Este artigo pretende provocar uma reflexão sobre o que o profissional realmente pretende informar. Independentemente de fatores econômicos, que o torna submisso às empresas de comunicação, o jornalista deve acreditar que tem um papel na sociedade – não apenas de informar, mas de contextualizar os acontecimentos de modo compreensível. Deve partir do princípio de que uma informação terá importância na vida das pessoas, seja para que desenvolvam pesquisas, seja para que estabeleçam cuidados específicos. Então, o jornalista precisa exercer sua tarefa com dedicação, pois não é um mero repassador de fatos.
Partindo da distância entre a necessidade de noticiar e a vontade de noticiar, tomo como exemplo a questão da ética na ciência. Na pós-modernidade, em que a cultura do efêmero prevalece, os valores da humanidade tentam acompanhar invenções, tecnologias, estudos, testes, remédios, maravilhas geradas pelo saber científico. E me pergunto: onde estão os jornalistas para tornar compreensível essa transformação? Como aproximar uma região em que meninos morrem de desnutrição, por exemplo, da produção acadêmica? Onde estão estes profissionais para dizer, com suas vozes treinadas e embalsamadas de conservadorismo, que há soluções em algum nível da pesquisa acadêmica, que em determinado local há um caminho tangível?
Onde estão os profissionais neste momento em que os países da América Latina e do Caribe se reúnem para prover uma organização como a Unesco de estudos que pautarão uma recomendação universal sobre a ética do fazer científico e do produto por ele gerado? Onde estão eles? É preciso divulgar que pesquisadores se questionam sobre suas responsabilidades nos processos científicos.
Pois entre os dias 30 e 31 de maio a Unesco reuniu no evento Ética na Ciência e Responsabilidade dos Cientistas, no Hotel Mercuri, em Belo Horizonte, representantes de universidades, instituições de pesquisa, comitês de ética, embaixadas, governos. Todos se dispuseram a enfrentar seus problemas no que diz respeito ao procedimento ético na ciência. Onde estavam os jornalistas? Eram vozes suficientes para que a Unesco se comprometesse a considerar as preocupações comuns da região, por suas características de nações colonizadas, não-detentoras de poder econômico, geradoras e exportadoras de produtos primários, cooperadoras para o aumento da pobreza mundial – mas também nações repletas de valores.
Servidão, comodismo…
Não foi um encontro para servir de palco a ‘probleminhas’ de cientistas sedentos por aparecer na televisão dizendo ‘eu faço ciência em prol da humanidade’. Não mesmo. O encontro reproduziu as reflexões de profissionais, de cidadãos que exigem postura baseada em princípios éticos universais. Também é indispensável questionar neste caso, além da presença física, a abordagem do material jornalístico: como o jornalista tornará entendível o discurso dos cientistas, seus temores e indignações?
Não foi apenas uma reunião importante, numa determinada cidade, visando a estruturação de uma base sólida de recomendações para as atividades científicas no mundo. Tratava-se de contar aos brasileiros que os cientistas estão preocupados com o rumo de suas pesquisas. Por exemplo, como as técnicas de transplante podem interferir na vida de um paciente que sobrepõe a religião a este recurso, ou como a perda de um membro, mesmo que para sanar temporariamente um câncer fulminante, interessará realmente a um paciente que preza a dignidade acima da sobrevivência.
Assim, se o principal interlocutor da sociedade não tem tempo para tais temas ou prefere as superficialidades que aumentam, sim, a pontuação da emissora ou a venda do jornal, nada acrescentando ao dia-a-dia das pessoas, a informação sobre ciência continuará restrita a meia dúzia de interessados. Mais do que qualquer profissional, o jornalista tem meios para transpor as dificuldades de toda ordem dos que produzem ciência e informar ao público. Por que não o faz? Tempo, dinheiro, proibição, obediência, servidão, comodismo, ignorância… O quê?
Mais informações
O material do evento estará disponível nos sites da Secretaria Estadual de Ciência Tecnologia e Ensino Superior e da Fapemig, que promoveram o encontro em comemoração aos 30 anos da primeira e 20 da segunda.
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Jornalista, assessora do Programa de Popularização da Ciência e Tecnologia em Minas Gerais, Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Belo Horizonte