade do artigo. Infelizmente, reproduzimos aqui pesquisas do Ibope encomendadas pela EPTV de São Carlos (filiada da Globo). Houve três pesquisas. Em duas, o Ibope apontava empate técnico entre o prefeito Edinho Silva (PT) e Marcelo Barbieri (PMDB). Na última, publicada na quarta-feira, Edinho havia subido de 36% para 51% das intenções de voto e Barbieri caído de 33% para 30%. Havia ainda 20% de indecisos, sendo que nas pesquisas anteriores Barbieri subia e Edinho caía. Na eleição, Edinho teve 50,29% dos votos, e Barbieri, 48,6%. O candidato do PMDB vai recorrer à Justiça para tentar anular a eleição. Acredita que não vai dar em nada.
Carlos Corrêa
Cai a máscara
Em Rondônia foi pior. Em Porto Velho, as pesquisas, inclusive do Ibope, deram o candidato do PT em segundo, com 20% dos votos, e o do PSB com 40%. As urnas apontaram o candidato do PT com 32%, e o candidato do PSB com 30%. E a máscara de cientificismo cai.
Luiz Augusto de Freitas Guimarães, psicólogo, Porto Velho
É possível prever
Chamar isso de adivinhação é um profundo desrespeito à estatística e não ter a menor noção da base científica envolvida em todo o processo de ‘previsão’, que é muito confiável se feito de maneira correta e levados todos os fatores adversos em conta, como índice de abstenção e o modo como foi escolhida a amostra. Pergunte a qualquer estatístico. Não é um simples ‘chute’ para ficar tentando adivinhar… é possível prever com margem de erro.
Vagner Junior, estudante, São Paulo
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