A notícia estava em página interna da Gazeta Mercantil de sexta-feira (30/3), em míseras duas colunas, com 7 cm de altura, e anunciava que ‘enxames de abelhas sumiram sem deixar rastro’, em Illinois, EUA. Embora especializado em agronegócio, sou quase neófito em abelhas. Porém, a especialização em agricultura fez com que a displicente e ‘insignificante’ notícia estampada num jornal de negócios me deixasse senão horrorizado, pelo menos de cabelos em pé – isto é, quase a mesma coisa.
A ciência tem como fato que sem abelhas não há agricultura e, portanto, sem elas não há alimentos. Esse laborioso inseto, ao qual os urbanos ficam histéricos só pelo fato do mesmo sobrevoar por perto, poderia ser chamado de ‘operário de Deus’, pois é incansável na polinização das plantas – e sem a qual estas não produziriam alimentos e tampouco se reproduziriam. Existem outros insetos e até mesmo pássaros polinizadores, mas a abelha é, de longe, o mais difundido e mais importante.
Nenhum outro grande jornal deu a notícia, afora o Estado de S.Paulo e a Gazeta do Povo, do Paraná. Estes se limitaram a registrar os despachos das Agências EFE e Bloomberg News, onde constavam o estupor e a incredulidade de especialistas e apicultores, que informavam não ter explicações para o estranho fenômeno. As abelhas foram embora e largaram a rainha, conforme as notícias, e não deixaram pistas. Diante da insuficiência de dados nos jornais pesquisei na internet, e ali encontrei as razões de seu sucesso diante da mídia impressa.
Na internet há indicações de que o dito fenômeno não está restrito a Illinois, mas ocorreu em outros estados americanos e foi observado também em algumas regiões da Alemanha. Êpa! Nenhum jornalista atentou para o importante fato? Será que desconhecem a importância das abelhas? Ou foi mais uma barriga imperdoável? ‘Barriga’, no jargão jornalístico, é a omissão de notícia ou fato importante. Desconheço o coletivo de barriga.
Antecedentes
Não satisfeito, entrevistei por telefone Paulo Cezar Brosmann, apicultor em Goiânia, que 27 anos atrás concluiu um doutoramento em apicultura na Alemanha. Confirmou que o fenômeno é, efetivamente, raríssimo, mas há antecedentes. Um fato recente na história ocorreu em Chernobyl, quando vazou radioatividade naquela usina nuclear. Horas antes de a tragédia ser constatada, os sensores das abelhas detectaram o problema. Em algumas colméias as abelhas fecharam-se e morreram sufocadas. Em outras abandonaram rapidamente o local sem deixar pistas.
Existem muitas possíveis explicações para os sumiços coletivos das abelhas, como uso de agrotóxicos fortíssimos, presença de ácaros ou formigas em grande quantidade, ou ainda inusitados e raros fenômenos da natureza, como enxames de gafanhotos ou besouros, mas seriam causas localizadas, não teriam se reproduzido repetitivamente em todo o estado de Illinois. Na internet, demonstrando que falta credibilidade no que se registra em seus milhões de sites e blogs, já há sugestões e até mesmo acusações explícitas e irresponsáveis, de que os transgênicos seriam os responsáveis pelos sumiços dos enxames de abelhas, em especial o milho Bt, que tem propriedades inseticidas.
Como alguns internautas, especialmente em sites ambientalistas, ‘navegam e surfam na maionese’, aparecem outras explicações de que seria, por exemplo, o uso excessivo de telefones celulares que estaria provocando o desaparecimento das abelhas. Argumentam que os celulares promovem desorientação sensorial nas abelhas, fazem com que ‘percam o rumo de casa’ e, assim, dispersam-se. Explicação plausível, mas isso não iria ocorrer só com as abelhas de Illinois e da Alemanha, até porque se calcula em centenas de colméias a debandada das abelhas. As causas devem ser outras.
Problema localizado?
Estes fenômenos se mostram localizados e restritos, ou específicos, mas podem se alastrar. Não é o caso, neste espaço, de assumir uma postura catastrofista, ou mesmo alarmista, síndromes que fazem parte do sangue e do DNA de jornalistas. Mas que a notícia merecia destaque maior, merecia – e uma investigação mais profunda, fosse pela internet ou entrevistando algum especialista.
Não apenas os leitores, mas abelhas mereceriam essa atenção. Não se conhecem as causas, é fato, mas de toda forma é um sinal da natureza ao qual a grande mídia não deu a mínima importância, sonegando uma informação que já preocupa até mesmo o Congresso americano, conforme registros nas próprias notinhas publicadas, reproduzidas quase fielmente, o que já demonstra certa preguiça profissional.
Ora, se não tiver abelha não vai haver polinização, e vamos ter de viver de plantas que não tenham polinização. Seria previdente a ciência começar a fazer as contas. Considerando que a Amazônia é neutra na captação de carbono e emissão de oxigênio, porque são árvores maduras, e dessa forma ela não é o pulmão do mundo como se apregoa, significa dizer que boa parte do saldo positivo da fotossíntese é feito por plantas jovens, no caso as lavouras comerciais de soja, cana, milho, algodão, pastagens etc.
Assim, estamos mal arranjados… Um desequilíbrio desses acelera a bancarrota de forma irremediável de boa parte do planeta. Espero que seja problema localizado no Illinois, ou só do poderoso EUA. Assim eles começam a acreditar na merreca que se está fazendo do planeta, eles à frente.
Olhos abertos
Palavras de Albert Einstein, ditas há mais de 60 anos: ‘Olhem as abelhas, se elas sumirem a humanidade tem um máximo de quatro anos de sobrevida, pois não haverá plantas e nem animais, a polinização é a grande responsável pela produção de alimentos’.
Se a grande mídia não considera importante o sumiço de 25% dos enxames de abelhas de Illinois, e não informa que fato idêntico ocorreu em outros estados americanos, e ainda em regiões da Alemanha, isto não quer dizer que não seja importante, e nem que não tenha acontecido também em outros apiários mundo afora.
Não são apenas os apicultores donos das colméias de abelhas fujonas que estão estarrecidos, ou os especialistas, eu que escrevi, e provavelmente você que acabou de ler este texto. Também estamos incrédulos com a grande mídia. E preocupados para saber a causa da diáspora das abelhas, porque aí tem coisa, e não é um bom sinal. Seria prudente ficar de olhos abertos.
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Editor da revista DBO Agrotecnologia