Após acompanhar os mais recentes impropérios cometidos pela imprensa sobre a transposição do Rio São Francisco, decidi averiguar melhor o projeto, que encontrei disponível na página do Ministério da Integração Nacional. Ao ver o potencial do rio, concluí que, até hoje, todos estavam mesmo se lixando pro São Francisco, até alguém com vontade política resolver jogar areia no mingau dos coronéis.
Preparei este texto depois de ver as barbaridades mostradas nos jornais e na TV, que acabaram dando espaço muito além do necessário ao frei grevista, em detrimento de reportagens esclarecedoras. Com exceção da entrevista do ministro Ciro Gomes ao programa Roda Viva, meses atrás, pouco se falou, séria e profundamente, sobre a questão. Com isso, acabou-se alimentando o público mais com incertezas e crendices infundadas do que com objetividade. Espero ao menos colaborar para diminuir essa falha dos colegas da grande imprensa.
Postura surpreendente
A imprensa parcial faz questão de esconder, mas boa parte do obscurantismo que ronda o Brasil é provocado por interesses particulares, escondidos atrás de discursos equivocados e maldosos de políticos irresponsáveis, que teimam em tentar destruir a legitimidade até das ações mais acertadas do governo Lula, como no caso da transposição do Rio São Francisco.
A oposição egoísta, encabeçada por partidos de direita, como o PFL, não abre mão de suas posições nem mesmo por um bem maior, como a necessidade, tão antiga quanto premente, de levar água às regiões mais áridas do Nordeste, onde vivem milhares de cidadãos brasileiros que precisam de água para as coisas mais básicas, como molhar uma simples plantação e até beber.
Contudo, as ações desses políticos não surpreendem – afinal são reacionários que perderam o poder graças à alternância democrática, da qual nem podemos reclamar. O que assusta é a postura de políticos de partidos como o PV, por exemplo, que parecem defender mais as terras improdutivas, sob a bandeira da ecologia, do que a possibilidade de um uso sustentável da terra, e o espaço que essas ações ganham na imprensa.
Debate e aprovação
Primeiro, se a transposição do São Francisco vai causar algum impacto ambiental, vale lembrar que, infelizmente, todas as obras causam. A simples existência de latifúndios no campo ou de cidades como São Paulo, além de outras metrópoles espalhadas pelo país, já causa um impacto ambiental tremendo. Parecem se esquecer, esses ditos defensores ambientais, de que as cidades estão inchadas, inclusive, devido ao êxodo de pessoas que são obrigadas a abandonar suas terras secas e incultiváveis, muitas delas pequenas propriedades em regiões como as que serão beneficiadas pela água do São Francisco. Eles não se dão conta de que, sem o pequeno agricultor, florescem os latifúndios, que devastam regiões gigantescas Brasil afora. Tampouco parecem perceber que a emissão de poluentes nos inchados centros urbanos brasileiros, por exemplo, é infinitamente mais grave do que o transposição do rio.
Pelo contrário, eles concentram seu discurso nesse último ponto, de forma equivocada e maldosa, inclusive acusando o presidente de responsabilidade pessoal por uma eventual morte do bispo de Barra (BA) que, deliberadamente, decidiu entrar em greve de fome. Será que eles não se dão mesmo conta de que seu discurso fere um princípio constitucional? Sim, porque, em primeiro lugar, o frei em greve de fome [encerrada no dia 6/10, após promessa do governo, feita em carta do presidente Lula, de revitalização do rio], um representante da igreja, apoiado por políticos da oposição, faz chantagem contra o governo, na verdade, contra o Estado, que é laico. E esse ato de chantagem fere, além da Constituição, o próprio Estado, do ponto de vista histórico. E a imprensa parcial, de novo, se cala.
Segundo, a transposição foi discutida pelo Congresso, na Câmara dos Deputados e no Senado. Nas duas casas, deputados federais e senadores, eleitos representantes legítimos da sociedade, por vias constitucionais e democráticas, republicanas e laicas, aprovaram a transposição. Houve debate e aprovação, com base em pesquisas e laudos técnicos e científicos que garantem: a vazão das águas do rio é suficiente para sua transposição, que será feita somente após o São Francisco já ter percorrido completamente os estados de Minas Gerais e Bahia, ou seja, apenas no fim de seu percurso, quando apenas uma pequena parte de suas águas será retirada e levada a regiões secas, nunca ultrapassando 1,4% de sua vazão nos períodos sem chuva.
Uso político
A greve do frei é, sim, um direito individual garantido pela Constituição, mas é também uma ação política, já que motivada pelo interesse de castas que querem manter o povo nordestino no cabresto. O raciocínio é simples: se a água chegar a regiões devastadas pela seca, cuja população ainda vive dos favores de políticos que trocam um pouco de arroz por votos, o cabresto fica comprometido. Essas regiões vão produzir, sua população vai melhorar de vida, vai se instruir, vai conquistar dignidade e independência, o que não interessa a políticos-coronéis, como Antonio Carlos Magalhães, que chegou a aparecer na TV ao lado do frei, enquanto este dava entrevistas. Menos irresponsável do que a imprensa, neste caso, é a posição dos demais bispos do Nordeste e da própria igreja, que já se manifestaram contra a greve do frei, até porque, de acordo com os princípios do catolicismo, não se pode atentar contra a vida, nem mesmo contra a própria vida, como neste caso.
O Partido Verde acusou o presidente de ser o responsável por uma eventual morte do frei, mas, se este morresse, a responsabilidade seria, em primeiro lugar, dele mesmo, e, em seguida, dos políticos que o estão usando para atingir o governo. Até porque, o mérito por diminuir os males da seca ficaria com Lula, o que eles não poderiam suportar. Portanto, parece óbvio que o governo está sendo chantageado para declarar por escrito a suspensão do projeto. É inacreditável, mas, a rigor, trata-se de um indivíduo tentando impor sua vontade sobre o cargo mais alto da República brasileira, com apoio de políticos e de uma enorme parte da imprensa. Enquanto uns levavam milhares de pessoas em peregrinação para ver o frei, os outros mostram tudo pela TV, num show de irresponsabilidades.
Fazer chegar uma pequena parte da água do São Francisco a regiões secas deveria ser uma atitude apoiada por todos os brasileiros, em especial pelo povo nordestino, que tem tradição de ajuda ao próximo e deveria ter atitude mais solidária com os brasileiros que vivem nas regiões que precisam dessa água para viver. No entanto, o que se vê é o uso político dessas mazelas locais para proveito próprio, como têm feito alguns políticos. E a imprensa nada fala sobre pontos fundamentais previstos no projeto e essenciais para a sua compreensão, quais sejam a integração da bacia do Norte-Nordeste à bacia do São Francisco, a revitalização dos mananciais do rio e das matas ciliares, da nascente na Serra da Canastra até a foz, o combate à desertificação, provocada por séculos de exploração e, finalmente, sobre a criação de condições para uma infra-estrutura de distribuição hídrica viável e duradoura.
Questão técnica
A seca, a greve de fome do frei, o discurso equivocado, maldoso e obscuro de partidos de oposição e dos ditos ‘de bem’, como o PV, além do tipo de cobertura da imprensa causam mais males ao meio ambiente, à economia, à democracia e à população do que a transposição do rio – uma ação legítima, debatida e aprovada pelo Congresso Nacional e que poderá ser, se não a redenção do Nordeste, como diz o próprio Lula, pelo menos um grande passo em direção a um futuro mais digno e humano para os brasileiros que vivem naquela região.
Para quem quiser pesquisar mais a fundo a questão técnica, vale acessar a página do Ministério da Integração Nacional na internet. Para finalizar, alguns números sobre o São Francisco, repassados por um amigo que pesquisou o tema:
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Cerca de 13 milhões de pessoas (Censo de 2000) habitam a área da Bacia do São Francisco;**
Consumo atual de água da Bacia do Rio São Francisco: 91 m³/s;**
Vazão firme na foz (garantia de 100%): 1.850 m³/s;**
Vazão média na foz: 2.700 m³/s;**
Vazão disponibilizada para consumos variados: 360 m³/s;**
Vazão mínima fixada após Sobradinho: 1.300 m³/s;**
Vazão firme para a integração das bacias: 26 m³/s (1,4% de 1.850 m³/s).******
Jornalista