Novas descobertas sobre a origem da humanidade, exploração dos planetas, os avanços na medicina, mudanças climáticas, perda da biodiversidade e meio ambiente são questões importantes que ganharam espaço nas folhas dos jornais, revistas, na internet e nos noticiários do rádio e da TV, a partir da criação das editorias de Ciência e Tecnologia, além é claro das publicações especializadas, como as revistas Galileu e Scientific American Brasil, e diversos sites que tratam do assunto.
O jornalista Ulisses Capozzoli, especialista em divulgação científica e doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), atualmente Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, considera difícil precisar o início do jornalismo científico no Brasil. ‘Hipólito José da Costa (1774-1823) já escrevia sobre assuntos científicos no Correio Braziliense‘, diz. Mas, segundo ele, essas editorias se tornaram mais comuns a partir da segunda metade dos anos 80, refletindo uma consolidação da pesquisa científica no País:
– Em 1948, com a fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o professor José Reis começou a tratar desses assuntos na Folha de S. Paulo, através da coluna ‘Periscópio’, na página que o jornal mantinha aos sábados sobre ciência e tecnologia. Em 1983, praticamente apenas o professor mantinha sua coluna na Folha. O Globo produz, há algum tempo, a página Ciência e Vida e o Jornal do Brasil, especialmente com Jorge Luiz Calife, teve um período muito bom de jornalismo científico.
Além de merecer nos diários um espaço mais relevante, na opinião do jornalista espanhol Manuel Calvo Hernando – Secretário-geral da Associação Ibero-Americana de Jornalismo Científico e Presidente da Associação Espanhola de Jornalismo Científico – a divulgação científica tem pela frente outros grandes desafios a superar no século, principalmente pelos erros freqüentes cometidos pela mídia, cujo papel é informar seu público com correção.
Para justificar sua crítica, ele se baseou num estudo realizado pela Escola de Jornalismo e Meios de Comunicação da Universidade de Minnesota, que analisou o noticiário de ciência da imprensa dos Estados Unidos e chegou à seguinte conclusão: omissões importantes somam 33%; citações truncadas ou incompletas, outros 33%; títulos enganosos, 31%; resumo excessivo dos assuntos, 25%; análise defeituosa entre causa e efeito, 22%; matérias mal-apuradas em que a especulação vira um fato, 20%; títulos imprecisos, 14%; dados incorretos, 7%; outros erros, 6,2%.
Segundo Manuel Hernando, o resultado não é novidade, pois sempre se soube que há uma relação direta entre o grau cultural dos jornalistas e a precisão da comunicação. Quanto a essas questões, o Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico tem a seguinte opinião:
– Em que pese toda a contribuição que ele deu ao jornalismo científico, o professor pertence a uma escola preocupada com detalhes que não podem ser desconsiderados, mas não representam as questões mais cruciais. O ritmo de trabalho da imprensa condiciona esses erros operacionais. Além disso, os erros da imprensa são os erros mais públicos que existem.
Analfabetismo
Capozzoli diz que, como ocorre em economia e política, a pesquisa científica é uma pauta que também tem potencial para render ótimas manchetes de jornal, mas que por alguma deficiência essa não é uma prática comum na imprensa. ‘Quando isso acontece, é um sinal evidente de que as coisas do mundo já não são as mesmas de antes’, escreveu ele no artigo ‘Analfabetismo científico na mídia’, publicado no portal Jornalismo Científico.
O jornalista reclama, também, da falta de suplementos de ciência nos jornais brasileiros:
– É preciso considerar que os grandes jornais têm suplemento de turismo, informática, agricultura e televisão, mas não têm um caderno de ciência, apesar de o conhecimento ser hoje o bem mais valorizado na sociedade. Há um descompasso de mentalidades nas redações, pobremente justificado com a idéia de que temas científicos não rendem publicidade.
Para que haja mudança nesse quadro, Capozzoli acha necessário que se implemente um processo de sensibilização para a perspectiva da ciência que parta do interior das redações e chegue às agências de publicidade.
Embora concorde que o espaço deveria ser ampliado, a editora de Ciência do Estado de S. Paulo, Viviane Kulczynsky, acha que os veículos da grande mídia, mesmo fora do eixo Rio-São Paulo, não têm como ignorar o assunto:
– Os grandes e rápidos avanços nesse campo não podem ser ignorados. Sempre cito o exemplo do Zero Hora (RS) e o seu caderno Eureka!. A decisão de lançar um suplemento tablóide específico, ainda que semanal, é totalmente louvável.
Primo pobre
Quando elogiou o Eureka!, Viviane não sabia que o suplemento do jornal gaúcho, lançado em março de 2001, mudou de nome e de foco em novembro do ano passado. Um dos motivos alegados para a mudança foi a perda do apoio financeiro da Universidade de São Leopoldo, com a qual o Zero Hora mantinha, também, um convênio de suporte técnico.
Com a reformulação, o Eureka! passou a se chamar Globaltech e as matérias de ciência perderam espaço para as de tecnologia, que hoje respondem por cerca de 80% do noticiário, corroborando a crítica do Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico. Sobre a questão publicitária, diz Helton Werb, editor-chefe do suplemento:
– Não tenho os números concretos sobre o aspecto comercial, mas a política do Zero Hora em relação aos suplementos é de que eles tenham algum tipo de patrocínio. Como houve dificuldade na renovação do contrato com a Universidade, a decisão da Direção, para conter custos, foi parar a circulação e investir num produto mais voltado para a tecnologia.
Uma das principais estratégias, segundo Helton, foi reforçar a marca Globaltech, nome de uma feira de tecnologia que o Grupo RBS (Rede Brasil Sul de Comunicação) promove uma vez por ano em Porto Alegre:
– O que eu vejo na imprensa brasileira é que o jornalismo científico é o patinho feio ou o primo pobre da mídia. A divulgação científica, apesar da sua importância, não é uma área que tenha alcançado muito prestígio nas redações.
O Eureka! foi duas vezes finalista do Prêmio Esso de Jornalismo Científico e teve 203 edições. Enquanto suas vedetes eram a Arqueologia e a Paleontologia, no Globaltech o grande destaque são as inovações tecnológicas em telefonia celular, informática e outras áreas, o que – Helton não esconde – gerou muita reclamação dos leitores no início:
– Recebemos muitos e-mails de jovens, estudantes e professores. Conheci muita gente que tinha virado colecionador do suplemento e o seu fim foi sentido até pelos jornaleiros, que dizem que as publicações científicas vendem muito, principalmente as dirigidas ao público infantil.
Cobertura episódica
Para a maioria das pessoas ouvidas pelo ABI Online, o jornalismo científico no Brasil, apesar de ter que enfrentar o descrédito publicitário, deu um enorme salto de qualidade editorial nos últimos 20 anos. Isso se deveu, em parte, à variedade das fontes de informação brasileiras, que são consideradas de boa qualidade. Porém, Cláudio Ângelo Monteiro, editor de Ciência da Folha de S. Paulo, acha que há mais saltos a dar:
– É preciso tornar o noticiário de ciência mais ‘quente’ e mais ‘brasileiro’. Há muita divulgação científica, mas pouca investigação e pouca prestação de contas sobre o que nossos cientistas fazem com o dinheiro do contribuinte. O jornalismo ambiental, nesse ponto, tem se saído melhor, mas também tem potencial para melhorar mais.
No caso específico do jornalismo científico, seria mais interessante se os veículos de comunicação parassem de se contentar em fazer coberturas eventuais, como afirma a experiente Terezinha Costa, jornalista especializada em ciência, tecnologia e meio ambiente e autora do livro Engenharia da transparência: vida e obra de Lobo Carneiro:
– Uma das dificuldades que o jornalismo científico enfrenta é a pressão que o profissional sofre para produzir matérias em curto prazo, numa área em que, talvez mais do que nas outras, é essencial o tempo para digerir idéias e informações. Além disso, fora algumas exceções, a cobertura é episódica. Com isso, os jornalistas têm pouca chance de se dedicar à área e se especializar.
Mercado em formação
As universidades e a mídia do País precisam se preocupar com a melhoria da capacitação dos jornalistas que desejam atuar na área de ciência. Quem alerta é o Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, Ulisses Capozzoli:
– O assunto se transformou numa certa coqueluche e com isso atraiu muita gente sem qualificação, buscando apenas um certo prestígio. As faculdades e redações deveriam passar por uma profunda reformulação, para que possa emergir um jornalismo interpretativo de boa qualidade. E esse desafio é de toda a sociedade, embora possa não parecer à primeira vista. Informação de boa qualidade é um reflexo de boas condições sociais.
O editor Cláudio Ângelo Monteiro, da Folha, é mais contundente em suas críticas ao mercado de trabalho e se diz cético em relação ao crescimento de oportunidades no campo da ciência, ‘que, no Brasil, não oferece perspectiva de crescimento’.
– Vejo-o como aquilo que os economistas chamam de mercado de nicho. Ou seja, toda redação deveria ter jornalistas da área, com sua competência diferenciada, pagando um ‘prêmio’ ou sobrepreço por essa competência.
Mesmo assim, ele elogia o esforço de parte da nossa imprensa para divulgar o tema:
– Na Folha, por exemplo, temos uma das poucas páginas diárias dedicadas exclusivamente à ciência na imprensa mundial. O New York Times, o Boston Globe e o Washington Post não têm isso. Em compensação, contam com muito mais gente para cobrir a área.
Segundo a jornalista Terezinha Costa, o crescimento e a profissionalização das assessorias de imprensa tem ajudado muito a divulgação científica e os colegas que trabalham com o tema. Como há poucos profissionais especializados, a competição no setor também é menos acirrada, o que não os livra de ter que entender de assuntos variados:
– O jornalista precisa gostar de ciência e tecnologia e não ter medo de temas que a maioria das pessoas acha complicados ou técnicos demais. É preciso, porém, levar em conta que esse universo é muito amplo: abarca praticamente todas as áreas da ação humana.
Segundo ela, a curiosidade intelectual é fundamental, mas conhecimentos profundos sobre os temas a serem abordados, nem tanto:
– Até porque isso seria impossível. Basta que o jornalista tenha disposição para adquirir noções básicas que lhe permitam pelo menos iniciar uma conversa com um astrônomo, um físico, um químico, um paleontólogo etc., e usar cada entrevista para aprender um pouco mais. E se ele se interessar também por história da ciência e um pouco de economia e for capaz de articular tudo isso em suas matérias, então irá se destacar.
Leitura prazerosa
Para cativar o leitor, Viviane Kulczynsky, do Estadão, acha que o principal é transformar o tema em algo acessível a todos:
– Não somos uma revista especializada. Logo, somos lidos por gente com as mais diversas formações. Nossa função é quase que a de traduzir assuntos complexos e torná-los legíveis, inteligíveis e prazerosos, levando para o universo do leitor questões complexas, mas fundamentais.
No Estado de S. Paulo, assuntos de ciência e tecnologia estão vinculados à Geral, que passou a se chamar Vida& com o novo projeto gráfico do jornal:
– Nas quartas-feiras, temos sempre matérias, notas e um artigo sobre o tema, o que não exclui a publicação de reportagens científicas nos demais dias da semana.
O mais importante, diz a editora, é não ficar na superfície da notícia:
– Temos a preocupação de que a equipe de reportagem seja competente para ir além da notícia, com capacidade de repercutir, de explicar as implicações dos temas abordados.
Formada há dois anos em Jornalismo e, atualmente fazendo um curso de especialização em gestão ambiental, a repórter Júlia Kacowicz, do Diário de Pernambuco, concorda que a aptidão para a pesquisa é fundamental na divulgação científica. E como os assuntos das reportagens são muito diversificados, não há como selecionar uma área principal de formação:
– Alguns termos técnicos ou científicos podem ser bastante assustadores, por isso é preciso buscar ao menos um conhecimento básico antes de qualquer entrevista. Muitos cientistas são muito acessíveis. Outros, no entanto, não têm interesse em divulgar seu trabalho ou serem compreendidos, acham que os jornalistas é que têm a obrigação de saber de tudo.
Para estes, Júlia procura esclarecer a importância de transmitir para o leitor mensagens sem dúvidas, principalmente porque o assunto será mostrado num veículo não-especializado:
– Num jornal diário, o ideal é ser claro sem ser superficial, pois o público é muito diversificado. O texto deve ser atraente, para causar interesse nos leigos, e informativo, para não desapontar os cientistas. Todos gostam de ler um texto informativo e de fácil digestão. Dessa forma, ainda estaremos contribuindo com a divulgação científica, despertando o interesse de um público mais amplo.
Interesse brasileiro
Ciência é um assunto que atrai o povo brasileiro – já no fim dos anos 80, 70% da população urbana do País se interessavam pelo tema, segundo pesquisa do Instituto Gallup. Embora sejam de 18 anos atrás, os dados apontam que ‘este percentual sobe para 70% da população adulta brasileira’ e que ‘esses números revelam a existência de uma grande demanda potencial pelo jornalismo científico e por revistas de popularização das ciências em geral, inclusive mostrando a necessidade de ser empreendido um grande trabalho de divulgação científica’.
Na visão do professor Fernando Rochinha, diretor acadêmico da Coordenação do Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o único erro das revistas especializadas nacionais é não valorizar os acadêmicos e pesquisadores brasileiros em suas reportagens. Mesmo assim, considera que elas cumprem um papel essencial e têm edição e conteúdo de boa qualidade:
– Acho até que elas se esforçam para empregar uma linguagem que seja adequada para diversos públicos. Gosto muito da linha editorial da Galileu, porque ela tem um viés apropriado para o leitor juvenil, o que estimula o ensino da ciência.
Hélio Santos, editor-chefe da Galileu – lançada em agosto de 93 pela Editora Globo –, diz que a qualidade das fontes é o maior patrimônio conquistado pela revista, ‘que tem conexões valiosas na Academia Brasileira de Ciências’.
– Também não podemos ignorar as fontes estrangeiras, em órgãos como a Nasa, por exemplo. Basta lembrar que fomos um dos poucos aqui a entrevistar o coreano Hwang Woo Suk, ex-líder mundial nas pesquisas de células-tronco, antes que seu trabalho caísse em desgraça por conta de fraudes vergonhosas em suas pesquisas.
A redação da revista conta com editor-chefe, editor-assistente, editora de arte e quatro repórteres especializados em diferentes áreas:
– Também temos total abertura para trabalhar com freelancers. Idéias originais, com um tempero diferente do que costumamos ter todos os meses, sempre são bem-vindas – diz Hélio.
Edição nacional
Outro veículo apreciado no meio acadêmico é a revista Scientific American, que no ano passado ganhou sua edição Brasil, com cem páginas e tiragem média de 70 mil exemplares. Sua redação é composta por editor-chefe, editor-assistente, editor e editor-assistente de arte, além de suporte de iconografia e revisão. A maioria das matérias é escrita pelos próprios pesquisadores; reportagens e tradução são feitas por freelancers.
Laura Knapp, editora responsável pela Scientific American Brasil, diz que a principal característica da revista é falar para um público que tem bastante conhecimento de uma ou mais áreas da ciência. Por isso as matérias publicadas são profundas e de nível acadêmico, ainda que com linguagem jornalística:
– Mesmo assim, somos uma revista de divulgação científica. O nível de nossas matérias não é ‘fácil’, isto é, elas contêm informações sobre o estado da arte da pesquisa mundial, mas não estamos direcionados somente aos estudiosos da área. Somos uma revista feita para o público em geral, com certa base sobre os assuntos que publicamos.
Segundo ela, geralmente as pautas são balanceadas entre o que se produz no Brasil e no exterior e, em média, são publicadas duas matérias escritas por pesquisadores brasileiros ou que versem sobre pesquisas nacionais. No caso das matérias internacionais, é feita uma avaliação para saber se há necessidade de complementação com fontes daqui.
Para o biólogo Mário Moscatelli, professor de Gerenciamento de Ecossistemas do Centro Universitário da Cidade, a Scientific American Brasil é interessante pelo arco de informações que oferece:
– A edição nacional trata de assuntos muito diversificados com profundidade, principalmente nos artigos científicos. Confesso que muitas vezes alguma coisa me escapa à compreensão porque não está no meu universo de estudo, mas a revista me proporciona uma verdadeira viagem pelo mundo da ciência. Para quem como eu gosta de física quântica e ficção, é uma possibilidade de sonhar mais alto.
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Redator do boletim ABI Online