Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Além da happy hour da classe média

Acredito que a imprensa poderia engajar-se de maneira positiva na investigação da questão do horário de verão, pois não é algo assim tão tranqüilo como tem sido tratado. A maior parte da imprensa parece ver o assunto como questão de gosto pessoal. Para provar que não é, enumerei algumas considerações para começar a discussão. Um pequeno histórico:


** Após os ‘apagões’ ocorridos em meados da década de oitenta, o governo federal alegou a necessidade de construção de novas linhas de transmissão e, enquanto essas linhas não fossem construídas, o país adotaria o ‘horário de verão’;


** Para financiar as novas linhas de transmissão foi cobrado o empréstimo compulsório nas contas de energia elétrica durante vários meses. Se as linhas foram construídas, por que o horário de verão não acabou? Se o horário de verão ainda não foi extinto por falta de linhas de transmissão, o que foi feito do dinheiro cobrado?


** O horário vem sendo renovado sempre com o beneplácito do governo federal sem qualquer necessidade, apenas para agradar às empresas distribuidoras de energia elétrica. Os argumentos favoráveis à renovação sempre são apresentados por técnicos, engenheiros ou administradores que têm vínculos com estas empresas ou pessoas que têm cargo de confiança no governo federal (portanto, não são isentos de interesses).


Sacrifício público vs. lucro privado


Boa parte da imprensa tem se limitado a reproduzir o argumento dos tecnocratas do governo e das empresas de distribuição, sempre apresentando ao público o famoso ‘o país economizou X Megawatts neste ano, o suficiente para iluminar uma cidade como …’ (falta até criatividade na justificativa). Na verdade, não foi o país que economizou, mas as empresas distribuidoras.


A energia elétrica é comprada das usinas pelas distribuidoras de energia elétrica pelo valor máximo da demanda e vendida ao consumidor por KWh. Assim, derrubando-se o pico do consumo de energia, o preço a ser pago às usinas tem uma redução proporcional. Só que essa redução não chega aos consumidores.


Portanto, a população deve acordar uma hora mais cedo para baratear o preço de custo de um produto que compraremos pelo mesmo valor. Em outras palavras, lesando o conforto da população (que tem o seu ritmo biológico e psicológico alterado), aumenta-se o lucro dos grupos econômicos proprietários destas empresas.


O horário de verão envolve problemas muitos mais sérios do que o chope da classe média no fim da tarde. É necessário saber que por causa desse horário:


** Há crianças que caminham sozinhas quando o Sol ainda não nasceu para irem à escola, pois nem todas vão de carro;


** Idosos têm complicações respiratórias e outras disfunções orgânicas;


** Cidadãos têm distúrbios de sono e de alimentação para se adaptarem;


** O rendimento escolar e no trabalho é atrapalhado pela má qualidade do sono, entre outros problemas.


O abastecimento de energia de qualquer natureza é questão estratégica num país e as decisões desse porte não podem ficar a cargo de grupos restritos. A participação popular e organizada tem que ser levada em conta. O primeiro indício desse descaso com esta questão está no número de questionamentos que vêm sendo feito por deputados federais desde que o horário foi adotado e que têm sido arquivados ou recebem encaminhamento meramente burocrático, como aparece na página http://www2.camara.gov.br (buscando a expressão ‘horário de verão’).


E o mais grave: não é possível um governo ignorar seu parlamento e nem seu povo como se somente uma parcela da população soubesse decidir. Como não basta reconhecer o erro, mas é necessário repará-lo, algumas propostas de mudança:


** o esclarecimento da opinião pública sobre a realidade da geração e distribuição elétrica no país;


** a devolução do empréstimo compulsório cobrado na década de 80 (afinal, era empréstimo);


** a extinção imediata do horário de verão;


** a constituição de uma representatividade popular para gestão do abastecimento de energia no país.


Afinal, enquanto os problemas derem lucro eles não serão sanados.

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Professor, São José do Rio Preto, SP