Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O papel da justiça

A censura prévia voltou com a decisão da juíza Luciana Antunes Ribeiro Crocomo, corregedora do Deij (Departamento de Execuções da Infância e da Juventude), de suspender reportagem que o jornal Folha de S. Paulo publicaria no domingo, 19 de julho.

A decisão diz que “qualquer divulgação do conteúdo dos relatórios obtidos ilegalmente, a que título for, ensejará incidência em infração administrativa” cuja pena pode ir de multa até a apreensão da publicação.

Segundo a Folha, o argumento é de que a reportagem, do jornalista Reynaldo Turollo Jr., teve acesso a informações sigilosas cuja divulgação pode ser contrária ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). O jornal diz ter sido avisado da decisão da juíza na noite de 17 de julho.

O Poder Judiciário transformou-se desde o fim do regime militar no principal instrumento de censura à imprensa no Brasil. Embora em instâncias superiores as decisões de censura sejam em geral revertidas, elas causam enormes prejuízos ao interesse público e às empresas editoras de jornais.

A decisão dessa juíza ocorre quase ao mesmo tempo em que um colega seu, Flávio Bretas Soares, resolveu impedir que menores de idade atuassem numa peça de teatro em São Paulo e outros como apresentadores de programa infantil na rede SBT.

O “estado-babá”

As decisões desses juízes mostra como o Estado brasileiro se comporta de modo contraditório, embora quase sempre prejudicial aos interesses dos menores. A reportagem da Folha sobre a Fundação Casa provavelmente daria elementos para a sociedade ajudar a cobrar das autoridades públicas melhores condições de vida para as crianças que ali são alojadas.

Já a decisão sobre os menores no teatro e no SBT são a expressão do “estado-babá” que tanta atração causa em alguns setores do Judiciário. As crianças em questão têm pais, que devem saber mais do que o juiz, o que melhor atende ao interesse de seus filhos.

O Estado brasileiro tenta com frequência tutelar a sociedade, às vezes com apoio de setores da própria sociedade, que devem se julgar incapaz de lidar com suas dificuldades. É a herança da colonização, do império, das ditaduras, em que de um lado e de outro Estado e sociedade se viam como papais (ele) e dependentes (ela).

É a mesma lógica que tenta proibir a publicidade para produtos infantis, a qual, felizmente, no entanto, sofreu importante revés recente, quando o O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) rejeitou uma apelação do Procon contra decisão favorável ao McDonald’s em um processo no qual a rede de lanchonetes foi acusada de fazer propaganda ilegal direcionada às crianças.

Nota da Redação do Observatório da Imprensa: No dia 22/7/2015, a Folha de São Paulo publicou a reportagem embargada pela juíza Luciana Antunes Ribeiro Crocomo.