Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Seria Einstein uma fraude?

Por necessidade de serviço (estou escrevendo um romance sobre a história do Direito, onde, para melhor contá-la, senti necessidade de que o personagem viajasse no tempo), como já tinha ouvido falar e lido de relance sobre tal possibilidade, resolvi pesquisar na internet sobre o assunto, mais especificamente sobre a Teoria da Relatividade.

Para minha surpresa, deparei-me com a entrevista de César Lattes, intitulada: ‘Albert Einstein é uma farsa’.

Mas quem é César Lattes?

Fiquei sabendo que é um físico brasileiro que esteve prestes a ganhar, por duas vezes, o Prêmio Nobel de Física, por ter descoberto o méson pi, que é uma partícula integrante do núcleo do átomo. Ela é apontada como uma das principais responsáveis pela integridade do núcleo, impedindo-o de desintegrar-se. Se o núcleo do átomo fosse formado apenas pelas partículas negativa e positiva, ele se desintegrava, me explicou mais tarde o professor da Unicamp.

Depois de ler a entrevista de Lattes, fui ler um livro de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, cujo título é Explicando a Teoria da Relatividade (Ediouro, 1997). Nele está dito:

‘A medida do desvio da luz das estrelas ao passar próximo ao Sol.

O primeiro valor do desvio da luz, previsto por Einstein, em 1911, era de 0,875 segundo de arco. (p. 14) Neste intervalo, Einstein, ao rever sua teoria, duplicou a previsão: a deflexão deveria ser de 1,75 segundo de arco, e não de 0.875. A razão desta alteração deve-se ao fato de não ter sido considerada a curvatura de espaço no cálculo anterior, o que só foi possível com a conclusão da teoria da relatividade geral, em 1915.

Analisando a origem das idéias de Einstein, Feuer faz um paralelo com o matemático francês H. Poincaré (1854-1912), que tinha tudo para ser o criador da teoria da relatividade, como se pode deduzir da leitura de seus livros. Todavia, do ponto de vista pessoal, possuía o condicionamento do francês sempre prudente, comprometido com o establishment e os colegiados de professores. A grande diferença entre Poincaré e Einstein seria, segundo Feuer, o não-comprometimento, que o colocava numa posição de observador privilegiado. (p. 22).’

O parágrafo acima consta de uma nota de rodapé!

Resolvi, por intermédio de um conhecido (que tem laços com a Unicamp), tentar localizar o professor Lattes, a fim de ouvir dele se confirmava a entrevista e que me explicasse as razões de sua afirmação a respeito do renomado Einstein.

Meu conhecido me passou o telefone do professor Lattes. Ele me atendeu gentilmente e marcamos uma entrevista. Fui até sua casa em Campinas. Lá, ele não só confirmou a entrevista, como acrescentou outros pontos que não vêm ao caso. Perguntei ao professor Lattes de onde ele tirava tanta convicção para fazer aquelas afirmativas sobre Einstein (uma vez que um colega de trabalho me disse que poderia ser inveja, ou o dizer por dizer, sem provas. É claro que não disse isso ao físico).

Ele, então, me repassou duas fontes de suas afirmações:

1ª) Cópia de uma ata de 1906 onde Poincaré expôs a teoria, num congresso de cientistas, mais precisamente, Sur la dynamique de l’électron, publicado pelo Circolo Matematico di Palermo, t. 21, p. 129-176, em 1906. Se a publicação é de 1906, segundo Lattes, o trabalho de Poincaré é do ano anterior, portanto, de 1905.

Como Einstein apresentou seu trabalho em 1911, ou seja, seis anos após o de Poincaré (fato que é confirmado por Ronaldo Rogério), passei a observar as afirmações de Lattes.

2ª) Cópia do livro História das teorias do éter e da eletricidade, de Sir Edmundo Whittakker R.R.S. (Humanities Press, capítulo I, 1973, Nova York) o qual chega à mesma conclusão de Ronaldo Rogério. Este autor cita, abertamente, Lorentz e Poincaré, como os precursores. Poincaré, por exemplo, em 1900, já apresentava a famosa fórmula: E=mc2.

Diz, especificamente, Whittakker:

‘Como foi visto, J. J. Thomson em 1881 chegou ao resultado que um condutor esférico carregado movendo-se em linha reta comporta-se como se tivesse uma quantidade de massa adicional (4/3 c2) vezes a energia de seu campo eletrostático. Em 1900 Poincaré, referindo-se ao fato que no éter livre o momento eletromagnético é (1/c2) vezes o fluxo Poynting de energia, sugeriu que energia eletromagnética pudesse possuir densidade de massa igual a (1/c2) vezes a densidade da energia: o que quer dizer, E= mc2 onde E é energia e m é massa: e ele apontou que se isto fosse assim, então um oscilador Hertz, o qual envia energia eletromagnética preponderantemente em uma direção, deveria recuar como os revólveres fazem quando são disparados. Em 1904 F. Hasenörl (1874-1915) considerou uma caixa oca com paredes perfeitamente reflexivas preenchida com radiação, e descobriu que quando estava em movimento, há uma adição aparente à sua massa, com valor (8/3c2) vezes a energia possuída pela radiação quando a caixa está em repouso: no ano seguinte ele corrigiu isto para (4/3c2) vezes a energia possuída pela radiação quando a caixa está em repouso; quer dizer, ele concordou com a equação E = 3/4mc2 de J. J. Thomson ao invés de com a fórmula E= mc2 de Poincaré. Em 1905 A. Einstein afirmou que quando um corpo está perdendo energia em forma de radiação sua massa é diminuída aproximadamente (isto é, desprezando quantidades da quarta ordem) por (1/c2) vezes a quantidade de energia perdida. Ele apontou que não é essencial que a energia perdida pelo corpo deveria consistir em radiação, e sugeriu a conclusão geral, em concordância com Poincaré, que a massa de um corpo é uma medida do seu conteúdo de energia: se a energia muda por E ergs, a massa muda no mesmo sentido por (E/c2)gramas. No ano seguinte ele alegou que esta lei é a condição necessária e suficiente e que a lei da conservação do movimento do centro de gravidade deveria ser válida para sistemas nos quais processos eletromagnéticos bem como mecânicos estejam ocorrendo.

Em 1908 G. N. Lewis provou, por meio da teoria da pressão radiativa, que um corpo que absorve energia radiante aumenta sua massa de acordo com a equação

dE = c2dm

e afirmou que a massa de um corpo é uma medida direta de sua energia total, de acordo com a equação

E = mc2.

Como vimos, Poincaré havia sugerido esta equação mas não havia praticamente dado prova, enquanto Einstein, que também a sugerira, havia feito prova (a qual, no entanto, foi divulgada somente como aproximada) para um caso particular: Lewis encarou-a como uma equação exata, mas sua prova não era de caráter geral. Lewis, no entanto, apontou que se este princípio é aceito, então na equação de Planck em 1906.’

Depois disso, li um artigo do professor Marcelo Gleiser (publicados no caderno Mais!, da Folha de S. Paulo, de 30/5/04), intitulado: ‘Einstein, ícone da ciência’.

Também na Folha (6/6/04) li na coluna do jornalista Luís Nassif que ele aponta o físico César Lattes como ‘um quase ganhador ‘ do Prêmio Nobel.

As últimas afirmações embaralharam a posição que pretendo adotar!

Então resolvi trocar e-mails com o professor Gleiser, que gentilmente me respondeu. No entanto, apenas contribuiu para aumentar minhas dúvidas.

Enviei a ele os posicionamentos do professor Lattes e o apoio ao seu conhecimento por Nassif, concitando-o: se possível, gostaria que o senhor me explicasse o assunto, uma vez que todos só falam de Einstein como autor da citada teoria.

Recebi a seguinte resposta:

‘caro sr., a discussão sobre a autoria da teoria da relatividade passa por altos e baixos. Não existe a menor dúvida que foi Einstein o autor da teoria. O que sabemos é que Lorenz e Poincaré estavam já pensando no assunto e obtiveram algumas das fórmulas que Einstein re-obteve. (Ele não sabia delas). Mas o que faltou a Poincaré e Lorenz foi a interpretação apropriada da teoria. Poincaré estava próximo, mas não existe um trabalho seu que se compare à clareza do de Einstein. Mais ainda, lembre-se que a teoria da relatividade tem 2 partes. O sr. está citando apenas a especial. A teoria geral, que levou à redefinição da gravidade como a curvatura do espaço, é completamente de autoria única do Einstein. abraço, Marcelo Gleiser.’

Como a teoria é complicada para a maioria dos mortais, não consegui entender, confrontando a resposta com o disse Whittakker:

** Se não existe a menor dúvida de que foi Einstein o autor da teoria, por que a discussão sobre a autoria passa por altos e baixos?

** Se a famosa fórmula (E= mc2) data de 1900, por que ela é atribuída a Einstein em 1911?

** Re-obteve não significa obter algo já obtido?

** Mas o que faltou a Poincaré e Lorenz foi a interpretação apropriada da teoria; não é contraditório em relação ao que afirma Ronaldo Rogério quando diz: ‘Poincaré (1854-1912), que tinha tudo para ser o criador da teoria da relatividade, como pode se deduzir da leitura de seus livros. Todavia, do ponto de vista pessoal, possuía o condicionamento do francês sempre prudente, comprometido com o establishment e os colegiados de professores.’

** Por fim, segundo Lattes, inexiste diferença entre as chamadas Teoria da Relatividade geral e especial, e que Einstein chegou a confundir: medida com grandeza.

Sei que é complicado para os que entendem a física explicar a neófitos conceitos que somente eles entendem. Muitos o fazem, até, para manter o hermetismo de seus saberes e assim não dividi-los; outros, como era o caso do meu professor de Física do cursinho em Manaus, não sabia mesmo, apenas aprendeu a deduzir umas fórmulas e assim ia ensinando aos candidatos das áreas de humanas no vestibular.

Muitas inquietudes

De qualquer modo, minhas dúvidas continuam sem respostas e, creio, aqueles que escrevem, especialmente em jornais e revistas, têm de ensinar aos seus leitores.

Outro ponto que me leva a um pedido de esclarecimento sobre Einstein é aquele, também trazido por Lattes, segundo o qual:

Einstein, após concitar o presidente americano Roosevelt a construir a bomba atômica, não participou dos trabalhos. Segundo Lattes, porque não sabia.

O contraditório disso é que depois se disse pacifista.

Numa resenha do livro Einstein – o viajante da relatividade na América do Sul (revista Scientific American Brasil, março 2004, p. 96), está dito:

a) ‘… Einstein, tentando romper com a tradição francesa…’ (isso me remeteu a Poincaré);

b) ‘Nessa época a pesquisa científica na Argentina estava muito à frente do Brasil e o convite a Einstein era evidência disso. Mas lá, como aqui, enfrentou detratores desinformados da relatividade’. Esse é um belo argumento de autoridade (detratores desinformados da relatividade). Quem não concorda é detrator e desinformado. Mas seria esse o caso de Lattes, Ronaldo Rogério e Whittakker?

c) ‘Einstein voltou ao Brasil na tarde de 4 de maio. As gafes não foram poucas nem perdoáveis. Na primeira conferência, no Clube de Engenharia, atulhado de gente, o calor ficou insuportável e as janelas foram abertas. A acústica que não era boa ficou pior, o que, na avaliação de Einstein, levou a uma exposição ininteligível’. Isso me recordou do homem que falava javanês.

d) ‘No Brasil positivista Einstein enfrentou – e obviamente não respondeu – críticas ingênuas e desinformadas de autoridades intelectuais como o jurista Pontes de Miranda’. Por que não esclarecer a quem não sabe? Quem critica é sempre ingênuo e desinformado?

e) Diogo Mainardi também resenhou o livro de Alfredo Tiomno Tolmasquim (revista Veja, nº 1.860, de 30/6/04), trazendo a informação de que ‘a teoria da relatividade ganhou sua primeira confirmação empírica na cidade cearense de Sobral, onde cientistas ingleses fotografaram algumas estrelas num eclipse solar’. Essas fotos/provas, dizem, sumiram!

Sobre o ocorrido em Sobral/Ceará/Brasil e a fama de Einstein, veja-se o que disseram Lattes e Marcos Cesar Danhoni Neves, ao Jornal da Unicamp, nº 165, de agosto/2001:

‘Danhoni – É essa adesão ao modelo tido como real. Quem fez a fama do Einstein foi o Arthur Eddington (astrônomo e físico inglês, 1882-1944).

Lattes – Esse é um palhaço puro.

Jornal da Unicamp – O Eddington é o inglês…

Danhoni – O Eddington mandou uma equipe para o Brasil em 1919, em Sobral, e outra acompanhou na Guiné os melhores pontos para se observar um eclipse. É só durante um eclipse que você vê as estrelas de fundo e pode comparar se elas estão no mesmo ponto ou se a luz delas está defletida ou não. Só que ele pegou as chapas com desvio acima ou abaixo do previsto por Einstein e desconsiderou. Fez uma análise estatística de erros observacionais e experimentais e aquilo se encaixava dentro do previsto por Einstein. Isso fez a fama de Einstein.’

Será que ambos são irrelevantes e tolos?

Tudo isso fez aflorar outras dúvidas:

a) Dizem que a ex-esposa de Einstein (Mileva Maric) era quem fazia os cálculos matemáticos para ele. Após a separação do casal, nada mais foi produzido por ele.

b) Era incapaz de dirigir uma bicicleta, ou melhor, dava umas pedaladas depois de idoso.

c) Sempre se antecipa ou se justifica qualquer possível questionamento sobre o cientista, tanto assim que na Revista da Folha nº 627, de 4/7/04, na matéria intitulada ‘Escreveu, não leu’, p. 9, colhe-se o seguinte:

‘… a dislexia foi diagnosticada pela primeira vez em 1896, pelo neurologista inglês Pringle Morgan, que a chamou de cegueira visual.’

‘Entidade e associações costumam listar famosos supostamente vítimas do distúrbio, como o cientista Albert Einstein…’

A revista, nesse caso, foi crítica ao usar o ‘supostamente’, já que outras dão como fato certo. Se a dislexia foi descoberta em 1896, e tendo Einstein falecido em 1955, teria sido possível que ele tenha se submetido ao diagnóstico? Seria interessante se quem sabe pudesse esclarecer e que não ficasse tudo na base do ‘é porque é’.

Se em 1900, a fórmula já era E= mc2, por que em 1911 E= mc2 passou a ser diferente? Se Einstein não era fraudador, era, então, um plagiador? Por que a imprensa endeusa Einstein e ignora quase que totalmente César Lattes?

Essas, pois, são as inquietudes tolas de mais um bobo.

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Procurador da República, mestre em Direito Constitucional e curioso