Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Criacionismo e Fukuyama

Elegante, contundente e certeira a matéria de Ulisses Capozzoli, sobre o criacionismo rastaquera do casal Garotinho e sua tentativa (que reputo ilegal, à luz da Constituição) de introduzir subrepticiamente o obscurantismo da interpretação bíblica literal nas aulas de Religião das escolas fluminenses. Não tenho a acrescentar nesse particular e apenas formulo meus cumprimentos pela aula pratica de darwinismo e pela discussão das implicações científicas do tresloucado gesto do casal bizarro. Apenas não entendi o que vem a fazer o neoliberalismo e Fukuyama nessa matéria, tal como evidenciado neste trecho: ‘Uma sumariedade doentia cobre a face do mundo. Talvez seja esse o principal legado do neoliberalismo que Francis Fukuyama proclamou como ‘o fim da história’.’

Incompreensível para mim, pois não está claro se foi Fukuyama quem cobriu o mundo de uma ‘sumariedade doentia’ (o que isto quer dizer tampouco está claro) e o que o neoliberalismo tem a ver com o criacionismo. Determinados chavões podem encantar uma certa platéia, que atira sem pestanejar cada vez que lê algo próximo de ‘fim da historia’ ou de ‘neoliberalismo’ em algum texto jornalístico, mas o autor deveria ter um certo cuidado com conceitos que se referem a uma outra realidade e a um outro tipo de debate. Em todo caso, estou carente de uma explicação mais detalhada sobre esse tipo de vinculo que me pareceu pouco claro.

Paulo Roberto Almeida, diplomata, Brasília



Ulisses Capozzoli responde

Caro Sr. Almeida, obrigado por sua mensagem e suas observações. O famoso artigo de Fukuyama, festejado por parte da mídia, é uma das simplificações mais absurdas dos últimos tempos. Mesmo pensadores conservadores disseram que certamente ele não leu Hegel e, se leu, não entendeu nada. Usei a referência como metáfora desta era na qual, muitas vezes, nem chegamos à simplificação. Ficamos no puro simplismo, como acontece com o casal Garotinho. (U.C.)



Nada a ver com dogma

É interessante ler escritos de pessoas como o Sr. José Eduardo Camargo. Pois, como sempre, escolhem cuidadosamente – ou pensam que escolhem – que argumentos usar para defender suas idéias. O autor declarou que, do ponto de vista das leis de Newton, o Big Bang e o evolucionismo não são teorias válidas. Tenho dois outros exemplos de idéias que não são válidas à luz das leis de Newton:

1) De acordo com as leis de Newton, o computador em que o autor escreveu seu e-mail não pode funcionar. Isso porque ele só funciona porque existem materiais denominados semicondutores, que são o bloco construtor dos chips de computador. Esses fenômenos não podem existir, pois não são explicáveis pelas leis clássicas de movimento de Newton. Assim, o computador funciona pela pura vontade de Deus, Q.E.D.!

2) De acordo com as leis de Newton, o funcionamento da antena parabólica que o autor e tantas outras pessoas têm em suas casas é inexplicável, e só pode ser atribuído à inequívoca existência de Deus. Isso porque é necessário recorrer-se à Teoria da Relatividade Restrita (TRR) para calcular corretamente as órbitas dos satélites de que provêm os sinais captados pelas antenas – caso contrário, ou acabam caindo de volta na Terra ou simplesmente se perdem em órbita. Porém, como a TRR viola todos os conceitos da mecânica newtoniana em altas velocidades, ela não pode ser válida de maneira alguma, e assim o satélite fica em órbita – claro, porque Deus quer.

Paro por aí. Criacionistas falam que a evolução é impossível por causa da segunda lei da termodinâmica, mas ‘esquecem’ que desde os primórdios a Terra não é um sistema fechado (e portanto não sujeito às limitações das teorias entrópicas). Essas pessoas dizem que o Big Bang é impossível, mas escondem convenientemente o fato de que podemos calcular o Big Bang até 0,00000000000000000000000000000000000000000000000000001 segundo após a sua ocorrência. Como ainda não sabemos (e talvez nunca saibamos) o que aconteceu no instante inicial, jogam fora toda a teoria – independentemente de quantos indícios existam e que apontem que ela seja, de fato, correta.

Finalmente, não há nada de dogmático em nenhuma das teorias citadas. Darwin criou sua teoria evolucionária porque viajou pelo mundo inteiro colhendo evidências que a sustentassem. O Big Bang é confirmado pela expansão do universo que, para espanto dos cosmólogos, parece estar aumentando cada vez mais sua taxa de expansão. O que é dogmático é atribuir a um ser supremo a responsabilidade e a autoria de tudo que ainda não conhecemos. E negar que talvez existam coisas que o espírito humano talvez nunca possa compreender.

Paulo Fessel, físico e analista de sistemas