Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Terra sob ameaça. Apesar dos alertas

Está surgindo um consenso entre os cientistas e as pessoas comuns: o clima está profundamente alterado. E a culpa, em grande parte, é da humanidade. É só prestar alguma atenção às páginas internacionais e/ou de meio ambiente dos principais jornais do Brasil, reproduzidas um pouco em toda a parte, graças às agências de notícias de O Globo, Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo.

** ‘Geleiras da Groenlândia estão derretendo rapidamente’

** ‘Aquecimento do século 20 foi o pior em mil anos’

** ‘Alerta dramático sobre mudanças climáticas’

** ‘Impacto do aquecimento global no mecanismo que leva calor à Europa’

** ‘Em 650 mil anos, nunca houve tanto gás carbônico na atmosfera’

** ‘Europa tem a maior mudança climática em 5 mil anos’

Essas são algumas manchetes colhidas ao acaso no jornal O Sul, de Porto Alegre, entre dezembro de 2005 e 18 de fevereiro deste ano.

No Reino Unido, a MediaLens, ONG voltada para a crítica da mídia, divulgou alerta em dezembro de 2005 sob o título ‘Queimando o planeta pelo lucro’. A MediaLens denuncia abertamente o comprometimento da mídia britânica, do sistema educacional e dos políticos com sua ‘assombrosa capacidade de enfocar temas sem relevância’, enquanto afirma que ‘poderemos ser a primeira espécie a monitorar sua própria extinção’. E logo adiante: ‘Com detalhes exatos, a humanidade está acumulando provas de devastadoras mudanças na atmosfera, nos oceanos, nas capas de gelo, na Terra e na biodiversidade’.

Já escrevi aqui no OI, numa série de artigos em setembro e outubro de 2005 (‘Um tsunami atinge os EUA‘, de 6/9/05; ‘As perguntas (ainda) sem respostas‘, de 13/9/05; ‘Impacto continua ignorado nos EUA‘, de 4/10/05, e ‘Na contramão da corrida dos insensatos’, de 11/10/05), sobre a evidente relação entre os problemas ambientais e os destruidores modelos econômicos em vigor neste século 21.

A ONG Amigos da Terra, citada pela MidiaLens, analisa a posição da Confederação Britânica da Indústria e diz que o principal objetivo da CBI é ‘favorecer o lucro de curto prazo por cima do desenvolvimento sustentável, promovendo oportunidades infinitas para o crescimento dos negócios, usando para tanto sua influência junto ao governo do Reino Unido’. Assim, muitas das políticas públicas do governo trabalhista de Tony Blair são prejudiciais tanto às comunidades como ao meio ambiente.

Até o Independent

Já o Observatório Europeu das Corporações (CEO), grupo de pesquisa baseado em Amsterdã, Holanda, nota que empresas como a Shell e a BP Amoco, que sustentaram longa guerra de guerrilha contra os climatologistas e são duros críticos das teorias do aquecimento global, mudaram drasticamente de estratégia. E de que maneira?

Responde o CEO:

Caríssimas campanhas de TV e de mídia impressa retratam, agora, uma imagem dessas empresas: ‘seriam amigos do meio ambiente’. Em vários casos, pequenos projetos ambientais que as empresas patrocinam são usados para justificar suas ‘credenciais verdes’. Esses pequenos projetos custam menos que os anúncios pagos para mostrá-los ao público em geral. Mas, a Shell e a BP Amoco continuam aumentando a produção de petróleo, ano após ano, e não têm a mínima intenção de mudar suas estratégias nas próximas décadas.

De fato, o que se percebe, na mídia internacional é que raramente se relaciona a influência dos grupos lobistas das grandes corporações sobre os governos, nem muito menos se expõe suas caríssimas campanhas de relações públicas – e de forma essas atividades voltadas para o lucro, a qualquer custo, são responsáveis pela crescente instabilidade climática no Planeta. O que se vê é que a grande mídia corporativa, tanto lá fora como aqui, no Brasil, presume que o capitalismo neoliberal é um fator tão relevante como as leis da física.

O jornal britânico The Independent é, freqüentemente, citado e copiado pela mídia internacional como órgão simpático à causa dos verdes. Mas, recentemente, o Independent concedeu generoso espaço a uma antiga esperança dos verdes, Sir Jonathan Porritt, para promover seu novo livro, Capitalism: As If The World Matters.

Quem vencerá?

Num suplemento de nada menos que oito páginas, Porritt, hoje em dia o principal assessor ambiental de Blair, afirma aos leitores que ‘a solução para a crise climática deve ser encontrada dentro dos limites do capitalismo’. O título do suplemento do Independent é mais explícito: ‘Porritt, como o capitalismo pode salvar o mundo’. O antigo líder do Partido Verde britânico explica suas posições ao longo dessas oito páginas, lembrando que ‘trabalhar com os mercados e a livre escolha, não contra eles, significa abraçar o capitalismo como o único sistema capaz de alcançar algum grau de reconciliação entre a sustentabilidade ambiental, de um lado, e as metas de prosperidade e bem-estar pessoal, de outro’.

Uma posição curiosa à qual se contrapõe o jornalista e escritor britânico Ross Gelbspan. Em seu livro Boiling Point, diz ele, sobre a evidência de que o modelo econômico deve se curvar diante da natureza, e não o contrário: ‘As leis da natureza não são sobre oferta e demanda. As leis da natureza são sobre limites e surpresas. A oscilação do índice Dow, ao que parece, não influencia a crescente taxa de derretimento das capas de gelo da Groenlândia. O colapso do ecossistema do Mar do Norte não será contido por um aumento da confiança do consumidor’.

O elo ambiente-economia, já se vê, é muito claro. Os ambientalistas e as grandes corporações continuam usando todas as mídias para impor seus pontos de vista, e para cativar/seduzir leitores, ouvintes e telespectadores. É o que já chamam de ‘guerra do aquecimento global’. Nossos filhos e nossos netos, talvez, saberão quem será o vencedor: as forças do mercado? Ou a Mãe Natureza?

******

Jornalista, filiado à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência