Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Informação correta é direito constitucional

Vaca louca não atinge gado geneticamente modificado

Criação de embriões bovinos que não produzem a proteína causadora da doença foi anunciada nesta semana por cientistas.

A criação de embriões bovinos modificados geneticamente para não produzirem a proteína causadora da encefalopatia espongiforme bovina – também conhecida como o ‘mal da vaca louca’ – foi anunciada nesta semana por pesquisadores norte-americanos e japoneses.

Chamada de príon, a proteína pode causar a doença quando encontra um outro príon que tenha sofrido mutação. Ela é encontrada tanto em animais doentes quanto em saudáveis. Os cientistas acreditam que o desligamento dessa proteína feito nos animais modificados vá impedir o desenvolvimento da doença.

O objetivo dos pesquisadores, na realidade, é a criação de vacas capazes de produzir antibióticos em seu leite, para tratar pacientes com infecções. Para diminuir o temor das pessoas em relação aos alimentos transgênicos, eles decidiram aproveitar e desligar os príons, para mostrar como o procedimento é seguro.

Para conseguir isso, eles primeiramente identificaram uma seqüência específica do gene responsável pela fabricação dessa proteína. Depois, criaram um segmento artificial de DNA, que impedia o funcionamento desse gene, e o injetaram nas células. Através do processo de clonagem, eles uniram essas células a óvulos de vacas desprovidos de núcleos e depois implantaram os embriões em vacas adultas. Assim que os animais nascerem, eles deverão receber pequenas doses da proteína modificada para testar se são realmente resistentes ao mal da vaca louca.

Apesar desses benefícios, os cientistas acreditam que vai ser difícil a comercialização em grande escala de gado geneticamente modificado, pois muitas pessoas ainda são contra esse tipo de alimento e contra a clonagem. Mas, mesmo que isso mude, a substituição dos rebanhos atuais por rebanhos livres do gene da doença pode demorar décadas. (Revista Galileu, 6/6/04)

Sobre o artigo, que recebi pela internet, gostaria de tecer alguns comentários:

1) Começando pela manchete, que se revela extremamente tendenciosa. Poderia ser escrita de outra forma, dizendo a mesma coisa e eliminando a falácia. Esclareço: a manchete subentende que o ‘gado geneticamente modificado’ já é uma realidade, e isso não é verdade! Testes ainda terão que ser feitos para verificar se a experiência deu ou dará certo. Portanto, ainda é apenas uma possibilidade.

2) Falta ainda uma informação básica: quem é ou são os cientistas envolvidos nesse experimento e se eles afirmaram textualmente que o procedimento de desligar a proteína príon é um procedimento seguro, como o artigo deixa entrever. Enfim, falta a fonte.

3) E mais: encontraram essa possibilidade por acidente, numa pesquisa com outros objetivos – tudo bem, acontece. Mas, uma vez que corra como pretendem, os próprios pesquisadores já têm a prática como pouco viável para as necessidades do assunto, que são de cura imediata!

4) E ainda mais: supondo que a experiência tenha êxito, restará ainda determinar o impacto do desligamento da citada proteína sobre a vida no ambiente como um todo. Fato que sequer foi cogitado, mas que é uma necessidade. É o que tem que ser determinado em todos os transgênicos quando liberados no ambiente. Para explicar: transgênicos que atuam em ambiente controlado e hermético, como no caso da produção da insulina, dispensam esse cuidado, pois já estão devidamente contidos.

5) No decorrer do artigo fica claro que existe por parte da revista uma campanha favorável aos transgênicos – quando deveria prevalecer a imparcialidade, no mínimo. E num assunto que ainda demanda muito conhecimento da parte dos próprios cientistas que os tem gerado.

6) A redação está confundindo transgenia com clonagem. Não existe semelhança entre as duas técnicas. Serei mais claro: clonagem é mais uma questão ética – não repercute sobre o ambiente; ao passo que transgenia é uma questão biológica, que pode afetar o ambiente de modo a comprometer a continuidade da vida sobre a face do planeta. Especialmente a vida humana que se encontra no topo da cadeia alimentar. E, como as pessoas bem-informadas sobre o assunto sabem, a segurança dos transgênicos em relação a sua liberação no ambiente por culturas como as da soja, do feijão e outras ainda está para ser comprovada. E nem quero aqui mencionar a questão da segurança no consumo dos alimentos por elas produzidos.

7) A oposição aos transgênicos é circunstancial, e vai perdurar enquanto aqueles que só visam lucro não conseguirem comprovar a sua inocuidade.

8) O mal-da-vaca-louca tem ainda um aspecto inexplorado, ou não repassado pela mídia, e talvez calado pelos cientistas e outros que deveriam manter a opinião pública corretamente informada sobre o assunto, para o bem da própria sociedade: se, como já foi dito, esse mal leva de 20 a 25 anos para levar a óbito seres humanos, estamos à beira de uma grande mortandade, pois aqueles que ignoravam sua existência continuavam a se alimentar do gado infectado, sua carne, seu leite e derivados. Conforme se sabe, a doença era conhecida desde o início da década de oitenta, mas só foi revelada em torno de 1996. Isso nos dá como prazo fatal 2005 em diante, até em torno de 2020, se antes não for achada a cura. Assim os mais prejudicados serão os consumidores – todos nós!

Também seria necessário sabermos as formas de transmissão do mal. O assunto comporta ainda mais observações, porém, procurei ater-me aos limites do artigo, exceto pelos itens 7 a 9, que talvez permitam novas pautas, além de um aprofundamento desejável nos outros. Pois o público espera notícias cada vez mais claras, corretas e sem lacunas. É um direito constitucional.

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Engenheiro agrônomo, Comitê de Defesa do Consumidor Organizado, Palhoça, SC