Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Revoluções na ciência

Por mais que se tente passar a idéia de que os cientistas são imparciais e tomam decisões baseados apenas nos fatos, essa definitivamente não é a realidade. O físico norte-americano Thomas Kuhn publicou, em 1962, um livro que demonstra convincentemente o peso que os modelos teóricos e os paradigmas científicos têm sobre a comunidade científica. Em A estrutura das revoluções científicas, Kuhn mostra como são criados esses paradigmas, como eles sobrevivem – mesmo com o surgimento de evidências contrárias – e como são substituídos.

Segundo Kuhn, a mudança paradigmática ocorre principalmente porque as comunidades científicas também mudam, à medida que morrem seus integrantes. Por isso, é possível gastar toda a vida defendendo uma idéia sem que ela necessariamente seja a correta. Um bom exemplo é o do britânico Joseph John Thomson (1856-1940), que propôs a existência de um tipo de partícula, o elétron, girando em torno do núcleo atômico. Vários cientistas ridicularizaram a idéia, que contrariava uma crença de quase 2.500 anos: a de que o átomo seria indivisível. O russo Dmitri Mendeleyev (1834-1907), criador da tabela periódica dos elementos, chegou a escrever uma sátira contra Thomson.

Controvérsias científicas existem também em nossos dias, mas infelizmente a mídia passa a idéia de consenso absoluto. É o caso da teoria da evolução biológica. Muitos cientistas criacionistas e não-criacionistas têm levantado dúvidas complicadas para o modelo da evolução, mesmo assim ele permanece aparentemente inabalável. Um desses pesquisadores é Michael Behe, bioquímico e professor na Universidade Lehigh, na Pensilvânia. Ele é autor do controvertido A caixa-preta de Darwin, livro criticado e elogiado por muitos cientistas. A coragem de Behe, que não é criacionista, se mostra quando ele admite que o edifício evolucionista tem sérios defeitos estruturais, e diz que, ‘apesar da imagem popular, os cientistas são pessoas normais, com seus próprios preconceitos. Se alguém pretende desafiar uma crença profundamente defendida, pode esperar resistência’.

‘Emoções humanas’

Mas Behe não é o único a desafiar a trincheira evolucionista, elucidando a verdadeira natureza da ciência. Recentemente têm sido publicados muitos livros analisando o assunto e a forma como a mídia tem contribuído para mistificar a ciência, atribuindo-lhe uma aura de infalibilidade. Em Grandes debates da ciência (Editora Unesp), Hal Hellman afirma que, ‘ao contrário dos erros tecnológicos, erros em ciência raramente são notícia. Em conseqüência, o público poucas vezes toma conhecimento dos caminhos equivocados pelos quais os cientistas muitas vezes enveredam. Mesmo no caso em que se divulga uma idéia científica incorreta, ninguém sabe que ela é incorreta; e quando se chega à idéia correta, ela é apresentada como uma nova descoberta, e a velha idéia é simplesmente esquecida. Mesmo em revistas científicas, relatos de resultados negativos raramente chegam a ser impressos, a despeito do fato de que possam ser muito úteis para os que trabalham na área’.

Hellman lembra ainda que freqüentemente ‘o processo de descoberta científica está carregado de emoção’. Ao apresentar uma nova idéia, ‘é provável que um cientista esteja pisando nas teorias de outros’, e os que ‘sustentam uma idéia mais antiga podem não a abandonar de bom grado’. ‘É comum que alguma questão sutil, ou não tão sutil, ligada a crenças e valores, esteja subjacente ao debate’, avalia. Hellman comenta que ‘os cientistas são suscetíveis de emoções humanas’, ‘são influenciados pelo orgulho, cobiça, beligerância, ciúme e ambição, assim como por sentimentos religiosos e nacionais’; ‘eles estão sujeitos às mesmas frustrações, cegueiras e emoções triviais que o resto de nós’; ‘são, na verdade, completamente humanos’.

O professor Del Ratzsch, especializado em filosofia da ciência, em seu livro The Battle of Beginnings (sem tradução para o português), também faz algumas reflexões sobre o assunto. Ele afirma que as teorias ‘não podem ser geradas por meios puramente lógicos ou puramente mecânicos a partir de dados empíricos’, mas são ‘resultado de criatividade e invenção’. ‘As teorias não podem ser provadas de maneira conclusiva nem deixar de ser comprovadas exclusivamente com base em dados empíricos. Na verdade, os cientistas freqüentemente continuam a defender firmemente certas teorias mesmo diante de clara evidência contrária.’ Ele completa: ‘A estrutura e natureza de teorias específicas, os conceitos que elas empregam, sua avaliação e o critério que determina sua aceitabilidade ou inaceitabilidade e sua aceitação ou rejeição estão todos ligados não só aos dados mas também aos princípios modeladores que alguém aceita. E esses princípios modeladores também não surgem só de dados empíricos.’

Ferramenta humana

Não é difícil perceber que na ciência, como em qualquer outra área do saber, há mais do observador envolvido na pesquisa do que simplesmente faculdades sensoriais funcionando mecanicamente. Em muitos casos de percepção, o pesquisador inconscientemente ‘preenche’ vários aspectos da própria experiência, geralmente sem perceber, e o formato que esse preenchimento assume é moldado em parte por suas expectativas, seu compromisso intelectual, sua predisposição teórica e até mesmo suas crenças (ou a falta delas).

Uma vez que as teorias são inevitavelmente indeterminadas por dados empíricos, se formos selecionar algumas teorias propostas e reivindicar que elas sejam verdadeiras, então a seleção não pode ser feita com base puramente empírica. Pelo menos algumas considerações não empíricas deverão desempenhar certo papel nessa seleção. Na verdade, o que se nota é um exagero na objetividade e infalibilidade da ciência. Por mais importante que ela seja, não está imune à subjetividade, uma vez que é uma ferramenta humana.

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Jornalista e editor do site www.criacionismo.com.br