Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia e as mudanças do tempo

Esta semana inteira, de um ponto de vista meteorológico, pode ser bastante difícil no Rio Grande do Sul, segundo previsões da Rede de Estações de Climatologia Urbana de São Leopoldo, a menos de 40 km a oeste de Porto Alegre.

A expectativa é de tempestades e chuvas torrenciais com risco de alagamento urbano e elevação no nível das águas de rios e riachos, ameaçando açudes e outros reservatórios. O centro, sul e oeste do estado do Rio Grande do Sul podem ser atingidos por precipitações entre 100 e 150 milímetros, de acordo com as estimativas, especialmente entre terça e quinta-feira.

O alerta está relacionado à necessidade eventual de evacuação preventiva da população nos vales dos rios Taquari, Pardo, Caí, Paranhana, Jacuí e Grande Porto Alegre.

O que está acontecendo com a meteorologia e o que a imprensa tem a ver com isso?

É possível que estejamos vivendo o início de uma longa história envolvendo o papel da imprensa e as variações da meteorologia – e as razões para isso são as mais variadas. Uma delas está no fato de a população do planeta, superior a 6 bilhões de pessoas, ser inédita na história da civilização, o que leva a pelo menos outros dois desdobramentos imediatos.

O primeiro deles é que qualquer ocorrência, em qualquer lugar, implica quase sempre perdas econômicas e, em muitos casos, de vidas. Mesmo que o valor dessas vidas, em termos de noticiário, varie cinicamente de acordo com latitude e longitude das ocorrências. O segundo é que esta população enorme e crescente pressiona os recursos naturais, entre eles os sítios de ocupação. Assim, as parcelas mais excluídas vivem em áreas de risco, sensíveis aos ‘desastres naturais’.

Visão crítica

Apenas estas duas razões parecem suficientes para levar a imprensa a assumir um papel novo como agente com participação ativa na prevenção de perdas, por meio da produção e distribuição de informação de boa qualidade, capaz de estimular iniciativas minimizadoras, ainda que elas possam restringir-se à simples evacuação de áreas ameaçadas.

Mas a imprensa pode e deve também cumprir um papel educativo, em parceria com a comunidade científica e outras instituições sociais, no sentido de alertas e vigilâncias quanto a catástrofes anunciadas, especialmente em áreas urbanas.

Nos anos 1970, quando o jornalismo de urbanismo reunia repórteres com boa formação, muitos deles ex-estudantes de arquitetura, discussões dessa natureza eram feitas com freqüência e talvez, por isso mesmo, problemas urbanos das grandes cidades, como São Paulo, não são ainda piores.

Mas o jornalismo, neste momento, está mergulhado numa crise de criatividade-qualidade enorme. Mesmo as edições dominicais, que deveriam trazer assuntos capazes de ampliar o horizonte dos leitores, não passam, com poucas exceções, de uma pequena montanha de fatos desinteressantes, por mais anabolizadas que sejam.

Uma visão mais crítica, lúcida e produtiva em relação à meteorologia – e mesmo à climatologia – é inevitável por parte da mídia como um todo, a menos que a tendência de queda de qualidade, especialmente da mídia impressa, seja irreversível.

E as razões para isso também são muitas e todas com enorme impacto social.

Resultado negativo

O inverno que oficialmente termina às 13h30 da terça-feira (22/9), por exemplo, foi um dos mais poluídos já enfrentados pela cidade de São Paulo, segundo noticiário das últimas semanas. Maior poluição significa aumento de problemas de saúde pública, pressão sobre os serviços médicos, perda de produtividade e, em última instância, redução na expectativa de vida média.

A imprensa não pode continuar restringindo-se à mera publicação desses fatos. Deve cobrar, com ênfase, providências das instâncias responsáveis.

Por que fogueiras, à base de queima de pneus, com fumaça negra e irrespirável, ardem impunemente em áreas periféricas da cidade contribuindo para a piora da qualidade do ar, sem qualquer iniciativa capaz de coibi-las?

Por que a frota de helicópteros, por exemplo (e São Paulo tem, comparativamente, a maior frota dessas aeronaves do planeta), não contribuem com essa vigilância, informando, com base em equipamentos de GPS, a posição desses focos para que os bombeiros entrem imediatamente em ação?

Por que as autoridades municipais não deflagram, rapidamente, o controle de emissão de veículos para impedir que motoristas ambientalmente criminosos continuem rodando com suas chaminés ambulantes?

Por que essas mesmas autoridades não destacam fiscais para coibir o lançamento de lixo e entulho, mesmo em praças de bairros de classe média alta, levando para a prisão, ou para serviços sociais obrigatórios, moradores que não respeitam essa casa coletiva que são as cidades?

A imprensa deve cobrar isso dos governantes e insistir até que apareçam resultados. Mas há um comodismo de parte a parte e o resultado final é negativo para todos. Até mesmo aos que burlam os limites da cidadania, remanescentes da famosa Lei do Gerson.

Se a imprensa não fizer isso, prefeituras e também concessionárias de estradas permanecerão restritas à posição odiosa de aplicarem multas apenas em casos não necessariamente dolosos de um ponto de vista social, mas unilateralmente vantajosos do ponto de vista financeiro.

Sauna insuportável

Nas últimas semanas, a imprensa internacional tem publicado dados preocupantes envolvendo o comportamento meteorológico nas mais diferentes regiões do planeta.

O St. Louis Today, de St. Louis, no sul dos Estados Unidos, por exemplo, publicou no domingo (5/9) dados dando conta de que o verão que termina no hemisfério Norte foi o mais frio desde 1985 – naquela e em várias outras cidades da costa leste americana.

No Canadá, o Winnipeg Sun, relatou, em 19/8, que as temperaturas desse verão também foram as mais baixas desde 1872, quando os dados começaram a ser produzidos.

O Independent, na Inglaterra, publicou, em 4/9, dados sobre temperaturas anormalmente baixas no verão em algumas regiões da Inglaterra, acrescentando que o mesmo registro foi feito na África do Sul.

O New Zeland City publicou (3/9) que as temperaturas anormalmente baixas na Nova Zelândia, ao longo do verão que se encerra nesta terça-feira, levou a uma elevação nos casos de gripe na região de Auckland, além de aumento nos casos de angina e ataques cardíacos nessa e em outras áreas.

A imprensa britânica e internacional também deu significativo destaque para as considerações do primeiro-ministro Tony Blair envolvendo o aquecimento da atmosfera pelo efeito-estufa.

Se o leitor não tem idéia clara do que significa o efeito-estufa para a atmosfera da Terra, faça uma experiência. Experimente permanecer algum tempo sob o Sol com os vidros do carro fechados e sentirá a sauna insuportável desse fenômeno que, no planeta, é produzido pela liberação de gases, especialmente o gás carbônico (CO2) produzidos por atividades humanas.

Tarde demais?

Tony Blair não é um homem confiável, escreveu Simon Jenkins, um cético quanto à origem antrópica do efeito-estufa, na edição do último dia 15 do The Times. Ainda assim, os dados expostos por Blair são dramáticos. Alguns deles:

** No último século a temperatura média no hemisfério Norte subiu 0,6 grau Celsius, a mais dramática dos último mil anos.

** Apenas na Europa, as inundações de 2002 provocaram prejuízos de 16 bilhões de dólares.

** O número de pessoas afetadas por inundações subiu de 7 milhões nos anos 1960 para 150 milhões atualmente.

** Na Grã-Bretanha, 78% das pessoas estão preocupadas com mudanças climáticas, ainda que o público, lá e no resto do mundo, esteja confuso sobre a contribuição que pode dar para uma reversão deste processo.

No caso de Tony Blair, a maior contribuição que ele pode oferecer seria convencer George W. Bush a aderir ao Protocolo de Kyoto para assegurar quedas na emissão dos gases de efeito-estufa. Os Estados Unidos são os maiores consumidores de energia do planeta e, conseqüentemente, os maiores poluidores, ainda que China e Índia também dêem uma nefasta contribuição neste processo.

É preciso dizer que parte da imprensa e da comunidade científica duvidam que o aumento inequívoco das temperaturas globais médias esteja sendo produzido por atividade humana. De fato, o clima da Terra nunca foi estável e muitos fenômenos podem ocultar esse aquecimento. Mesmo oscilações na radiação solar já produziram, no passado, quedas globais de temperatura com menos chuvas e maior escassez agrícola, entre outros efeitos. Mas admitir que o pior possa estar acontecendo e tomar as medidas possíveis para que ele seja revertido, parece ser, sem dúvida, a estratégia mais promissora.

No caso do Brasil, a redução dos desmatamentos e de queimadas na Amazônia Legal e outras áreas como parques e reservas da Mata Atlântica e Cerrados é uma contribuição significativa em escala planetária.

Jornalistas não deveriam perder tempo escrevendo se o aquecimento se deve ou não à origem antrópica. Até porque, se descobrirmos que isso é de fato verdade, como acredita a maioria dos climatologistas ligados a um programa das Nações Unidas para essa investigação, pode ser tarde demais.