A gripe aviária está assombrando a Europa. O noticiário mostra uma histeria coletiva, os estoques de remédios sumiram das farmácias e os jornais noticiam a chegada deste inimigo invisível aos quatro cantos do planeta. O vírus H5N1 assombra da Ásia à Europa, e caminharia a passos largos para a América. Se o ciclo de uma epidemia global por um novo vírus, denominada de pandemia, varia entre 30 e 40 anos, chegou a nossa vez. E muito provavelmente não será um ataque estrangeiro que fará os estragos na população nacional.
Há motivos de sobra para preocupação sobre o vírus transportado por aves migratórias ou mesmo pelos até então inofensivos galináceos domésticos. O evolucionismo mostra que a adaptação ao meio é parte fundamental na luta pela sobrevivência. E como é de conhecimento geral, essas microestruturas primitivas são mestres no processo de mutação. É neste ponto que devem residir as grandes preocupações nacionais.
Agressão sem precedentes
Um dos principais motivos na ocorrência de mutações ou extinções de seres de maior ou menor complexidade biológica se deve às mudanças em características físicas e químicas de um meio ambiente capacitado a criar e suportar um ecossistema. Foi isto que possibilitou a formação das estepes russas e das florestas tropicais, ambas com diversidades biológicas tão diferentes.
As múltiplas inter-relações de espécies vivas e o meio abiótico (luminosidade, umidade, composição do solo, temperatura etc.) são fundamentais para determinar a multiplicidade e a diversidade de uma comunidade biológica. Ou seja, a formação do ecossistema e sua possibilidade de prosperar. Isto é regra geral, serve para qualquer parte do planeta.
Não é preciso ir tão longe para perceber que a maior e mais complexa biodiversidade da Terra está sob uma agressão sem precedentes. A violência desenfreada contra os ecossistemas amazônicos, vários deles estáveis há milhares de anos, pode gerar uma resposta ambiental muito pior do que qualquer pandemia importada da Ásia ou de outros recantos subdesenvolvidos do planeta.
Imediatismo factual
A maior parte das intrincadas relações biológicas é desconhecida pela ciência humana. Entretanto, a floresta tropical já responde às queimadas, aos desmatamentos e à introdução de espécies estranhas ao lugar, como os bovinos e a soja. O pior disso é que essa ‘catástrofe anunciada’ não é panfletagem de organizações não governamentais estrangeiras com interesses escusos na região, ou mesmo discurso de ambientalistas alucinados. É previsão calcada em estudos científicos e com enormes possibilidades de se concretizar.
Se o meio ambiente onde reside a mais complexa comunidade biológica planetária está sendo brutalmente alterado na Amazônia, é razoável concluir-se que grande parte de seus microorganismos são forçados a mutações, e a buscar novos vetores ou hospedeiros. Isto vai bem além dos cenários de imensas áreas secas e desérticas. Provavelmente faltará tempo para chegarmos a isso, pois a previsão é o alastramento de doenças viróticas devastadoras.
Como a imprensa está atada ao imediatismo factual, com suas linhas editoriais marcadas por visíveis contornos mercadológicos, sepultou-se de vez qualquer possibilidade de aprofundamento em assuntos de extrema gravidade. E assim relegamos a um plano secundário casos que poderiam dar, ao menos, uma dimensão do perigo. Produzimos um jornalismo tísico, asfixiado em sua própria prostração.
Do próprio veneno
Há alguns anos um pequeno grupo de pescadores no Pará passou a ter sintomas de uma forte gripe. Em menos de 12 horas tiveram febre, convulsões, hemorragia e falência total dos órgãos vitais. O resultado da necropsia foi espantoso. Os pulmões desapareceram, foram literalmente devorados por um microorganismo desconhecido. Casos inexplicáveis pela medicina atual têm acontecido constantemente em regiões recém-ocupadas pelo homem, cujo perfil original era de floresta. Infelizmente, por uma série interminável de interesses e conveniências, boa parte dos atestados de óbito é emitida tendo como causa da morte alguma doença conhecida e catalogada.
O que mais impressiona nisso tudo foi o silêncio vigente no meio científico e sua atitude asséptica e olímpica, numa constante negativa em se envolver com o mundo real. Menos de 10% das pesquisas realizadas na Amazônia são de origem brasileira, e agora as mesmas autoridades que negligenciaram a febre aftosa buscam no Instituto Butantan uma saída para o possível avanço desta gripe aviária sobre o país.
Infelizmente, somos um rascunho de nação em muitos sentidos, no qual ser omisso e descompromissado é o ‘politicamente correto’. Basta entender que esse artigo deveria ter sido escrito e divulgado por cientistas e pesquisadores, alertando o Brasil e o mundo sobre a iminência deste desastre. Como a palavra ‘vírus’, oriunda do latim, significa veneno, creio que provaremos da nossa própria criação.
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Jornalista e pós-graduado em jornalismo científico