Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais um desserviço ao leitor

A revista Veja continua tratando seus leitores como idiotas. Na edição dá semana passada, a revista traz matéria assinada pela jornalista Paula Neiva, intitulada ‘O barato pode sair caro’, sobre os preços de remédios no Brasil. A matéria diz que os preços dos medicamentos no Brasil é um dos mais baixos do mundo, graças a nosso modesto poder aquisitivo e ao controle dos preços exercido pelo governo. A partir daí, a jornalista passa a fazer uma crítica dessa situação, começando pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão do Ministério da Saúde que controla os preços dos medicamentos. A matéria também fala sobre os investimentos da indústria farmacêutica no país, que teriam diminuído em função dos baixos preços e da ameaça de quebra de patentes, comparando o Brasil à China (país que pratica a quebra de patentes sem maiores constrangimentos). Por fim, a ‘reportagem’ crítica a tributação dos remédios no Brasil, que chega a cerca de 27% do preço final.

Muito estranha a ‘reportagem’. No mínimo, estranha. Fico me perguntando quais os interesses que estão por trás da publicação de uma matéria como esta na revista Veja.

Primeiro, desde quando remédios com preços mais baixos são problema? Pode ser um espinho para os fabricantes, mas com certeza não é problema para aposentados, doentes, pensionistas, que gastam boa parte do que recebem com medicamentos. Para estes, os preços não são assim tão baixos.

Em segundo lugar, ainda bem que o preço dos remédios é controlado pelo CMED, controle este com base em cotação de preços internacional. Nós sabemos muito bem o que acontece com o preço dos remédios quando tal controle não é exercido. Para melhorar ainda mais nossa situação, a entrada dos genéricos foi outro fator positivo, com preços até 40% menores do que o produto original. Sinceramente, continuo não entendendo onde está o problema, conforme a matéria da Veja.

Interesses da indústria

Terceiro, a reportagem faz menção à ameaça de quebra de patentes que paira sobre os laboratórios, comparando a política brasileira no setor a um país de regime totalitário como a China. Tal afirmação beira o absurdo. Todos somos testemunhas da luta do país pela quebra de patentes para os remédios da Aids, movida sobretudo por questões humanitárias. A revista Veja talvez não saiba, mas milhões de pessoas morrem no mundo vítimas da doença e dos altos preços dos medicamentos contra a Aids. Ou a jornalista Paula Neiva não conhece muito bem o país em que mora ou está fazendo terrorismo, numa tentativa de pressionar a CMED ou o Ministério da Saúde.

A pergunta é: quais os interesses que motivaram a jornalista e a revista Veja a fazer comparações tão absurdas? Como relacionar os benefícios humanitários com a quebra das patentes dos remédios contra a Aids à perda financeira dos laboratórios? Como comparar o Brasil e sua política na área da saúde com o que acontece na China?

Finalmente, a matéria fala sobre a tributação dos remédios no país. Realmente, quase 30% de impostos embutidos no preço dos remédios é um absurdo, e tal situação deve mesmo ser revista. Mas não para aumentar a margem de lucro dos fabricantes, como quer a reportagem, e sim para fazer com que nossos medicamentos tenham preços ainda mais acessíveis para toda a população.

Como podemos perceber, a revista Veja, na matéria, prestou mais um desserviço a seus leitores. Nada contra publicar matérias que atendam aos interesses da indústria farmacêutica, mas fazer afirmações levianas e desinformar a população – isso a Veja não tem o direito de fazer.

******

Professor de Geografia, Belo Horizonte (http://geototal.blogspot.com)