Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O fantasma de Darwin

Olavo de Carvalho publicou em seu jornal da internet Mídia Sem Máscara a primeira parte de sua resposta à minha crítica, reproduzida também aqui no OI [veja na seção Ciência desta edição]. Pretendo respondê-la depois que ele escrever a segunda parte.

Dois erros de revisão me escaparam no artigo original (Observatório da Imprensa, 20/7/2004): 1) onde se lê ‘equilíbrio pontual’, leia-se ‘equilíbrio pontuado’; 2) onde escrevi ‘Por ora, basta dizer que as idéias de Spencer e Darwin passaram pela América antes de chegar aos nazistas’, deveria ter sido ‘Spencer e Galton’. O restante do texto deixa isso claro.

José Colucci Jr.



O Olavo está certo

A crítica do engenheiro José Colucci Jr., publicada neste Observatório, aos artigos de Olavo de Carvalho sobre o evolucionismo (‘Evolução e mito’, publicado no Jornal da Tarde, ‘Impostura darwinista’ e ‘Menti para os leitores’, publicados em O Globo, todos disponíveis no site do autor) mereceram uma réplica contundente da parte do filósofo, publicada no site Mídia Sem Máscara, do qual é editor. Ao que parece, o debate, se tiver prosseguimento, vai ser bem quente. Eu, da minha parte, não quero entrar no mérito de quem construiu ou deixou de construir ‘bonecos de palha’, ou de quem abusou ou não da falácia ‘ad hominem’, ou se Richard Dawkins é um gênio ou um pateta arrogante, mas sim tecer algumas considerações sobre a opinião de Olavo de Carvalho – que também é a dos criacionistas bíblicos – de que o evolucionismo, assim como o criacionismo, não é uma teoria científica.

No primeiro artigo de Olavo de Carvalho, o do Jornal da Tarde de 6 de maio deste ano, ‘Evolução e mito’, no quarto parágrafo, ele diz: ‘(…) Toda teoria científica ou especulação filosófica das origens desemboca, em última instância, no mito, e acusá-la de mito não é, por isso, uma objeção séria. Tanto o evolucionismo quanto o criacionismo são mitos, isto é, narrativas analógicas, insinuações finitas de um conteúdo infinito, separadas do seu sentido por um hiato tão imensurável quanto esse mesmo sentido.’

A questão das origens da vida, se é que faz parte da Teoria da Evolução (e não acredito que faça) é de forma acessória. Em outras palavras, mesmo que a abiogênese, hipótese preferida pelos evolucionistas para explicar como a vida surgiu sobre a Terra, possa ser encaixada na categoria de mito, isso não implica que o evolucionismo seja, ele próprio, um mito e não uma teoria científica. Evolucionismo e abiogênese não são a mesma coisa, a abiogênese não serve de sustentação para a Teoria da Evolução e nem mesmo há um relacionamento necessário entre uma e outra.

O que a Teoria da Evolução nos diz de essencial é que as espécies, ao longo de gerações, sofrem mudanças que podem conduzir à formação de novas espécies. E esse essencial amealhou, nos últimos cento e cinqüenta anos, uma quantidade significativa de evidências a seu favor, provenientes da paleontologia, da geologia, da anatomia comparada e, mais recentemente, da genética. Há muito menos evidências de que foi bin Laden quem arquitetou o 11 de setembro do que as evidências que já se obteve para corroborar o evolucionismo.

Quanto às origens do homem, especificamente, os cientistas têm optado pela explicação evolucionista em detrimento da criação especial defendida pelos criacionistas bíblicos porque, dentre outras razões, o homem, biologicamente falando, é um animal como outro qualquer e não temos nenhum motivo razoável para supor que nossa espécie tenha surgido de um modo muito diferente das demais espécies animais. Aqui, aplica-se pura e simplesmente a Navalha de Ockham, e o que sobra é a explicação mais verossímil.

Junte-se a isso o fato de que sobram evidências do surgimento do homem por meio do processo evolutivo, ao passo que simplesmente não há nenhuma evidência (exceção feita à Bíblia, para os que a consideram como tal) a favor da criação especial, e a opção dos cientistas está mais do que justificada. Na réplica à crítica de José Colucci Jr., intitulada ‘Resposta a um vigarista de Boston’, Olavo de Carvalho menciona um seminário de filosofia, de cujo material (uma apostila) consta: ‘Nem o evolucionismo nem o anti-evolucionismo são teorias científicas, porque nenhum dos dois pode ser validado ou impugnar o outro exceto por uma acumulação ilimitada de provas e contraprovas.’

Como teoria científica, a Teoria da Evolução é perfeitamente válida no contexto das ciências naturais, uma vez que oferece uma explicação coerente com os dados obtidos da natureza para a diversidade biológica observada nos dias de hoje e para a distribuição das espécies vivas observada ao longo das eras geológicas por meio do registro fóssil. Essa coerência com os dados disponíveis é o que se poderia esperar dela ou de qualquer outra teoria da biologia, da física, da química, da astronomia, da geologia (enfim, das ciências naturais) e é justamente o que o criacionismo não faz, ao desconsiderar a profusão de evidências que contrariam a noção de que as espécies vivas mantêm-se inalteradas desde a suposta criação.

Assim, tenho que concordar em parte com Olavo de Carvalho: o criacionismo definitivamente não é uma teoria científica.

Roberto Veiga, estudante de Física, Uberlândia, MG

Leia também

O fantasma de Darwin – José Colucci Jr.



Ideologia do DNA

O texto publicado pelo Observatório de Imprensa ‘A ideologia do DNA na mídia’, de Claudio Julio Tognolli, me causou bastante entusiasmo, pois pude articular sua pesquisa a uma pesquisa que fiz para minha dissertação de mestrado, ‘Pós-modernidade e construção do conhecimento em saúde mental’, em 2001. Na época, sempre que tentei na internet encontrar o termo biologismo não obtive resultados. Hoje, ao executar o mesmo procedimento, tive esta surpresa.

Em 1999, a revista Cult nº 22, de novembro, publicou um texto de Marcio Mariguela, ‘A peste onírica’, que acrescenta que aquém e além da ideologia biologista está o rechaço à invenção revolucionária do dispositivo psicanalítico. Vejamos:

‘A exposição Sigmund Freud: cultura e conflito, anunciada pela Biblioteca do Congresso em Washington para dezembro de 1995, aconteceu somente em outubro de 1998. (…) Conforme anunciado pela imprensa, a exposição foi suspensa por exigência política, muito embora a coordenação do evento tenha alegado falta de verbas. Uma petição assinada por representantes da intelectualidade americana, dentre eles cientistas, escritores e militantes da causa politicamente correta, conseguiu impedir sua realização. Motivo: a psicanálise é uma fraude. Os signatários da petição consideram a prática psicanalítica fraudulenta porque, dentre outros motivos, não leva em consideração os fundamentos bioquímicos do funcionamento mental. Sobre deste cenário na opinião pública, a revista Time, na edição de 29/11/93, publicou matéria de capa com o título ‘Freud is dead’, antecipando as proposições de petição.’ (p.51)

A recente tentativa de regulamentação da psicanálise no Brasil e em outras partes do mundo é a tentativa de apagar a psicanálise do mundo. O Observatório da Imprensa precisa direcionar seu olhar para esta questão; afinal, temos muito poucos espaços que produzam um jornalismo tão sério. Parabéns.

Luciene de Mélo Paz