Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A ciência do jornalismo alarmista

Os fenômenos climatológicos como os furacões Katrina, Rita e a versão tupiniquim, o Catarina, têm alcançado na imprensa o status apocalíptico, como se fossem eventos místicos, sobrenaturais. A imprensa nacional se viu obrigada a estabelecer paralelos com as últimas ocorrências em solo brasileiro. Um momento único, tanto para os jornalistas darem maior credibilidade às reportagens com informações científicas como para pesquisadores e alguns pretensos ambientalistas entrarem na onda alarmista.

A busca por dados do Protocolo de Kyoto, Agenda 21 e detalhes das conferências sobre mudanças climáticas globais tinham destino certo: a chegada, enfim, com data marcada, do colapso planetário. Todos os ingredientes estavam ali. Os profetas alertaram sobre a ira dos deuses, os efeitos desta fúria presentes em grandes catástrofes, povos que estão sendo castigados por sua maldade e inocentes cruelmente pagando o preço destes abusos.

Como nos primórdios da humanidade, a violência de um fenômeno natural só poderia ser uma manifestação divina, uma punição ou alerta ao homem pecador e rebelde. E, infelizmente, essa foi à tônica de grande parte das coberturas jornalística. Mas, diferente dos nossos ancestrais, agora conseguimos nos respaldar em estudos científicos – ou fragmentos deles – para apresentar uma verdadeira revolta do planeta contra os seres humanos.

Histórias bombásticas

Ficou nítido que, como profissionais de imprensa, não sabemos como tratar as decorrências destes grandes fenômenos naturais. Principalmente quando atingem áreas densamente habitadas. Surge então a influência de nossa cultura judaico-cristã, mesmo que subliminarmente, no material jornalístico produzido. No caso do Katrina houve a busca pelo sobrenatural, por pessoas salvas por anjos ou milagres. Deuses que castigam, se arrependem, e tentam resgatar um ou outro depois de ver o estrago.

A tal isenção e objetividade, tão solicitadas no jornalismo moderno, caem literalmente por terra. O misticismo sempre foi e será a melhor maneira de se aplacar a dúvida surgida da ignorância. Não fazemos jornalismo para educar ou informar, mas para apavorar. Somos os difusores do inexplicável e de novos medos e culpas.

Agora, porém, temos algo de racional para nos apegar. E isto vem sendo feito fartamente pelo mau uso e manipulação das informações científicas. Logo abdicaremos da prática do sensacionalismo e saltaremos para versões hollywoodianas desse processo. Descobrimos o ‘jornalismo de catástrofe’, cuja função é o alarmismo sem estimular a consciência crítica sobre os problemas globais, sobre os efeitos da ação antrópica no meio ambiente natural.

O Brasil tem em seus formadores de opinião desde analfabetos científicos até oportunistas de plantão. Nesses momentos surgem pseudo-ambientalistas, pesquisadores de credibilidade duvidosa e jornalistas sequiosos por histórias bombásticas, sensacionais e por informações mesmo capengas que lhes possam assegurar um belo lugar na edição de seu jornal. E há os que ainda querem dar contornos de ‘jornalismo científico’ a essa empulhação.

O escândalo nacional

O caso do Catarina, por sua indefinição de ordem técnica-científica, criou um mal-estar imenso entre meteorologistas e climatologistas brasileiros ao ponto de, algumas semanas atrás, ter ocorrido um encontro no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para minimizar os desgastes e se encontrar uma saída, principalmente política, para o assunto. Então o Catarina se tornou nosso primeiro furacão. Oficialmente.

Logicamente o efeito-estufa ou aquecimento global foi apontado como o principal fator da ‘irritabilidade’ do planeta contra o homem. Ninguém explica, por exemplo, que esse bolsão de partículas em suspensão é natural e garante temperaturas possíveis à vida na superfície terrestre. Ninguém fala da dinâmica da atmosfera, da complexidade que existe no meio ambiente planetário. Tudo parece obra do momento, de algo que perturbou uma condição estática e perpétua.

Sem informação honesta, segura e precisa continuaremos nesta ignorância trágica, cuja única função é criar novos mitos e temores. Quanto mais nos distanciarmos dos contornos educativos de uma reportagem sobre catástrofes naturais, pior ficará o planeta e as condições para a sobrevivência de milhares de espécies, inclusive o homem. Entendemos erroneamente que só há desastres ambientais onde resida a espécie humana.

O grande problema é que fomos treinados para ver somente o óbvio, o factual, e nunca nos envolver nas teias que tecem a frágil composição de tudo que nos cerca e afeta. Com ou sem aquecimento global provocando furacões, tufões ou ciclones, teremos sempre nossa parcela de responsabilidade. Basta analisar os esforços e espaços na cobertura de CPIs e na salafragem de Brasília em comparação a devastação da Amazônia e do Cerrado. Mesmo sem muita reflexão podemos perceber onde se encontra, na realidade, o maior escândalo nacional. E com um pouco mais de observação, até conseguiremos entender onde soam algumas das trombetas do Apocalipse.

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Jornalista e pós-graduado em jornalismo científico