Nem sempre deve se procurar minuciosamente alguma coisa para criticar; é verdade que a maioria de meus textos publicados no OI contêm críticas a algum veículo de imprensa em especial – contudo, não poderia deixar de registrar meu agrado com a matéria da revista Época sobre o criacionismo e o ensino religioso no estado do Rio de Janeiro. Há algum tempo fiz críticas ferozes à Lei de Biossegurança aprovada no Congresso Nacional, cujo texto permitia pesquisas com células-tronco para fins terapêuticos – e no último instante o relator, deputado Renildo Calheiros, foi chamado ao Planalto e apresentou novo texto que proibia tais pesquisas, mais rigoroso ainda que o do ultraconservador governo Bush.
A bancada evangélica, à qual se somou a católica, ameaçou não votar com o governo caso não houvesse essa mudança, um retrocesso e uma mostra de ignorância que fariam um Donald Rumsfeld ou um Dick Cheney corar. Argumentei que esse fato também mostrava o fim do Estado laico, garantido na Constituição, com o Legislativo impondo ao Executivo suas exigências com base exclusivamente em motivos religiosos – seriam os nossos talibãs.
Alvos de chacota
Mas eis que a governadora do Rio, amparada em lei aprovada quando seu marido era governador do estado, traz o retrocesso norte-americano, que no assunto da criação do mundo envolve lutas desde o começo do século passado, cá para as belas praias fluminenses. O estado contrata professores de Religião, e muitos, sem pudor algum, desmentem Darwin e a ciência para colocar na cabeça dos alunos que Adão veio do barro e Eva de uma costela.
A Época, desta feita, cobriu com propriedade o assunto, e merece elogios pela matéria. O perigo é que essa idéia se dissemine por outros pontos do Brasil, que educacionalmente atrasado como é pode assimilar mais do que os americanos essa idéia e conseguir a façanha de jogar o país para trás de seus oficiais 500 anos…
Células-tronco, teoria da evolução – o que mais nos reservam nossos políticos? Acho mesmo que já passou da hora de o Ministério Público questionar em ação pública adequada esse tipo de ingerência religiosa à força no sistema público de educação –pois na rede particular pode ser feita a opção por alguma orientação religiosa ou mesmo por nenhuma.
Corremos o risco de virar alvo de chacota – se até os poderosos EUA o são, vide Michael Moore e seus filmes, o Oscar de Tiros em Columbine e agora a Palma de Ouro em Cannes por Farenheit 9/11 –, que dirão cá dos ‘macaquitos’ da república das bananas?
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Médico