Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Congresso repensa o jornalismo ambiental

O ambientalismo vai bem, ao menos no Rio Grande do Sul. Foi o que se viu em Porto Alegre, de 19 a 21 de maio 2006, durante o 1º Congresso de Jornalismo Ambiental, realizado pelo Núcleo de Ecojornalistas gaúchos (NEJ-RS), com o apoio de 12 entidades. O auditório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal (UFRGS) recebeu cerca de 150 participantes inscritos. Objetivo: debater de que maneira os jornalistas interessados no meio ambiente poderiam servir como pontes para a formação da cidadania e da educação ambiental da sociedade.

Na noite de sexta (19/5), o professor Wilson Bueno, da ECA-USP e do Programa de Pós-Graduação da Umesp, abriu o evento afirmando: ‘O jornalismo ambiental deve semear a sua própria utopia’. Crítico severo da globalização, Bueno não aceita um jornalismo que se pretenda neutro. Para ele, o jornalismo ambiental deve ter forte compromisso com o interesse público e com a ampliação e democratização do debate, e isso sempre com um viés ético.

Polêmico, Bueno criticou os cientistas e os pesquisadores acadêmicos vinculados, na sua visão, a ‘uma lógica puramente racionalista’. Ele acredita que o modelo ambiental sustentável deve ser colocado acima das questões econômicas. Destacou a contradição ‘insuperável’ do atual paradigma econômico, com sua ânsia por um ‘crescimento’ infinito diante da realidade de um planeta e seus recursos naturais finitos.

O jornalista uruguaio Victor Bacchetta, membro-fundador da Rede de Comunicação Ambiental da América Latina e Caribe (Rede CALC), salientou na sua intervenção a postura de não-neutralidade no jornalismo ambiental. Pela necessária seleção da pauta de temas a serem abordados, entre milhares de outros, se esvai qualquer ilusão de neutralidade. ‘Ou seja: o jornalismo ambiental, caso pretenda ser gerador de cidadania, deve deixar de lado opiniões pessoais e partidárias, apresentando, com a melhor qualidade possível, os fatos e os dados, para que o leitor possa compreender o tema, sua origem e sua evolução, permitindo-lhe formar sua opinião própria’, disse.

Sem registros

Na manhã de sábado (20), o painel ‘Ética, Jornalismo e Cidadania Ambiental’ retomou as atividades do congresso. Aí surgiu a primeira denúncia do encontro: a jornalista Elizângela Soldatelli, do Núcleo Amigos da Terra (NAT-Brasil), relatou recente incidente com o jornal Zero Hora, o principal meio impresso do Grupo RBS. Pois o NAT-Brasil queria publicar anúncio pago sobre irregularidades na licença concedida à construção da hidrelétrica de Barra Grande. Como se sabe, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), necessário à autorização para tocar o empreendimento às margens do Rio Uruguai, escondeu um dado indispensável: a barragem irá liquidar com áreas primárias de araucárias, destruindo o meio ambiente da região.

Zero Hora não aceitou publicar o anúncio pago da entidade ambientalista. A saída: publicar o mesmo anúncio em outro jornal local, o segundo mais importante da mídia impressa gaúcha, o Correio do Povo. Soldatelli, com o apoio dos presentes, manifestou sua indignação pela forma como as questões ambientais são tratadas pela mídia corporativa gaúcha.

O filósofo Vicente Medaglia, do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, afirmou em sua intervenção os ensinamentos de Aristóteles sobre as questões éticas. Ele declarou que ‘o modelo consumista de felicidade é insustentável’. E deixou claro que, para ele, ‘a mídia é financiada por um sistema insustentável’. O jornalista Roberto Vilar Belmonte, da revista Campo Aberto, introduziu outra questão: ‘Todo o esforço do jornalista ambiental não teria por finalidade última defender a vida?’ Deste ponto de vista, Vilar criticou os investimentos nas mídias por parte de empresas e de governos: ‘Se defendemos a vida, não podemos firmar parcerias com indústrias da morte, como a de agrotóxicos, a de tabaco, entre outras’.

Na tarde de sábado ocorreu o painel ‘O Meio Ambiente na Imprensa Gaúcha’, com a participação dos jornalistas Cecy Oliveira (revista digital Água Online), Tatiana Tavares (Caderno Ambiente de Zero Hora), Cláudia Viegas (agência de notícias Ambiente JÁ) e Reges Schwaab (Programa Ambiente Vivo, da Rádio Unijuí FM). Todos painelistas apresentaram suas realizações, problemas e vitórias nas respectivas mídias onde atuam.

A esta altura, durante os intervalos para café, alguns participantes perguntavam nos corredores da UFRGS: onde estão os representantes da grande mídia corporativa gaúcha? De fato, nenhuma notícia nos jornais de sábado, nem uma mísera foto-legenda do evento nas edições de sábado e domingo – mesmo com a presença de secretários estadual e municipal na mesa de abertura do congresso, na sexta à noite. Os problemas ambientais do RS são – parece – um ‘veneno’ para a mídia corporativa.

Jornalismo precário

Em evento desta natureza, muitas questões ficaram no ar. Por exemplo, não foi levantado pelos presentes o recente acordo (de 12/5/2006) entre a Secretaria do Meio Ambiente do RS, a Fepam (Fundação do Meio Ambiente-RS) e o Ministério Público do RS para ‘viabilizar o plantio de eucalipto no Estado’. Assinado um termo de compromisso de ajustamento, mediante algumas condições, estão liberados, ainda em 2006, os polêmicos empreendimentos particulares para o plantio de florestas no estado gaúcho.

Para o presidente da Fepam, Antenor Ferrari, estaria aberta, assim, ‘uma grande alternativa econômica e de geração de empregos para a Metade Sul do Estado’. Seriam investidos, segundo ele, cerca de 3,5 bilhões de dólares na área da sivicultura. Já o secretário estadual do Meio Ambiente, Cláudio Dilda, reconheceu: ‘Mesmo tendo que suportar o ônus de uma iniciativa polêmica, vamos desenvolver essas atividades com maior tranqüilidade, a partir de agora, com o respaldo do Ministério Público’.

Nunca será demais relembrar: o controvertido plantio de florestas de pinus e de eucalipto no Rio Grande do Sul motivou o recente caso da invasão da Aracruz Celulose – tão explorado pela mídia corporativa local, nacional e internacional [ver ‘Invasão provoca atrito na mídia gaúcha‘].

No painel final de sábado, seis professores de jornalismo de faculdades de Porto Alegre e interior do estado discutiram a importância da formação acadêmica e da qualificação dos jornalistas ambientais. Uma das painelistas, Ada Cristina Machado de Oliveira, chefe do Departamento de Ciências de Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria, permitiu-se um desabafo: deixou as redações para ingressar na academia, depois de lutar contra o que chamou ‘jornalismo precário’ praticado nos dias de hoje – motivo, segundo ela, de crescente insatisfação dos profissionais com a própria mídia em que trabalham.

No encerramento do congresso, domingo (21/5), o dia frio mas com um sol tímido, após as chuvas da semana, permitiu um contato mais direto com a informação ambiental. Os participantes fizeram roteiro guiado pela Fundação Zoobotânica do RS, para fechar com novos conhecimentos e belas paisagens o encontro, que foi – ao que tudo indica – um novo marco na história do jornalismo ambiental gaúcho e do jornalismo-cidadão.

Terra pede socorro

Para um veterano observador, dois pontos básicos destacaram-se neste 1º Congresso de Jornalismo Ambiental: o interesse participativo e a curiosidade da maioria dos jovens estudantes de Jornalismo presentes foram ótimos destaques. Outro ponto, este discutível: a visão quase anticientífica do professor Wilson Bueno, em sua rejeição aos pesquisadores acadêmicos. É certo que há mil correntes do pensamento ecológico e no movimento ambientalista. E muitas beiram o misticismo. Mas rejeitar o modelo econômico da tecnoarrogância vigente não basta para apontar para uma solução viável e sustentável para o planeta e para os humanos. É preciso, sim, trabalhar com modelos científicos, evitando cair em soluções mágicas e/ou quase místicas.

Não se trata, aqui, de negar o conhecimento dos povos indígenas, por exemplo. Como escreveu o jornalista ambiental Washington Novaes, no Jornal da Ciência da SBPC (5/5/2006):

‘Se não fôssemos tão preconceituosos, prestaríamos atenção ao que os pajés dessa gente, os nhanderu, transmitem: ‘O Sol está descendo, por causa do que estamos fazendo, e vai esquentar a Terra’. E a Ciência lhe dá toda a razão’.

Convém ouvir, conclui Novaes. Ou seja: o ambientalismo deve buscar, concretamente, alternativas éticas ao que aí está, na busca de uma saída para o impasse econômico-social-ecológico em que vivemos, somando toda sorte de conhecimentos, dos científicos aos chamados ‘temas exóticos’.

Mas é preciso agir já: a Mãe Terra pede socorro, e o tempo está se esgotando.

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Jornalista, filiado à SBPC – Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência