Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O modismo científico na imprensa

A receptividade da imprensa aos temas de cunho científico e tecnológico aumentou significativamente nos últimos dez anos. Atualmente há uma proliferação de publicações, programas e sites voltados a informar sobre uma gama enorme de assuntos deste gênero, abrangendo praticamente todos os níveis de conhecimento.

Uma das vertentes deste fenômeno desembocou nas redações dos jornais. Os periódicos passaram a receber um volume impressionante de dados de natureza científica e uma nova geração de pesquisadores – que consegue compreender melhor o papel social da imprensa – se mostra interessada em apresentar seus estudos.

Pode-se tratar esse processo como uma grata evolução, principalmente se esse quadro for comparado ao existente há 15 anos – muito embora ainda hoje esse quadro estar longe do ideal, já que há uma inconstância dos grandes veículos na abordagem desses temas. Duas décadas atrás, trabalhar uma pauta voltada à difusão do conhecimento encastelado nas instituições era algo da maior ousadia. A situação se resumia ao ‘oficialismo’ das fontes os jornais dedicavam espaço mínimo quando permitiam algum assunto do gênero, e a prioridade era geralmente dada às questões de ordem médica. Outra alternativa era apresentar resultados de pesquisas como algo curioso ou bizarro.

Qualidade da informação

A mudança só foi possível pela persistência – ou mesmo teimosia – de alguns jornalistas, que colocavam a cabeça a prêmio cada vez que esperneavam para produzir e publicar uma reportagem além dos estreitos horizontes de editores e de caducas linhas editoriais. Não se tratava de resgatar um romantismo profissional anacrônico, mas de perceber o quanto essas novas informações eram fundamentais para retratar uma nova ordem mundial.

Embora esse atual período tenha ajudado na disseminação da prática do jornalismo científico, surgiram com ele aspectos extremamente perturbadores. Hoje, escrever ou discursar sobre temas envolvendo a ciência e a tecnologia virou sinônimo de status dentro das redações. Se não bastasse isto, agregaram-se a essa modalidade jornalística os voláteis valores do modismo.

O resultado foi uma combinação perigosa, pois estamos presenciando o nascimento do jornalista ‘generalista científico’. Ou seja, aquele que discursa sobre as mais diversas temáticas, sem considerar o alto grau de complexidade que envolve cada uma delas, e que tende a banalizar a temática com explicações simplistas. E isto é feito sem o menor constrangimento ou pudor.

Além do ‘generalista científico’, surge também o tipo ‘especialista por tradução’. Este nunca vai a campo, faz a reportagem com um só fonte e não larga os boletins eletrônicos das grandes publicações especializadas ou os press releases emitidos por uma gama imensa de assessorias de imprensa de toda parte de mundo. O truque de mandraque circense de quinta categoria é fazer uma abertura chamativa e copiar, literalmente, o restante das informações. Mais deprimente ainda é ver que assina os textos como se fosse seu autor.

Muito disso tudo deve-se, evidentemente, ao esvaziamento das redações e ao empobrecimento de seus quadros. O compromisso não é mais com a qualidade da informação. Nenhum tipo de alerta seria necessário se as premissas básicas e norteadoras do bom jornalismo fossem seguidas. As reações advindas da inconseqüência de alguns mais afoitos podem ser devastadoras: além da lançar dúvidas sobre a atuação do jornalismo científico, corre-se o risco dessa atividade cair num descrédito inimaginável. E o avanço conseguido até o momento minguará na mesma proporção da desconfiança do cientista em relação ao jornalista.

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Repórter e pós-graduado em jornalismo científico