De repente o Brasil se dá conta, estarrecido, de que o índio, o ‘dono da terra’, também é gente, um ser humano como qualquer outro, e que, como seus irmãos brancos, morre de fome neste vasto e abundante país! Ora, o índio, adulto e criança, morre de fome há muito tempo.
Esta situação de miséria, com índios morrendo de fome, é recente, desde que a Funasa se arvorou em cuidar da saúde dos indígenas, contra a vontade da Funai. O resultado deste conflito tem-se estampado no noticiário fúnebre de suas vítimas. Uma criança morrendo atrás da outra. E outras mais devem morrer por desnutrição, aumentando a vergonha que nosso país causa ao mundo. É preciso banir a Funasa de todas as instituições indígenas. Muito dinheiro já foi gasto pela Funasa, com mobiliário, veículos e até computadores para os índios, mas o atendimento é péssimo e, quando atendem, o fazem mal, um horror para os índios que se encontram dependentes desta instituição pública.
Leveza de elefante
E se o Brasil se dá conta horrorizado de que curumins e guerreiros morrem de fome na selva, o espanto seria muito maior se descobrisse que esta mesma gente passa fome nas cidades, em instituições públicas teoricamente mantidas pelo governo. No Rio, existe há 36 anos a Casa do Índio, na Ilha do Governador, fundada e dirigida por Eunice Cariry, indigenista e sertanista. Embora ligada à Funai, no tempo de José Serra à frente do Ministério da Saúde viu-se de repente no centro de um furacão de ambições da Funasa.
Os curumins que chegaram em estado de desnutrição protéica à Casa do Índio/RJ não sucumbiram porque foram auxiliados pela comunidade da Ilha do Governador, pois, por diversas vezes, a Funasa deixava de enviar os alimentos. O noticiário a respeito disso comprova o desleixo de seus dirigentes com a vida indígena. Basta ler no site da Funai (www.funai.gov.br), no item ‘Notícias’ e abrir ‘Matérias especiais’. A repórter da Funai Leilane Alves denunciava, já em 2003, a trágica ingerência da Funasa no texto ‘Casa do Índio supera dificuldades’. Só com a morte de diversos curumins a verdade veio à tona.
Alegando que a Casa do Índio, por acolher indígenas de todo o país portadores de deficiências crônicas para atendimento nos hospitais e escolas especializadas do Rio, é da área de saúde, fez de tudo para assumir a instituição, como fez com as cerca de 40 que existiam no país. Com a leveza de um elefante, os afoitos tecnocratas da Funasa pretendiam ignorar o sentimento dos índios que a construíram no braço, com material todo doado por um construtor particular, em 1980.
Que o povo não permita
E, em vez de mandar alimentos suficientes aos 40 índios assistidos na casa, entre eles de sete a 10 curumins, há dois anos a Funasa mandou computador que funciona online em tempo integral, e queria empregar na instituição uma nutricionista para fazer cardápio, enquanto a despensa só registrava mandioca, batata doce e dois frangos por dia. Uma vez a instituição recebeu frangos podres!
Não fossem associações de moradores, inclusive de favelas, padarias e até um anônimo grupo de taxistas, esses índios teriam também morrido de fome e estariam horrorizando o Brasil.
A imprensa brasileira pouco se dá conta da Casa do Índio, enquanto a televisão americana e européia a conhecem bem mais. E nos estados, inclusive em Mato Grosso do Sul, há Casas de Saúde do Índio, geridas pela Funasa. Seria bom ver o que acontece nelas. Se na aldeia curumins e guerreiros morrem de miséria, imagine na instituição que depende de verba pública. Aí, sim, o Brasil verá que o horror é bem maior e mais profundo do que viu este mês na mídia.
Que o povo brasileiro não permita que se faça com o índio o que se fez com o negro.
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Jornalista e relações-públicas da Comissão de Amigos da Casa do Índio do Rio de Janeiro