Roberto Pompeu de Toledo em sua coluna regular na revista Veja costuma produzir textos que não trazem marcas evidentes de torcida por nenhum partido político. Sugere sua escrita isenção e um autor razoável, na boa tradição mineira de serenidade e fair-play. Quem o apreciar menos generosamente pode encontrar dotes de raposa mineira, o dom de dizer as coisas nas entrelinhas, de argumentar com fina ironia, mas geralmente sem sarcasmo. Delas serviu-se faz poucos anos para criar todo um livro a comparar Celso Furtado e Roberto Campos, e ao que se tem notícia ambos os homenageados ficaram satisfeitos e lisonjeados…
Não é o caso da matéria incluída na edição atualmente nas bancas (Veja 1.951, de 12/4/06). Em ‘Flutua, astronauta, flutua’, Roberto Pompeu deixa-se arrastar pela escalada do desencanto em torno das realizações do governo Lula. Longe de mim a pretensão de ter qualquer conhecimento do assunto espacial, mas aqui não contesto nenhum doutor na matéria, e uma mera juntada amadora de informações revela incoerências na argumentação de Roberto Pompeu. Ele toma um dado da participação da Agência Espacial Brasileira no programa internacional russo, o custo de 10 milhões de dólares, e põe-se a sofismar.
Mais justo
Teria sido mais honesto explicar o contexto: no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1997, a AEB comprometeu-se com a Nasa a investir 120 milhões de dólares no programa da ISS, a International Space Station (Estado de S.Paulo, 9/4/06, pág. A30). Seguiu-se o acidente com o ônibus espacial Columbia, pelo que o astronauta brasileiro Marcos Pontes ficou sem lugar na fila dos astronautas. Por cima disto o bisturi do ministro Palocci podando as verbas. Para não matar de vez o programa espacial brasileiro, a solução conciliatória foi o Brasil participar da empreitada internacional russa, que alias incluiu um piloto americano.
Roberto Pompeu é observador. De fato a cobertura televisiva da viagem exibiu Marcos Pontes sempre flutuando na cabine da espaçonave, e isto lembra cenas de cinema e teatro. Como Carmem Miranda, tem algo de espetáculo. Mas daí a chamá-la (a cobertura) de marqueteira, de coisa de Duda Mendonça, já é torcida. Afinal considerar malandra a gravação feita em ambiente de perda da força de gravidade numa viagem dessas é como reclamar porque fulano deixou-se fotografar diante do Pão de Açúcar.
Mal humorada e tendenciosa é a comparação com Paulo Coelho a propósito da exclamação do astronauta encantado a contemplar a visão que tinha de seu país em conjunto lá de cima. Para um leitor exigente como Roberto Pompeu de Toledo, naturalmente o autor de O alquimista não passa de um criador de êxtases sem substância, morninhos. Não seria mais justo reconhecer o enlevo de quem tem oportunidade de enxergar o Brasil todo de uma vez, três vezes por dia, dada a extraordinária velocidade do veículo em que viajava?
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Dirigente de ONG, Bahia