Na revista Veja de 13/10/2004, edição 1.875, à página 51, é publicado um artigo sobre o reconhecimento dos EUA de que o Iraque não dispunha das famosas armas de destruição em massa. Em determinado ponto há um trecho, no mínimo, interessante: ‘É nesses momentos que a democracia americana revela suas admiráveis eficiência e transparência. Não é em qualquer país que uma equipe de técnicos, indicada pelo governo, conclui, depois de mais de um ano de investigações, que o presidente fez uma guerra pelo motivo errado.’
Pensei com meus botões: ‘Maravilha! Os gringos descobriram o que o resto do mundo já sabia! De fato, não é qualquer democracia que invade um país enfraquecido por mais de 10 anos de embargo comercial, cercado por bases militares norte-americanas, após muito mais de um ano de investigações, por parte da ONU, que diziam ser improvável a existência de armas de destruição em massa, e contra a maioria da opinião pública, dos políticos e intelectuais do mundo, desrespeitando inclusive a vontade da própria ONU.
Ótima democracia, na qual o mais votado nas eleições não assume o cargo de presidente.’ Na página seguinte, 52, na submanchete, ou seja qual for a nomenclatura técnica para a frase situada sob a manchete, estava estampado que o ‘Colapso do sistema de energia elétrica expõe o fracasso do regime comunista em Cuba’. Novamente pensei com meus botões, que por não terem este hábito já estavam meio cansados: há tempos deixei de ler assiduamente a Veja, mas não me consta que, na crise energética que o Brasil sofreu anos atrás, tenha sido publicado algo como ‘Colapso do sistema de energia elétrica expõe o fracasso do regime capitalista no Brasil.’
Mas isso talvez seja explicado na página 100, onde a atuação do Cade na fusão Nestlé e Garoto rendeu a manchete ‘Isso não é capitalismo’. Então a manchete jamais publicada sobre o apagão tupiniquim deveria ter sido ‘Colapso do sistema de energia elétrica expõe o fracasso do regime pseudogeléico-capitalista no Brasil.’ Após ler e discordar a respeito do apagão de Cuba – país que sofre embargo econômico há muito mais tempo do que o Iraque sofreu, diga-se de passagem – folheei o magazine e encontrei algumas outras matérias que pareceram distorcidas à minha modesta opinião.
Longe de mim ser ‘ultrapassado’, ‘xiita’, ‘neobobo’, e outros adjetivos com que o magazine Veja generosamente brinda aos que ousam discordar de suas idéias – traduzindo para linguagem inteligível, não sou um radical de esquerda. Também não sou formado em Jornalismo, e não tenho maiores pretensões de ser o dono da verdade. Mas fica a impressão forte de que o termo ‘magazine’ (mais utilizado em países de língua inglesa) é mais apropriado do que ‘revista’, quando nos referimos à Veja. Acho impossível uma pessoa ser imparcial, por mais boa vontade e esforço sinceros que ela empregue neste sentido. Por conseqüência, diretores de órgãos de imprensa podem passar a imparcialidade, consciente ou inconscientemente, às suas publicações.
De certa forma, isso até é saudável, já que oferece ao leitor a oportunidade de comparar diferentes visões de mundo, e escolher entre uma delas ou, melhor ainda, criar sua própria opinião. O que não acho recomendável é a emissão de idéias e conceitos claramente tendenciosos para determinado lado, seja de ‘esquerda’ ou de ‘direita’, protegidos sob a aura de ‘opinião imparcial’. Se a ‘Veja’ assim desejar, que continue com sua atual orientação político-editorial. Mas seria mais transparente e honesta se assumisse que não é tão imparcial como alega ser.
Rogerio C. S. Almeida, programador de computador, servidor público federal
Patriotas e outros
Continua o debate econômico entre desenvolvimentistas (ou inflacionistas) e os fiscalistas (ou geradores de desemprego). Em coluna recente, Luís Nassif alterou a natureza das ‘apostas’ nessa disputa, introduzindo nela um suspeito ingrediente. É bom deixar claro os times escalados nesse confronto: de um lado, gente como Malan, Maílson, os economistas do Plano Real, o grupo em torno de Palocci-Meirelles; de outro, Conceição Tavares, Paulo Nogueira Batista, Beluzzo, Ricúpero, Luís Nassif. Os primeiros, com emprego garantido, dispostos a defender para o povo uma dieta de rigor antiinflação que mantenha alto o desemprego. O segundo time, munido dos instrumentos hábeis a defender seu patrimônio pessoal contra a inflação, propõe ‘um pouquinho mais de inflação’.
Encrencas éticas que mereceriam mais atenção dos observadores de nossa imprensa. Recentemente, Nassif vem, em sua coluna, traçando uma analogia entre o que seriam dois modelos econômicos favoráveis aos rentistas-financistas e nocivos ao país: o de 100 anos atrás e o atual, de FHC-Lula. Na coluna do dia 6/10/04, Nassif cruzou a linha vermelha entre debate democrático e algo que é outra coisa: escreveu que a ‘legitimação desse modelo se dá por meio de economistas formados em universidades norte-americanas, com pouca identificação com o país…’.
Quer dizer, o Sr. Nassif tem receio de incorrer em pecado de mau gosto e dizer às abertas que seus oponentes são impatriotas, mas deixa clara a insinuação de que é assim (ele, naturalmente, seria um perfeito patriota). A história nos ensina que é por fendas desse tipo que se insinua e prospera o fascismo.
David Waisman, Brasília
Luís Nassif responde
O leitor confunde nacionalismo com patriotismo (entendido por amor à pátria). São conceitos diferentes. Pode-se ser (ou se dizer) internacionalista ou nacionalista pensando no melhor para o país, ou para si próprio, independentemente da posição escolhida. A figura do economista formado no exterior, com pendor internacionalista, influenciando políticas econômicas de seus países de origem, faz parte da literatura econômica mundial, de Friedrick List (que analisou o subdesenvolvimento no século 19) ao brasileiro Manuel Bonfim (que analisou a política de estabilização da Primeira República). (L.N.)
Economia na Globo
Venho acompanhando com freqüência os programas jornalísticos da TV Globo, nos quais todos insistem em informar que a economia nacional vem crescendo nos últimos tempos (durante o governo Lula), alegando altas expectativas no comércio e na indústria. Porém, duvido que esse fato confira com a realidade, pelo menos no meu estado. Será que existe algum tipo de parcialidade? A TV Globo estaria novamente alienando os brasileiros em favor de seus interesses?
Akhenaton Buarque, estudante, Recife
Repórter, produto em falta
É simples a conclusão a que chegamos. Jornalistas, são muitos. O que falta, na realidade, é o repórter. Produto extremamente valioso e em falta no mercado.
Gil Horta Rodrigues Couto, radialista, Juiz de Fora, MG
O real dever
Penso caber um questionamento importante neste momento em que o mercado de comunicação expande suas fronteiras e lucros. Se a mídia se expande em detrimento da qualidade na construção de suas informações, a tendência não é o pioramento progressivo dessa qualidade? E se os meios, principalmente eletrônicos, multiplicam sua influência, como prevê a Pyramid Research, não aumentará também a mediocridade da capacidade crítica e analítica dos que recebem diariamente doses e doses de informação? Creio ser essa a hora, se não já passada, de pararmos e analisarmos o real dever da mídia, uma vez que é, sem sombra de dúvida, uma enorme formadora de opinião e caráter da massa.
Felipe Blanco, estudante de Jornalismo e comerciário, Salvador
A mídia vai bem. Já o jornalismo… – Luciano Martins Costa