Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cortes no orçamento da Capes refletem a agenda neoliberal pós-2016

Texto publicado originalmente pelo objETHOS.

Na última quinta-feira ( dia 2), o Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) emitiu um ofício ao Ministério da Educação (MEC), situando este órgão de que o teto de recursos previsto à Capes na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2019 colocaria em risco o financiamento do conjunto da pós-graduação nacional, da formação de profissionais da educação básica e de programas de cooperação internacional.

A notícia teve impacto entre pesquisadores, professores, entidades representativas de docentes e discentes, além de parcela da sociedade que se mantém atenta ao esvaziamento de direitos e de perspectivas para as novas gerações de brasileiros. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou nota em defesa da Capes, assinada por mais de 30 entidades representativas das comunidades científica, tecnológica e acadêmica e dos sistemas estaduais e municipais de ciência, tecnologia e inovação do país. A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) também se manifestou sobre o tema e divulgou em seu site a agenda de atos – dois deles já realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro – em defesa da educação superior e da pesquisa científica e tecnológica.

A Constituição Brasileira afirma que a educação é um direito fundamental do brasileiro, resguardado pelo estado e essencial para o exercício pleno da cidadania. Afirma, mas não garante. Embora o tema seja predominante nos debates públicos que precedem os processos eleitorais, presente em todos os programas de postulantes aos cargos de representação, a educação no Brasil ainda amarga baixos índices.

Segundo dados da plataforma Índice para uma Vida Melhor, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil aparece em penúltimo lugar no quesito educação entre os 36 países que compõem a organização. Os números refletem as medidas de contingenciamento que impedem a construção de um sistema nacional de educação forte, integrado, com autonomia e que permita o acesso e a permanência. Considerar o fortalecimento de um sistema de educação universal e de qualidade implica na garantia de perspectivas individuais e coletivas sólidas, que vão desde tomadas de decisões mais conscientes pelos indivíduos até a construção de um país soberano, com desenvolvimento social, cultural, econômico e político para todos.

É também na Constituição que podemos nos amparar quando o tema é Ciência e Tecnologia. No artigo 218, a Carta Magna determina que “o estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho”. No entanto, o principal ambiente de produção do conhecimento, a universidade pública, também sofre o impacto com a queda de recursos, impondo a necessidade de mobilização de professores, pesquisadores e estudantes contra o corte nos investimentos com a educação superior.

Embora previstos constitucionalmente, o acesso à educação e à ciência é privilégio de poucos. No Brasil, direitos constitucionais não se traduzem em realidade prática e tampouco seus reflexos atingem a população. A Emenda Constitucional 95 é a prova real do problema. Resultante do desastroso processo de recrudescimento sobre direitos sociais, desencadeado ao longo dos últimos dois anos, ela estrangulará áreas essenciais como saúde e educação, limitando investimentos nas áreas por pelo menos 20 anos.

Governo nega e imprensa silencia

A repercussão negativa sobre os cortes na Capes, que contou com ações em redes sociais, sites de entidades e veículos de jornalismo independente, resultou em uma nota do MEC que nega o corte nas bolsas, mas sustenta que sua manifestação não tenha sido provocada pelas pressões públicas. No documento, o governo afirma que “a valorização da educação é uma das prioridades do Governo Federal que, em dois anos, adotou medidas importantes para o setor, como a Lei do Novo Ensino Médio e a homologação da Base Nacional Comum Curricular da educação infantil e do ensino fundamental”. A resposta é controversa. Basta recordarmos que a Reforma do Ensino Médio, em vigor desde 2016, foi alvo de resistência com milhares de estudantes ocupando escolas e institutos federais de educação de todo país em protesto à medida.

Diante da envergadura da educação e da ciência como setores estratégicos, do polêmico ofício da Capes ao MEC e da mobilização social que ele gerou, a imprensa tradicional optou por não tratar com as devidas proporções o tema. A passagem pelas manchetes de fim de semana nos portais dos principais jornais brasileiros como Folha de S. Paulo, Estadão e O Globo confirmam a suspeita de que a questão não gerou interesse para os veículos, embora estejam empenhados na cobertura das pré-candidaturas à presidência da República, circunstância em que educação e ciência tomam corpo nas plataformas eleitorais.

O desinteresse no aprofundamento da pauta aponta não apenas para uma prática jornalística de pouco exercício contextual, como indica os traços de uma cobertura sobre as eleições voltada à construção de narrativas que produzem efeitos distorcidos sobre a realidade em detrimento do que interessa ao povo brasileiro discutir. O jornalismo tradicional se empenha em nominar sem critério campos políticos – como o que convencionaram chamar de “centrão” -, enquanto a função essencial de promover o debate público sobre temas essenciais é diluída na “neutralidade” da notícia. Faltou a reportagem aprofundada que disseca as condicionantes da situação e promove o esclarecimento.

Em diálogo com Sérgio Guimarães, Paulo Freire afirmou que “os meios de comunicação não são bons nem ruins em si mesmos […] o problema é perguntar a serviço ‘do que’ e a ‘serviço de quem’ os meios de comunicação se acham. E essa questão tem a ver com o poder e é política, portanto”. Neste sentido, não causa espanto que a Emenda 95 ou a redução do teto de gastos da Capes não sejam temas tratados com fôlego pelos principais jornais brasileiros quando eles estão na ordem do dia. Porém, é preciso resistir a essa lógica, no jornalismo e na universidade.

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Clarissa Peixoto é mestranda no POSJOR e pesquisadora do objETHOS.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2002.

FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sérgio. Educar com a mídia: novo diálogos sobre educação. São Paulo: Paz e terra, 2011.