Manifestação popular em uma área nobre de Campo Grande (MS), na forma de uma pichação – ‘Bush precisa de um carro a álcool’ – lembrou o humorista José Simão, da Folha de S.Paulo, em sua eterna luta contra o tucanês. O que quer dizer essa frase escrita por um anônimo num muro da cidade?
Conforme Demétrio Magnoli, na apresentação do livro O relatório da CIA – Como será o mundo em 2020, George W. Bush ‘manipulou e torceu as investigações de campo até conseguir a documentação que ‘comprovava’ o suposto programa de desenvolvimento de armas de destruição em massa no Iraque’. Sob essa desculpa, os Estados Unidos atacaram o país de Saddam. Mas a verdade é outra e muita gente já sabe o real motivo: petróleo. Essa substância oleosa, originada pela combinação de moléculas de carbono e hidrogênio. Mas engana-se quem pensa que todo o Oriente Médio é inimigo dos Estados Unidos. A guerra existe, mas há também bons amigos nessa região.
Os donos do ouro negro
O documentário Fahrenheit 11 de Setembro, de Michael Moore, mostra que o governo de Bush mantém fortes laços com os sauditas. Tanto é que, mesmo com o espaço aéreo fechado, membros da realeza saudita e familiares do líder da Al Qaida, Osama bin Laden, saíram do país minutos após os ataques às torres do World Trade Center. No entanto, o príncipe Turki al-Faisal declarou que o documentário de Moore é ‘grosseiramente injusto’ para com os sauditas. Talvez o petróleo seja o responsável por uma justa amizade.
O monopólio do petróleo está formado há anos e basta uma simples pesquisa na internet para conhecer como vive a realeza saudita, donos do ouro negro. A Arábia Saudita é o maior país da península arábica. Sua economia, obviamente, é baseada na extração do petróleo, sob forte controle governamental. Trata-se do país com as maiores reservas de petróleo já descobertas no mundo – cerca de 25% do total – e, por conseqüência, é o maior exportador de petróleo mundial, com representação de liderança na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Investimentos sauditas nos EUA
Com todo esse estoque de óleo em suas terras, os EUA não poderiam deixar de cortejar o país árabe. Afinidade que, por ironia, prejudicou os norte-americanos em um evento inesquecível. Ivan Sant’Anna, em seu livro Plano de Ataque, cita que a Al Qaida preferiu recrutar jihadistas com origem em países que tivessem boas relações com os EUA. Entre eles, o Egito e a próspera Arábia Saudita. Assim, os passaportes seriam carimbados sem muitas dificuldades nas alfândegas norte-americanas. O que de fato aconteceu.
De acordo com Fahreinheit 11 de Setembro, os sauditas investem nos Estados Unidos ‘cerca de US$ 860 bilhões’, o que representa ‘6% ou 7% [do total de investimentos] na América do Norte’, aplicados em bancos e em grandes corporações de entretenimento. Ainda de acordo com o documentário, estima-se que, na época em que foi produzido Fahreinheit, US$ 1 trilhão investidos nos bancos norte-americanos provinham da Arábia Saudita. Só para se ter a dimensão, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no ano do ataque às torres gêmeas alcançou o valor de R$ 1,184 trilhão. Se convertido a dólar, que no final de 2001 terminou cotado próximo aos R$ 2,30, o valor naturalmente sai da casa do trilhão. Realmente os investidores sauditas têm papel fundamental na economia do Tio Sam.
O pai da criança
De onde vem tanto dinheiro? Você sabe. Afinal, os valores do combustível estão bem evidentes, nas placas de todos os postos.
Os reflexos desse negócio, que envolve muitos dólares, estão no mundo todo. Mas no Brasil o assunto é outro. Vive-se um momento de orgulho nacional. Pelo menos é o que mostram as propagandas da Petrobrás. Aquelas que falam sobre sua auto-suficiência. Então quer dizer que vai ficar mais barato encher o tanque do carro? Não. Não é tão fácil assim. A verdade é que o preço do combustível não diminui junto ao consumidor proporcionalmente ao que cai na refinaria. Apesar de não parecer justo, é o momento dos agentes aproveitarem para ganhar mais. Especialistas no assunto acreditam que, para a situação melhorar, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) precisa criar mecanismos para proteger o consumidor. Será uma esperançosa e longa espera.
O Boletim da Federação Única dos Petroleiros, de fevereiro de 2006, comemora a auto-suficiência, mas critica os que se denominam pai da criança, pelo fato de ‘parlamentares e caciques do PSDB e PFL’ atribuírem a governos passados o mérito pela auto-suficiência conquistada pela Petrobrás. O boletim acusa Fernando Henrique Cardoso de ser ‘o responsável direto pelo desmonte acionário da companhia e seu esquartejamento em dezenas de subsidiárias e unidades de negócios’.
Carros a energia elétrica
Além disso, afirma que foi a era FHC que acabou com o monopólio estatal do petróleo e iniciou o processo de privatização da Petrobrás, o que só não aconteceu devido à resistência dos trabalhadores e demais setores organizados da sociedade. No entanto, em entrevista ao programa de Jô Soares, na Rede Globo, em dia 5 de abril de 2006, FHC não falou diretamente sobre a Petrobrás, mas disse que o Brasil estava endividado na época de sua gestão e por isso resolveu privatizar alguns setores. Citou casos bem-sucedidos, como o setor das telecomunicações e também os que não deram certo, como a área de energia.
Do outro lado do globo, o petróleo também é notícia. Na Coréia do Norte – país onde não entra jornalista – o preço da gasolina tornou o carro um luxo. A matéria sobre o assunto foi escrita por dois leitores da revista Os caminhos da Terra, a convite da mesma.
Fora dessas discussões, estão os que pensam em alternativas. E vamos precisar delas. A matéria exibida no Jornal Nacional no dia 25 de março de 2006 mostrou os avanços da tecnologia, sobretudo japonesa, para a construção de carros movidos a energia elétrica – gerada a cada freada que o motorista dá em seu veículo – e a hidrogênio, que misturado com ar, produz a energia elétrica que impulsiona o motor. A notícia boa é que dessa combustão elimina-se água (H2O). A ruim é que a produção do hidrogênio ainda é muito cara.
A senzala anda a pé
Com tecnologia de custo inviável e o biodiesel em fase de testes, a solução seria, nos momentos atuais, o álcool. Nem sempre. Todos acompanharam a briga entre governo e usineiros no ano passado. O açúcar, que a Europa tanto almeja, é mais bem cotado no mercado do que o combustível da cana-de-açúcar. Entrou em cena então um comunicado do próprio governo que foi divulgado pelos meios de comunicação. A informação era a regra geral: só compensa abastecer com álcool se o preço do mesmo for de pelo menos 70% do valor da gasolina.
Como se vê, a metáfora de que Bush precisa de um carro a álcool é bem aplicada, apesar das recentes pressões dos usineiros brasileiros. Já para o resto da população mundial, a solução pode ser outra. Pois num mundo onde os magnatas dominam o petróleo e num país onde os coronéis da Casa Grande detêm os inúmeros hectares de plantações de cana e usinas de álcool, talvez a senzala tenha mesmo é que andar a pé.
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Jornalista, Campo Grande, MS