Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As prefeituras e o exílio da ciência

As tempestades de verão e o início dos novos governos municipais. Dois fatos que podem parecer, num primeiro instante, isolados. Entretanto, cabe a prática do jornalismo científico revelar como ambos estão intimamente relacionados e derrubar alguns dos argumentos usados pela classe política sobre questões ambientais e fenômenos naturais, na tentativa de justificar os transtornos causados pelas chuvas em uma cidade.

Ao tratar os problemas envolvendo o meio ambiente, os políticos tendem a simplificar questões intrincadas, que são muitas vezes resultantes de combinações de vários fatores e de ações antrópicas desastradas. E aí surgem soluções mágicas – comuns nas campanhas –, porém de eficiência duvidosa e muitas vezes com altíssimos custos.

É comum, no caso das grandes cidades, o discurso político se fixar num tripé enchentes, saneamento básico e destinação do lixo. Entretanto, são raras as administrações públicas que conseguem ver a amplitude desses processos ou reconhecer neles a interferência humana sem critério. Geralmente, o que é mostrado para a população é uma versão amenizada do problema.

Chuva de votos

Com a chegada da época das cheias, a questão ambiental volta ao cenário jornalístico ocupando espaços significativos. Porém, a cobertura do assunto é sempre norteada pelo factual, pouco acrescentando em uma análise mais aprofundada das causas geradoras do desastres urbanos.

Novos fatores, porém, são revelados pelos cientistas quando estes conseguem ter algum espaço na imprensa. De acordo com Osmar Pinto Júnior, chefe do Departamento de Eletricidade Atmosférica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o maior especialista em relâmpagos do país, as ‘ilhas de calor’ surgidas nos grandes conglomerados urbanos estão provocando tempestades mais intensas.

O alerta segue a lógica da natureza ou do desequilíbrio dela. A temperatura e a poluição atmosférica estão relacionadas diretamente com o aumento dos raios e com a violência das chuvas sobre as cidades.

Essas ‘ilhas’ são caracterizadas por temperaturas acrescidas artificialmente, provocadas pela retenção e irradiação do calor por construções de concreto, asfaltamento, partículas poluentes em suspensão etc. É como se houvesse um ‘efeito estufa’ potencializado em micro escala.

Embora isso agrave em demasia a questão das enchentes, as políticas públicas para o meio ambiente sempre seguem a mesma cartilha anacrônica. São poucos os prefeitos que buscam a opinião ou assessoria de pesquisadores de institutos e universidades para compreender melhor os transtornos das águas de verão. Até mesmo porque as chuvas já conseguiram eleger muita gente neste país.

Vontade política

Um dos pontos bizarros da questão se encontra na postura dos políticos. Estes só buscam os centros de pesquisas para embasar justificativas vãs. Para isso, servem-se dos índices de precipitação pluviométrica abaixo ou acima da média. Ficamos, então, com um conhecimento técnico de extrema importância acumulado e confinado em departamentos de pesquisa.

A conclusão é óbvia. Apesar de estar inserida cada vez mais no cotidiano das pessoas, as questões ambientais ainda são relegadas a um plano inferior e nunca discutidas com a seriedade necessária. Seja por ignorância, seja por opção político-administrativa.

O jornalismo científico é a única ferramenta eficiente para revelar e desmascarar essa situação. E assim mostrar à sociedade o quão importante é ter um planejamento urbano adequado às características naturais do lugar, com fundamento técnico-científico.

A distância entre as administrações públicas e os centros de pesquisa tem que ser rompida definitivamente. O conhecimento para solucionar grande parte dos problemas ambientais das grandes cidades já existe e se encontra disponível. Basta agora querer usá-los.

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Jornalista e pós-graduado em jornalismo científico