Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

E a Academia descobriu a imprensa…

Enfim, a ciência descobriu a importância da imprensa leiga na disseminação do conhecido. As divulgações dos cientistas integrantes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), no evento de Paris, culminaram numa aproximação até pouco tempo atrás atravancada pelo despreparo de ambas as partes para interagirem. Um distanciamento calcado, pelo lado dos cientistas, na arrogância e rejeição. Já na parte que cabe ao jornalismo, na cômoda e complacente aceitação da ignorância e mediocridade.

O primeiro passo para romper com esses preconceitos foi dado. Nunca um evento integralmente científico ganhou tantos e tão generosos espaços na imprensa leiga mundial, mesmo essa estando ainda muito longe em termos de qualidade da informação, se comparadas às divulgações híbridas ou especializadas. Entretanto, os veículos de comunicação não-especializados mostraram sua enorme força e capacidade de contribuição – se a intenção da comunidade científica for a de dar horizontes para uma nova consciência mundial.

Por enquanto, os profissionais de imprensa podem festejar esse processo como uma vitória significativa para derrubar a clausura do universo científico e lançar um feixe de luz sobre a divulgação de pesquisas de extrema importância para a reorientação da sociedade de consumo – que infestou o mundo com futilidades e na transformação de valores voláteis em perenes.

Divisor de águas

Abriu-se o primeiro buraco na parede da imensa barragem que represou, por dezenas de anos, o conhecimento armazenado da maneira mais egoísta possível nas mofadas bibliotecas e escaninhos da academia. Precisou o planeta entrar à beira do colapso total para se compreender que, em determinados estágios do desenvolvimento humano, imprensa e ciência são estrategicamente complementares. Agora é esperar para ver quanto tempo o dique agüenta a pressão e se o ditado popular ‘antes tarde do que nunca’ tem ainda prazo de validade a vencer.

Os resultados do IPCC, principalmente ao apresentarem os reflexos do aquecimento global na Terra num período de 100 anos, despertaram na imprensa a noção de temporalidade e readequação às novas exigências. Está provado, agora cientificamente, que não existe mais tempo para postergar as alterações em sua conduta editorial. As dificuldades em se compreender, decodificar e transmitir o que os cientistas falavam só comprovam a necessidade urgente em se aprimorar e atualizar.

A imprensa levou uma sacudida. Foi-se o tempo da má vontade nas redações quando a pauta envolvia algum tema científico. Ou se qualifica para cobrir o setor ou arcará com o ônus deste descaso. Os jornais estão lentamente descobrindo que reduzir o assunto das mudanças globais a uma temática meramente econômica é mais que um erro, é um aceno público de sua incompetência. É como querer descrever o gigante somente olhando para os sapatos.

Democratização do conhecimento

Na outra margem, onde se encontram os cientistas e as entidades de pesquisa, houve o reconhecimento de que, sem a divulgação voltada para o público leigo, seus estudos não encontram ressonância. Se ombrear com jornalistas está longe do comportamento idealizado pelos integrantes desse universo olímpico e hermético. Todavia, tiveram que se curvar diante do óbvio: a opinião pública é formada pelos veículos de comunicação de massa.

Boa parte se rendeu à imensa e vibrante potencialidade revolucionária da imprensa leiga. Outros ainda olham os resultados desse intercâmbio com seres de natureza tão distinta. Se esse processo for construído de maneira responsável, poderá, dentro de pouco tempo, ser considerado um dos melhores exemplos de democratização do conhecimento. Algo bem diferente da vulgarização da ciência, um flácido argumento usado por alguns grupos de pesquisadores para manter seu status quo inalterado.

Colaboração e respeito mútuo

Cabe salientar que o caminho entre jornalismo e ciência vem sendo construído há várias décadas. Particularmente no Brasil, desde a segunda metade do século passado, e tomou novo fôlego a partir dos anos 90. Evidentemente que erros aconteceram e ainda ocorrerão ao longo desta aproximação. No entanto, o reverso também é verdadeiro. Haverá muitos acertos e a consolidação dessa parceria.

Estamos presenciando uma situação única e singular. Caso haja noções claras de suas responsabilidades sociais, tanto a imprensa como a ciência poderão adotar uma relação de colaboração e respeito mútuo, algo extremamente eficaz e benéfico – se centrado no didatismo, no enfoque pedagógico e na busca conjunta por capacitar a sociedade a julgar os atos e ações que a cercam. Mas se regressarem ao isolamento cínico, tanto uma como a outra estarão predispostas a serem julgadas severamente por suas omissões e opções.

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Jornalista pós-graduado em jornalismo científico