Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Debate ético ausente

É interessante ver o debate que tem acontecido ao redor da utilização das células-tronco e de ver como a mídia nunca se aprofunda na questão primeira, e sim fala da utilização dos embriões como se falasse de objetos pré-existentes.

Gostaria que a questão da pesquisa com os embriões fosse considerada a partir do começo da história: a fecundação de múltiplos embriões nas clínicas de fertilização. Essa é a razão de haver embriões não-utilizados. E por que se faz fertilização múltipla? Por razões econômicas, pois de outro modo ter-se-ia que realizar este procedimento tantas vezes quantas a mulher não engravidar!

Eu acredito que a sociedade brasileira como um todo (e não uma fração, que são os pesquisadores – na qual eu me incluo – e as famílias de potenciais beneficiários), uma vez que a questão de natureza individual do embrião antes dos 14 dias (antes de ter o sistema nervoso formado) está longe de ser consenso. E, nesse caso, num sistema justo, deve-se lembrar da máxima: in dubio pro reo. Réu, neste caso, é o embrião, que está sendo julgado se é ou não uma pessoa antes dos 14 dias.

É impressionante ver que ninguém, nem mesmo o Jornal da Cultura, tão sério e investigativo, jamais levantou esta questão, nem mesmo para debate. Há um grande silêncio sobre o porquê de existirem tantos embriões congelados, e formou-se uma unanimidade (a qual diz-se que sempre é burra!) na mídia sobre os benefícios da sua utilização.

Longe do consenso

Para mim, que trabalho com desenvolvimento em sistemas vegetais (que, apesar de suas diferenças, são sistemas eucariotos multicelulares, de células nucleadas e que obedecem a regras ontológicas básicas), fico abismado com o consenso em se utilizar células humanas, que são indivíduos em potencial.

Ademais, há células-tronco não-embrionárias como recursos de tratamento. É verdade, como disse no JC a Dra. Mayana Zatz, que essas células não têm toda a potencialidade das células embrionárias, mas o que ela escondeu foi que, se houver pesquisas, há potencial de desenvolvimento de protocolos com as células adultas, sim, embora seja um caminho mais penoso e demorado (com a vantagem, entretanto, de não se ferir de ninguém as convicções éticas – e não religiosas, como muitos dizem).

Resumindo: a utilização das células-tronco embrionárias está longe de ser um consenso ético na sociedade e sua lei foi aprovada no Congresso devido ao lobby feito por pesquisadores e potenciais usuários; ninguém se pergunta o porquê de haver muitos embriões congelados nas clínicas de fertilização (e a resposta é econômica, ficando a vida em segundo plano); e há potencial, sim, para múltiplas aplicações das células-tronco adultas, embora haja necessidade de mais pesquisa e as respostas demorarem mais (com a vantagem de não se afetar modelos éticos na sociedade como um todo).

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Doutor em Fisiologia Vegetal e Biologia Molecular da USP