Quem se interessa pelo jornalismo ambiental deve lançar um olhar de indagação, inicialmente, sobre a própria epistemologia do meio ambiente (história, envolvimentos, correntes etc) buscando uma perspectiva crítica em relação aos valores sócio-econômicos modernamente contemplados pela política neo-liberal. Debruçando-se, desta forma, sobre a questão, o estudioso compreenderá a responsabilidade social que perpassa o Jornalismo Ambiental enquanto possibilidade dialética de intervenção social com objetivo de conduzir à reflexão e à mudança de comportamento ao nível da cidadania.
O caminho mais direto para esta pedagogia ambiental é a retomada do jornalismo investigativo, de apuração cuidadosa, com ampla checagem de fontes, ouvindo não apenas ‘os dois’ mas ‘todos os lados’ da questão, contextualizando e explicando a informação , apontando seus desdobramentos possíveis, além de conferir-lhe uma apresentação estética compatível com seu conteúdo (o que significa boas imagens na TV e na Internet e cobertura fotográfica documental no impresso).
Entretanto, a utilização do jornalismo para a educação ambiental dos cidadãos é incompatível com o modelo de jornalismo atualmente institucionalizado, onde a pressa de noticiar determina uma apuração superficial, o que gera notícias incompletas, confusas, quando não totalmente falsas. Privilegia-se o espetáculo da imagem ou do depoimento, ou mesmo do conteúdo impresso, como se a octanagem do escândalo detonando os índices de audiência tivesse o poder de justificar a pura e simples publicação de mentiras ou grosseiras agressões à ética, à tolerância e ao respeito humano.
Um balcão chamado jornalismo
As novas tecnologias não estão sendo plenamente utilizadas para um jornalismo melhor. Pelo contrário, elas têm contribuído para o acirramento da concorrência entre repórteres, editores e meios de comunicação em geral. O mesmo equipamento que permite checar à exaustão uma informação importante também é usado para colocar no ar imediatamente a notícia, deixando a investigação para logo mais.
Outras vezes é a linguagem que não ajuda: na televisão aberta, por exemplo, mesmo sabendo que não somos um país de letrados –sem contar nossos 20% de analfabetismo – usam-se siglas e fazem-se comentários que só os yuppies da Avenida Paulista compreendem. É um jornalismo em circuito fechado, onde o fato que o âncora, por exemplo, comenta não é explicado, não é retomado, não é contextualizado, como se todos estivessem acompanhando os fatos o tempo todo, como se todos os públicos, do Oiapoque ao Chuí, estivessem ‘antenados’ no desenrolar do fato noticiado. Além de veicularem uma quantidade indigerível de notícias curtas e incompletas, os editores também se dão ao trabalho de repetir as mesmas notícias, sem acrescentar nada de novo, no mesmo veículo eletrônico, como se não existissem fatos novos e mais importantes a serem noticiados, quando não se perde um tempo enorme para noticiar a celulite de uma atriz ou uma festa na ilha de Caras…
Talvez possamos compreender essa ‘tendência’ à repetição e à superficialidade se considerarmos que é muito mais barato repetir uma informação que produzir uma nova, principalmente na televisão. No impresso, é muito mais ‘interessante’ publicar 50 matérias variadas (não importa se superficiais e mal apuradas) para ‘bloquear’ a concorrência, que 10 reportagens devidamente explicadas e contextualizadas, pois a diferença está no custo de produção. Por isto mesmo recorrem-se a ‘fotos de arquivo’ que apenas ilustram a matéria, porque o custo da foto documental, especialmente produzida no contexto da matéria, é muito maior. Temos aí, então, um enorme balcão de negócios chamado ‘jornalismo’, essa coisa já tão amargamente caricaturada por Balzac no século 19, quando não havia internet, nem celular, nem satélite, nem tecnologia digital… mas já existiam os ‘negócios’.
Pregoeiros do caos
Quando criticamos o modelo de comunicação em vigor – um modelo eminentemente comercial, claro – e discutimos a inserção do Jornalismo Ambiental voltado para a cidadania, para o serviço ao leitor, como, de resto, deveria ser todo o jornalismo e não só o ambiental, não podemos nos deter somente nas deficiências do mercado. É preciso atentar, igualmente, para os eventuais perigos que rondam nosso próprio objeto de estudo: o ambientalismo ou o movimento ambiental.
Esta é uma bandeira que, infelizmente, tem se prestado a muitos usos, nem todos confessáveis. Assim, estudando as correntes desse movimento, seus antecedentes, suas lutas, suas aplicações práticas, seus pressupostos, suas variantes etc o jornalista especializado em meio ambiente evitará os gestos de ingenuidade dos ignavos, tanto quanto o denuncismo escandaloso dos espertos.
É necessário fazer distinção entre os que, para combater a poluição e as agressões à natureza, defendem simplesmente a abolição da sociedade industrial, como se fosse possível a este mundo de seis bilhões de habitantes voltar ao artesanato medieval, num passe de mágica. Pregar a resistência ao uso do computador ou de qualquer outro artefato das modernas tecnologias para combater a chamada ‘tirania da sociedade técnico-industrial’ é, certamente, uma arrematada bobagem, um non sense. Ao contrário do que pensam esses pregoeiros do caos iminente, não é a evolução tecnológica que matará o planeta, é o uso inadequado da tecnologia, é a defesa exacerbada de um conservacionismo que salva o mico-leão-dourado, a ararinha azul e o ursinho panda da extinção, mas não impede a extinção de milhares de seres humanos, diariamente vitimados na ignorância das guerras pelo poder geopolítico, ou na criminosa desigualdade social que ‘atira’ poucos ao luxo despudoradamente desenfreado e milhões, bilhões à luta fratricida por um pedaço de pão ou a correrem o risco de terem os miolos esmigalhados ao disputarem um cantinho para dormir à noite na Praça da Sé, junto ao Marco Zero de São Paulo, sob as luzes da imponente Catedral.
De olho na coerência
Também não podemos calar diante de ‘ambientalistas’ que aceitam o uso de organismos geneticamente modificados (OGMs) desde que isto signifique mais lucro para os plantadores de sementes e mais divisas na balança de pagamentos… mais divisas para assegurar um superávit interno que, por sua vez, garantirá não os investimentos em infra-estrutura social (saúde, educação e transportes), mas o pagamento dos juros da já muitas vezes paga dívida externa.
Muitas vezes o jornalismo ambiental é confundido com o agronegócio. Nessas ocasiões, para clarear a idéia, devemos proceder com a aguda singeleza dos antigos jornalistas que ensinavam os ‘focas’ a estabelecer o valor-notícia de uma informação fazendo a clássica pergunta: ‘A quem interessa esta informação?’. Se ela interessa apenas ao patrão, ao partido, a um grupo, se ela não interessa aos leitores, aos sujeitos que compõem a sociedade com suas lutas e suas esperanças, então é uma notícia menor, restrita a publicações especializadas ou a veículos dirigidos. O agronegócio é um ramo do mercado, é um negócio como outro qualquer, não tem nada de preservação ecológica. Sua relação é com o lucro, com o dinheiro.
Em muitas situações a bandeira do ambientalismo – com seus símbolos, sua linguagem e suas preocupações – é roubada por grandes grupos empresariais que, a título de buscar uma boa imagem junto à opinião pública para melhor aceitação de seus produtos, participam ou realizam projetos ambientais meramente destinados a cumprir a legislação. O jornalista especializado em meio ambiente deve investigar corretamente tais iniciativas, não com o objetivo simplista do denuncismo, mas cobrando coerência nas medidas voltadas para a comunidade.
Onde fica a matriz
Em suma, é cartesianamente fácil reconhecer um empreendimento genuinamente ambientalista. Basta verificar se ele está comprometido com a vida, som a solidariedade, com a tolerância diante do diferente, com a inclusão das minorias, com as aspirações da comunidade, ou se visa apenas o interesse próprio – muitas vezes um interesse próprio situado em país distante, onde fica a matriz. Não se pode aceitar mais que, a pretexto de gerar empregos, uma empresa tenha carta branca para usar a natureza ao seu talante.
E quando falamos de natureza, precisamos ter o cuidado de não esquecer a ‘natureza humana’, porque o homem vem antes do verde bosque; sua fome, sua casa, sua família, sua dignidade vêm antes do mico-leão-dourado e da ararinha azul. Além de cuidar do ‘ambiente natural’, precisamos cuidar, com muito zelo, com espírito solidário, do ‘ambiente humano’, ali onde está o Sr. José, sua esposa Dona Maria, seu velho pai Fabiano, seus seis filhos… todos dormindo no mesmo cômodo, mas com nome e sobrenome, com esperanças em um mundo melhor através dos filhos que estão indo à escola que eles não tiveram… que têm uma história de vida, que vieram de algum lugar, que já trabalharam nos locais tais e tais, que têm parentes e compadres e amigos, que celebram um aniversário… que são gente, ecologicamente gente.
Aqui falamos, então, de um desenvolvimento que compatibilize a preservação da natureza com a necessidade de sobrevivência digna das pessoas, de modo que uns (meios naturais) e outros (seres humanos) possam viver em harmonia e possam passar para os seus filhos um mundo onde haja um bom lugar para o bicho macaco viver em liberdade, mas também um lugar digno para o bicho homem, sua prole e seus sonhos. Entenderemos melhor esta necessária integração se rejeitarmos a falsa dualidade ‘homem x natureza’, pois o homem é a própria natureza, ambos formam um só conjunto. Cosmicamente, o homem é uma novidade muito recente neste planeta, onde há bilhões de anos a natureza já produzia os recursos que propiciaram o surgimento da vida humana e segue produzindo os minerais que tonificam os mesmos músculos humanos que tentam destruí-la, como na metáfora do lenho de sândalo que perfuma o corte do machado que o fere.
Pata cobrar da mídia
Trata-se de mudar radicalmente o modo de ver a natureza, colocando-a como sujeito e não como objeto de estudo. Retirar da natureza apenas o necessário à vida, repondo adequadamente o que for tirado, como que retomando as práticas dos povos primitivos, não deve ser entendido como uma afronta à modernidade ou como a volta ao ‘mundo atrasado’, porque o verdadeiro atraso é a carnificina da guerra e a ignorância da injustiça social que mata pela fome, pela exclusão e pela humilhação. Educar o mundo para essa necessária comunhão com a natureza é a atitude mais sensata que podemos ter hoje, após tanta destruição.
A isto os especialistas chamam de ‘desenvolvimento sustentado’.
Aqui também há polêmica a ser conferida.
Até onde a sustentação do desenvolvimento preserva o real equilíbrio entre homem e natureza? Por que a legislação ambiental é simplesmente punitiva, quando poderia propiciar parcerias comunitárias a favor de projetos de sustentabilidade? Por que a burocracia acaba propiciando a formação de verdadeiros guetos, por tratar separadamente as questões de interesse humano, quando sabemos da complexidade das coisas e da inevitável integração entre elas como homem/trabalho, homem/terra, homem/saúde, homem/habitação, homem/natureza etc? Por que o cooperativismo não é mais estimulado nas comunidades empenhadas na sustentabilidade? Qual a participação da educação ambiental nos projetos de sustentabilidade? Como a mídia é chamada a colaborar com tais projetos? Como esses projetos trabalham a tolerância com a diversidade, com o diferente? Se pesa uma responsabilidade social sobre a mídia, também pesa uma hipoteca ambiental sobre toda propriedade.
Assim, não seria exagero cobrar da mídia uma parceria positiva a favor da educação ambiental permanente. Isto poderia ser feito dedicando-se não apenas mais espaço ao verdadeiro ambientalismo nos meios impressos e eletrônicos, mas também tratando melhor o conteúdo e o visual dessas notícias, de modo a conduzir as pessoas a algum tipo de reflexão sobre a cooperação por um mundo melhor e mais justo.
O árbitro da sustentabilidade
Seria necessário educar para a solidariedade, para a visão crítica da realidade, para a compreensão dos equívocos presentes no modelo econômico já cristalizado entre nós, indo além do mero conservacionismo que pode se tornar alienante como se a sustentabilidade tivesse apenas o objetivo de manter as coisas como estão, apenas com novos rótulos, a exemplo de políticos reacionariamente conservadores que ingressam em partidos verdes em busca de uma roupagem mais moderna, mais ‘correta’, o que deve ser encarado como um oportunismo desavergonhado, uma apropriação indébita das bandeiras de luta do movimento ambientalista.
O conceito de sustentabilidade não pode se transformar em novo método de interferência colonialista ditado pelos impérios econômicos de modo a favorecer apenas o que lhes interessa em matéria de comércio mundial. Certamente, há uma ambigüidade latente em pregar o desenvolvimento (que ignora a ética e a vida, como se tem visto na simplificação cartesiana dos últimos séculos) e falar, ao mesmo tempo, em sustentabilidade se as pessoas não podem acalentar a utopia de um porvir melhor e mais seguro. Que tipo de desenvolvimento interessa a cada região?
Naturalmente o que é desejável para a velhinha do Arkansas que empresta dinheiro ao Banco Mundial não tem a mesma representação para o pai que sobrevive catando papelão nas ruas das grandes cidades brasileiras ou para o puxador de táxi humano em Nova Déli… Como um trabalhador desempregado pode acalentar a utopia da paz se está com a barriga vazia? A sustentabilidade não é, ela própria, uma utopia? No cenário da floresta, até onde vai a permissão de desmatar para gerar emprego, casa e pão? Quem é o árbitro da sustentabilidade?
‘Preservação do capital’
Esse questionamento, essas dúvidas que são colocadas, inclusive entre estudiosos do tema, revelam-se pertinentes, tendo em vista que a questão ambiental é recente e só nas últimas décadas vem empolgando as populações do mundo, embora, no Brasil, a primeira legislação ambiental sobre extração de madeira, por exemplo, date de 1797, enquanto o Jardim Botânico da antiga capital federal foi criado em 1808. Foi a partir de 1972, com a Conferência de Estocolmo, patrocinada pela Word Wildlife Fundation (WWF) que a questão ambiental tomou impulso no mundo inteiro. Ali surgiu o conceito de desenvolvimento ecologicamente sustentado, mais tarde consagrado na Agenda 21 promulgada pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92, realizada no Rio de Janeiro.
Também foi significativo o papel das organizações não-governamentais (ONGs) na divulgação do tema, embora também entre as ONGs tenha ocorrido o fenômeno do uso indevido dessa bandeira muitas vezes para favorecimento de governos e grupos, ocorrendo fato semelhante com os Partidos Verdes, conforme já citado.
A esse respeito, questiona-se, por exemplo, o empenho de algumas entidades não-governamentais muito mais voltadas para a ‘preservação da natureza do capital’, como cita o professor Edgar González Gaudiano, da Universidade do México, a respeito da ONG The Nature Conservancy: ‘Em que pese sua ardente oposição à destruição ambiental em geral, The Nature Conservancy parece conformar-se com a conservação de pequenas áreas de terra intocáveis para preservar seu habitat como santuário de biodiversidade. Como resultado, a construção de uma Conservação da Natureza empregando estratégias capitalistas é equivalente a manter um ‘cemitério da natureza’ para preservar a natureza do capitalismo’. (in Contribuição da Educação Ambiental à Esperança de Pandora, pág. 393).
O caso brasileiro
Na mesma página o professor refere-se ao próprio Lester Brown – uma das mais celebradas personalidades do ambientalismo norte-americano – para denunciar que o Worldwatch Institute, por ele fundado, ‘opera como outra parte integrante das alianças emergentes da grande empresa, de organizações não-governamentais e dos interesses globais que têm colaborado com a invenção de novos discursos sobre a ‘governabilidade’ global, articulados agora através das categorias disciplinares do ‘desenvolvimento sustentável’. Sobre tais interesses, o professor cita o caso do embarco do atum mexicano, em 1990, promovido por um grupo ambientalista norte-americano – Earth Island Institute – vinculado a interesses comerciais dos atuneiros dos EUA, os quais cobravam, por meio do Earth Trust Fund, quase sete milhões de dólares, anualmente, pelo controle do selo Dolphin Safe.
Para Gaudiano também os partidos verdes – cuja projeção internacional se deu a partir da Europa, principalmente da Alemanha – apresentam plataformas que oscilam profundamente de um país para outro, a ponto de, no México, o Partido Verde apoiar-se em temas pontuais como as corridas de touros ou a preservação da baleia no Golfo da Califórnia, enquanto sua defesa dos direitos indígenas tem sido criticada por seu caráter superficial e cosmético. Um Partido Verde que age desta forma, sem projeto, segundo o professor, não tem nada a ver com o posicionamento de Rudolf Baharo, o membro mais proeminente do Die Grünen na Alemanha e com o Green Party na Grã-Bretanha, os quais revelam suas próprias características inscritas no ecossocialismo e no conservadorismo, respectivamente.
No caso brasileiro, igualmente, não se pode atribuir ao Partido Verde uma consistência ideológica socialmente eficaz, tendo em vista que a legenda abriga políticos da mais variada procedência, inclusive das áreas mais conservadoras, muitos abrigando-se sob a bandeira verde sem nem mesmo conhecerem a história dessa luta, recorrendo a um discurso meramente ecológico, mas sem visão de conjunto, sem contemplar a complexidade homem/natureza que envolve profunda mudança no próprio sistema de acumulação capitalista.
Educar para a vida
Em muitas situações a ideologia verde é usada apenas para rearticular a tradição radical segundo a qual o campo social sempre está estruturado para um agente em particular, para uma hegemonia específica em torno da qual agregam-se interesses maiores, daí todos voltarem-se, em uníssono, para o conceito de ‘sustentabilidade’ que pode vir a dar uma ‘sobrevida’ ao parâmetro capitalista, se não soubermos claramente de que ‘ambientalismo’ estamos falando.
Para contribuir com uma proposta de educação ambiental permanente, a mídia precisa compreender a importância de abrir-se para a sociedade gerando e incentivando ações de solidariedade humana não apenas em relação à natureza, mas em relação ao próprio homem. Isto implicaria fazer um jornalismo menos sensacionalista, menos agressivo às limitações da pessoa humana, menos incentivador da violência, menos apaixonado pelo espetáculo da morte banalizada.
Talvez se trate mesmo de repensar o próprio jornalismo para que ele passe a operar a partir do pressuposto da vida, se compreendermos que nada mais terá sentido se a vida vier a se inviabilizar diante do permanente culto da morte na forma de investimentos bélicos, concentração de renda, fome, miséria e ódio. É preciso educar para a vida, o tempo todo, em todo lugar.
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Jornalista, professor de Jornalismo