Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O filósofo e o furacão Catarina

Milhares de leitores gaúchos devem ter entendido que Olavo de Carvalho responsabilizou os vermelhos pelos estragos do furacão Catarina no litoral de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em 28/4. Talvez por levar mais fé no bom humor dos gaúchos, talvez por subestimar nossa inteligência, o filósofo não teve coragem de expor aos seus fiéis leitores de outros pontos do Brasil as suas razões para afirmar que a destruição ocorrida aqui se deveu ao descrédito dos vermelhos nas informações científicas vindas do ‘Grande Satã’, como fez em artigo publicado no jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

O certo nisso tudo, porém, é que Carvalho é um homem incompreendido, tanto por aqueles que o levam a sério como pelos seus detratores. Os discípulos, numa reverência que o reverenciado talvez só não refute por constrangimento, põem-no ombro a ombro com Kant, Platão, Erasmo de Roterdã, aquele de Elogio da Loucura… Já os inimigos, no auge psicótico da intolerância, trilham o pérfido caminho entre o desdém e o radicalismo – estes últimos, inclusive, lançando mão até de táticas de guerrilha para atingi-lo, como adotar a leitura de seus artigos, antes do desjejum, em substituição aos benefícios do mamão papaia contra a constipação intestinal.

Triste é o caminho de um incompreendido quando nem os admiradores reconhecem-no como deveriam, e os detratores tentam desqualificá-lo com torpezas de toda ordem. Diante de artigos como o acima citado, em que Carvalho estabelece uma relação direta entre antiamericanismo e um evento da natureza, há, por exemplo, quem questione a alcunha de filósofo ostentada por ele desde que teve acesso às vetustas páginas de opinião da grande imprensa brasileira. O problema de Carvalho, porém, é o lugar que escolheu para virar celebridade.

Precioso talento

Nérso da Capitinga era um humorista de salão lá na sua terra até o dia em que enviou uma fita de vídeo para Chico Anísio e, de onde estava, foi um passo para chegar aos bancos escolares da Escolinha do Professor Raimundo. O mesmo caminho seguiu o consagrado Tom Cavalcante, que começou a carreira como João Canabrava na mesma Escolinha, e hoje é o anchor man de Zorra Total, na figura do destrambelhado Ribamar. Se tivessem, Capitinga e Canabrava, escolhido as páginas de opinião da nossa grande imprensa para serem reconhecidos como os grandes humoristas que são, estariam amargando a triste sina dos incompreendidos, manifesta tanto através da reverência constrangedora dos amigos como da injusta trombeta da turba inimiga.

No hilariante artigo sobre antiamericanismo, publicado em Zero Hora de 4/4/2004, Carvalho afirma textualmente que a destruição de Torres ‘é uma pequena amostra material do preço que este país está disposto a pagar pelo prazer de cultivar suspeitas psicóticas contra os americanos. Depois de meio mundo acreditar na lenda do mapa amazônico cortado pela metade, nada mais lógico que desacreditar nas informações científicas vindas do ‘Grande Satã’.’

Na falta de outras razões capazes de estabelecer uma ligação filosófica menos transcendental-visceral entre o descrédito no Grande Satã, o furacão Catarina e a destruição de Torres, fica difícil não crer que Olavo de Carvalho é um precioso talento brasileiro que insiste em brilhar no lugar errado.

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Jornalista e escritor