Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Debate entre Eugênio Bucci e Carlos Eduardo Lins da Silva

Perfil dos debatedores.

Eugênio Bucci formou-se em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP), em 1982. Seis anos depois, graduou-se em Direito pela mesma instituição. Obteve o doutorado em 2002, também pela USP, na área de Ciências da Comunicação, com a tese Televisão Objeto: a crítica e suas questões de método.

Em sua carreira acadêmica, atuou como professor-pesquisador no Instituto de Estudos Avançados (IEA), da Universidade de São Paulo, entre 2007 e 2011. Após esse período, até 2013, dirigiu o curso de pós-graduação em Jornalismo da ESPM, com ênfase em Direção Editorial, e ganhou o prêmio Esso de melhor contribuição à imprensa, em 2013, por seu trabalho como diretor da redação da Revista de Jornalismo ESPM.

Bucci também atuou como crítico cultural e colunista em jornais como Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil, além de revistas como Veja, Teoria e Debate e Set. Na Editora Abril, dirigiu a redação das revistas Superinteressante e Quatro Rodas. De 2003 a 2007, comandou a Radiobrás. Escreve quinzenalmente para a seção de Opinião do jornal O Estado de S.Paulo.

Ganhou o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências de Comunicação em 2011, na categoria Liderança Emergente; o prêmio “Excelência Jornalística 2011”, da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP); e o prêmio “Tese Destaque USP”, por orientação no trabalho O príncipe digital: estruturas de poder, liderança e hegemonia nas redes sociais, da doutora Maíra Carneiro Bittencourt Maia. Em 2017, foi o jornalista homenageado do prêmio “Especialistas – Negócios da Comunicação”.

Atualmente, é professor titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Ministra a disciplina de Ética na graduação. Na pós-graduação é responsável pela disciplina “Fabricação do Valor no Imaginário: Uma Crítica da Comunicação”.

E a ética é tema recorrente em sua vida: além de ser autor do livro Sobre ética e imprensa, Bucci frequentemente retoma o assunto em suas discussões profissionais. Em coluna de opinião em O Estado de S.Paulo, no último dia 15 de março, ao comentar o efeito danoso das fake news para a democracia, ele levantou novamente a discussão sobre o tema do debate ocorrido na ESPM duas semanas antes, no dia 1º, quando foi convidado para conversar com Carlos Eduardo Lins da Silva sobre as questões éticas do jornalismo. O bate-papo foi gravado para o programa Cartas na mesa, uma parceria entre a ESPM e o Observatório da Imprensa.

Carlos Eduardo Lins da Silva é graduado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), em 1973, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado de Michigan (EUA), obtido em 1976. Possui doutorado em Comunicações pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), título conquistado em 1983.

Começou a carreira de jornalista em 1971, no Diário de S.Paulo. Na Folha de S.Paulo, trabalhou como repórter, editor, secretário de redação, diretor-adjunto de redação e correspondente internacional em Washington. Foi âncora no programa Roda Viva, da TV Cultura, e ombudsman da Folha de S. Paulo. Atualmente, é membro associado do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) e compõe o corpo editorial dos periódicos Revista de Administração da Universidade de São Paulo (desde 2004), Revista Política Externa (desde 2001) e Comunicação e Saúde (desde 1999).

Foi correspondente internacional por três vezes, todas nos Estados Unidos. Em 2013, foi entrevistado no Programa do Jô pela publicação de seu livro sobre o tema, Correspondente internacional, da Editora Contexto, em que explica com detalhes o que fazem os profissionais dessa área. Quando Jô comentou sobre o lado aventureiro que costuma existir nos correspondentes, Carlos Eduardo brincou: “Não foi meu caso”. Ele explicou que seu estilo é de um jornalismo menos audacioso, porém enalteceu a coragem de colegas que superam o medo ao cobrir eventos catastróficos como guerras e desastres naturais.

Sua vida profissional continua tão intensa e atarefada quanto a de seus colegas: na academia, atuou como professor visitante em diversas instituições, como a Universidade de Católica de Santos, Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Metodista de São Paulo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no curso de pós-graduação da ESPM e em universidades dos Estados Unidos. Foi professor pesquisador na Woodrow Wilson International Center for Scholars (na qual tem o título de “global fellow”), de 1987 a 1988. Atualmente, trabalha como professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo e como presidente do conselho acadêmico do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp. Tem larga experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo e Relações Internacionais.

Carlos Eduardo Lins tem 29 artigos em periódicos publicados em seu nome. Por seus trabalhos acadêmicos, foi laureado com o prêmio Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia, em 1991, e o prêmio Luiz Beltrão de Ciências de Comunicação, em 2003. É autor de oito livros, e seu nome também consta em dezenas de outras obras, seja como coautor, organizador ou coordenador.

No último dia 2 de abril, em coluna no Jornal da USP, comentou que só a imprensa independente é um remédio eficiente para garantir a democracia e a cidadania, e superar o desafio crescente das notícias fraudulentas no campo da ética e do jornalismo.

Foi convidado a participar, no dia 1º de março, do programa Cartas na Mesa, uma parceria entre a ESPM-SP e o Observatório da Imprensa. Na ocasião, Lins da Silva e Eugênio Bucci discutiram sobre questões éticas no jornalismo contemporâneo.

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“Ética e Jornalismo” foi o tema do segundo dia de debates do programa Cartas na Mesa, em 1º de março. A ESPM-SP, em parceria com o Observatório da Imprensa, convidou os jornalistas Eugênio Bucci e Carlos Eduardo Lins da Silva para discutirem sobre as questões éticas da profissão.

Desafios éticos na prática jornalística

Ambos os jornalistas concordam que a decisão ética se baseia fundamentalmente na ética cotidiana: princípios básicos como o de não mentir e o de tratar as pessoas com respeito são o cerne de qualquer profissão. Carlos Eduardo Lins da Silva deixou clara sua opinião ao dizer que “ética é uma questão profundamente individual”. No entanto, Eugênio Bucci enfatizou que cada área possui suas particularidades, e o que é lícito a um padre pode não ser lícito a um juiz, por exemplo. Segundo ele, no campo do jornalismo, os profissionais têm “a licença estabelecida pela Constituição de não revelar sua fonte de informação. [Isso] diferencia o jornalista de outros profissionais”.

O importante, ainda para Bucci, é entender a própria profissão como uma ética: ao longo dos séculos, o jornalismo veio sendo edificado sobre uma complexa teia de relações de confiança: entre o repórter e a fonte; entre o leitor e o veículo de comunicação; entre o editor e o diretor do jornal. “Nós [jornalistas] conversamos e contamos para as pessoas o que nós conversamos com outras pessoas. A credibilidade é o grande patrimônio do jornalismo”, afirmou Bucci.

 

O trabalho de contar histórias, por essência, exige confiança de os lados para que se estabeleça uma relação saudável de credibilidade.

Formação ética dos jornalistas e das empresas

“O ponto principal da ética de uma empresa jornalística é tentar assegurar a independência de sua publicação acima de todo e qualquer valor”, disse Carlos Eduardo Lins da Silva. Ele mencionou o filme The Post – A Guerra Secreta, dirigido por Steven Spielberg, que retrata o contexto da Guerra do Vietnã, quando o jornal The Washington Post se viu dividido entre divulgar ou não documentos sigilosos do governo dos Estados Unidos.

Mesmo no caso de situações menos limítrofes como essa, Bucci e Lins da Silva concordam que seria conduta antiética de uma empresa endossar decisões políticas controversas ou trocar favores com o Estado.

Bucci destaca que o termo “ética” vem do grego ethos, que possui dois significados: caráter e costume. “Ética é escolha individual, mas é também costume. A dimensão do costume e a do caráter são inseparáveis”, disse. No caso das empresas jornalísticas, e em relação à primeira definição, não basta que os indivíduos sejam éticos: e empresa também precisa ser. Já quanto ao segundo, apesar de a ética ser uma escolha individual, ela também passa pelo coletivo da empresa, estando presente de forma implícita na cultura da organização. Em outras palavras: a soma das partes é diferente do todo, e a ética coletiva extrapola a individualidade. A conduta de uma empresa, portanto, não é necessariamente embasada nas decisões particulares do líder.

Pluralidade no jornalismo

Carlos Eduardo Lins foi enfático ao defender que, sim, um maior número de vozes ouvidas implica maior pluralidade do jornal, mas ressalta uma condição: desde que essas vozes sejam representativas, não escolhidas ao acaso. Para fortalecer a pluralidade, são necessárias muitas vozes. “Não necessariamente todas as vozes, mas sim muitas vozes representativas, díspares entre si, e, se possível, antagônicas entre si”, concluiu.

Bucci acrescentou à discussão a dificuldade de estabelecer métricas precisas para a representatividade. Não existe um número ou uma variável: o jornalista deve ter sensibilidade e intuição para descobrir visões díspares, de fontes antagônicas, visando a pluralidade da história e do veículo de comunicação. Essa capacidade de faro jornalístico é uma habilidade essencial para um trabalho bem-feito.

Imprensa atual e a busca da pluralidade

Carlos Eduardo Lins da Silva destacou que o jornalismo brasileiro moderno traz em seu âmago a busca pela pluralidade, nos moldes do jornalismo estadunidense do final do século XIX e início do século XX. No entanto, não se pode generalizar: em sua opinião, a pluralidade é fundamental, mas ainda existem bons jornais no Brasil e no mundo que não seguem esse modelo. Ele deu o exemplo de veículos de comunicação europeus, como o Le Monde (França) e o The Guardian (Reino Unido), que, apesar de voltados mais ao partido socialista e ao partido trabalhador, respectivamente, ainda são grandes jornais. O bom jornalismo não está necessariamente atrelado à busca pela pluralidade. Ele se disse defensor da pluralidade, mas acredita que ela está em crise.

Bucci acrescentou que mesmo o Le Monde e o The Guardian apresentam traços de pluralidade, mas em um espectro mais restrito, e que isso não é negativo por si só. “Ele se destina a um determinado público, parte de um determinado ponto de vista, mas precisa ser plural para o espectro que ele cobre”, afirmou. Bucci destacou ainda o valor iluminista de que, sem pluralidade, não ocorre o embate das ideias, tão fundamental para mudanças e inovações, apontando que o papel do jornalista atual é justamente o de estimular o debate.

Fake news e credibilidade das empresas de comunicação

Fake news são notícias intencionalmente fraudulentas, falsas, criadas com o objetivo de lesar a opinião daquele que a lê. Bucci foi direto: “[Ela é] uma espécie de vírus que passa pelo debate público disfarçada de notícia jornalística”. As fake news falsificam a realidade, corrompendo os resquícios de credibilidade que o jornalismo ainda tem com a sociedade. Carlos Eduardo Lins da Silva defendeu que, para o verdadeiro jornalismo, as notícias fraudulentas nunca deveriam ser uma alternativa. Os bons jornais devem ser mediadores para prover à sociedade informações verdadeiras e relevantes.

Eugênio Bucci levantou a reflexão de que essa é uma grande oportunidade para o jornalismo: em um cenário conturbado, com as fake news se mostrando uma armadilha cada vez mais nociva, estratégias vêm sendo desenvolvidas para defender a credibilidade dos jornais e atrair um público que antes não se preocupava em buscar informações de uma fonte séria. As bases sobre as quais a opinião pública é formada estão debilitadas, e Bucci citou os exemplos da agência Lupa e da Truco, empresas de checagem de fatos (fact-checking) comprometidas em combater as notícias fraudulentas e em levar histórias verdadeiras e relevantes para a população.

Lins da Silva acrescentou que as agências de fact-checking são importantes, mas as pessoas também têm a capacidade (e a obrigação moral) de verificar as informações por si mesmas antes de as compartilhar como se fossem verdade. Concluiu, em tom otimista, que, com esses devidos cuidados, são poucas as pessoas que se deixam levar pelas fake news.

Papel da ética na credibilidade do jornalismo

Carlos Eduardo Lins da Silva mencionou pesquisas recentes segundo as quais a confiança no jornalismo está em queda. No entanto, defendeu que a imprensa ainda se encontra em uma posição relativamente confortável, e que a ética vem para manter a credibilidade que ainda existe nos veículos de comunicação.

Entre uma questão e outra, Eugênio Bucci trouxe uma frase que vem sintetizar todos os pontos do debate: em ética, não existe um certo e um errado, e “as grandes questões éticas opõem o certo contra o certo”.

Mesmo em tempos de crise, Bucci vê a sociedade atual endossando mais o trabalho jornalístico. Para isso, citou a recuperação do New York Times, com o aumento no número de assinantes: as pessoas parecem estar colocando mais sua confiança no trabalho do jornal, o que reflete a consciência da sociedade em apoiar a democracia, mesmo que não se concorde com o conteúdo das editorias.

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Umberto Mannarino e Luiz Felipe Mihich são estudantes do primeiro semestre de Jornalismo da ESPM-SP.

Fotos de Fernanda Shikay.