A raça que se julga superior anda por baixo. Sim, a raça humana, nada de preconceito ou qualquer tipo de racismo. Um surto de consciência começa a tomar conta de nós, humanos, e a dúvida começa a incomodar: somos os responsáveis por tanta destruição no planeta? Ainda haveria vida por aqui se nós não estivéssemos presentes?
Essa consciência pode ser fruto de longos anos em que o termo ecologia foi lentamente introduzido nos mais diversos ambientes: acadêmico, político, escolar, comunitário. Saber que todas as nossas ações estão inseridas num ciclo, ou seja, que sofreremos as suas conseqüências, é um conceito em plena difusão. É tema de leis, pesquisas, pauta a ética e a moral. Está até nos desenhos animados, as crianças sabem.
Mas ainda há os que ignorem essa cadeia de reações, se é que se pode ignorá-la (Katrina e tsunami deixaram de ser nomes estranhos) e continuam agindo como se reinássemos absolutos neste lugar. Dia desses descobri que há quem defenda um quarto reino – vegetal, mineral, animal e, surpresa, hominal. É uma visão quase religiosa, preocupando-se com o espírito, está certo. Mas não deixa de ser preconceituosa.
Mais surpreendente é encontrar este tipo de visão, ainda que numa escapadinha, no noticiário sobre fato tão importante quanto a gripe aviária. Esteve nos telejornais da noite, da manhã e do meio-dia, na Globo, para quem quisesse ouvir. ‘Gato morre infectado pela gripe aviária na Alemanha. É o primeiro caso de um mamífero contaminado pelo vírus.’
Correria e despreparo
Aos outros telespectadores não sei o que tal notícia provocou, mas posso imaginar. A mim, mãe de três filhos, provocou a imediata lembrança dos pequeninos em plena amamentação. Viajei longe, mas quando a confusão estava estabelecida em meus pensamentos, a mais velha, boa aluna em Biologia, vai prestar vestibular no fim do ano, no auge de sua juventude rebelde pulou da cadeira e protestou: ‘E nós, não somos mamíferos? Dããããããã!’
Ela não é jornalista, ainda é jovenzinha, não tinha a obrigação de saber que a gripe já matou mais de 90 pessoas desde 2003, quando surgiu na Ásia. Muito menos que a doença já atinge animais na África e na Europa. Menos ainda que mesmo que estivéssemos falando só de gatos, este seria o terceiro que se sabe, já que a morte de outros dois foi registrada em 2004 na Tailândia.
Poderia interceder junto a ela e explicar, pedir que relevasse a correria da redação, a falta de preparo e muitas vezes de interesse dos colegas pelos assuntos referentes à ciência. Mas só pude, constrangida, concordar: ‘Yes, nós somos mamíferos’.
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Professora de Jornalismo Científico e pesquisadora do Monitor de Mídia