Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Filme sobre Marighella e outras produções brasileiras em exibição no Festival de Berlim

Seu Jorge e Wagner Moura durante as filmagens do filme Marighella. (Crédito: O2 Filmes/Divulgação)

No seu ano de despedida do Festival Internacional de Cinema de Berlim, o diretor Dieter Kosslick programou o filme que dará urticária no presidente brasileiro, Marighella, primeiro filme de Wagner Moura como diretor, com estreia em Berlim. O Festival irá do 7 ao 17 de fevereiro, com Juliette Binoche na presidência do júri.

Faz quatro semanas, o diretor Kosslick havia provocado a alta hierarquia do catolicismo francês, com a seleção para a competição e abertura do Festival do filme francês de François Ozon, Grâce à Dieu, uma denúncia contra a leviandade e cumplicidade do bispo de Lyon, por não ter punido um padre pedófilo de sua diocese.

O Brasil não tem filme na competição, porém o filme Marighella exibido junto com os filmes em competição, será visto por todos os críticos internacionais, que não perderão a oportunidade para estabelecer relações da época mostrada no filme com o Brasil de hoje, cujo presidente defendia e defende a ditadura militar de 1964-1985, contra a qual lutava o escritor e guerrilheiro, Carlos Marighella.

Sem se esquecer as recentes tomadas de posição do ator-diretor Wagner Moura em favor da democracia brasileira e sua declaração pública de voto em Guilherme Boulos nas últimas eleições, garantindo um fórum aberto sobre o Brasil de hoje, na tradicional entrevista coletiva à imprensa após a exibição do filme.

Wagner Moura é bem conhecido da Berlinale, pois foi o ator principal no filme Tropa de Elite, de José Padilha, premiado com Urso de Ouro, em 2007, além de seu papel principal na série Narcos, da Netflix. O elenco do filme Marighella tem Seu Jorge, Adriana Esteves, Bruno Gagliasso, Jorge Paz, Luiz Carlos Vasconcelos, Humberto Carrão, Bella Camero, Ana Paula Bouzas.
A escolha do filme seria um recado da Berlinale ao atual governo brasileiro, alvo de severas críticas na imprensa alemã e européia em geral, considerado de extrema direita, além de marcar um retrocesso na política brasileira.

Dieter Kosslick não descarta um papel político do Festival dentro da atualidade, como mostraram as participações dos filmes do iraniano Jafar Panahi, que tem desobedecido a proibição de filmar pelo governo iraniano e tem sido proibido de viajar a Berlim. Outro filme apresentado em Berlim, há três anos, fora de competição, O Botão de Nacre, de Patricio Gusmán, denunciava o governo chileno de Pinochet por lançar ao mar opositores políticos.

O Festival Internacional de Cinema de Berlim divulgou os títulos dos filmes brasileiros selecionados para suas mostras paralelas Fórum, Panorama e Geração.

A Rosa Azul de Novalis, Querência e Chão são os três filmes brasileiros selecionados pelo Festival Internacional de Cinema de Berlim para a mostra paralela Fórum.

A Rosa Azul de Novalis, de Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro, se reporta ao escritor alemão Georg Philipp Friedrich von Hardenberg, 1712;1801, teólogo, filósofo, poeta, cujo pseudônimo é Novalis, considerado um precursor da literatura moderna. O ambiente é o apartamento em São Paulo, onde vive Marcelo, quarentão, soropositivo, dotado de grande memória, recitando trechos da novela Heinrich von Ofterdingen, numa postura nada convencional: de bruços com o cabo de uma rosa azul, símbolo do romantismo no século XIX, enfiado no anús.

Querência, de Helvécio Marins Jr., é um longa metragem rodado no interior, onde outro Marcelo rural e nada urbano, sonha em ser animador de rodeios e não tira seu chapéu de vaqueiro.

Chão, de Camila Freitas, trata da luta pela reforma agrária no Estado de Goiás e da oposição do agronegócio aos defensores da agricultura ecológica. Mostra, como numa parábola, a queda do governo de esquerda, que não criou estruturas para a reforma agrária, substituído pelos conservadores.

O cinema brasileiro tem ainda quatro filmes na mostra paralela Panorama.

O primeiro é Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar, de Marcelo Gomes. Na cidade de Toritama, considerada um centro ativo do capitalismo local, mais de 20 milhões de jeans são produzidos anualmente em fábricas caseiras. Orgulhosos de serem seus próprios chefes, os proprietários destas fábricas trabalham sem parar em todas as épocas do ano, exceto no Carnaval: é a semana de folga. Vendem tudo que acumularam e descansam em praias paradisíacas.

O segundo é Greta, de Armando Praça, segue a sinopse do filme ainda inédito: Pedro , um enfermeiro homossexual de 70 anos, fervoroso fã de Greta Garbo, precisa liberar uma vaga no hospital onde trabalha para Daniela, sua melhor amiga. Para salvar Daniela, decide ajudar Jean, um jovem que acaba de ser hospitalizado algemado por ter cometido um crime, ao qual ajuda a fugir e esconde em sua própria casa até sua recuperação. Nesse período, ambos se envolvem afetiva e sexualmente. Essa relação será essencial para Pedro sobreviver à perda de Daniela, e provoca mudanças surpreendentes nele mesmo e no seu modo de viver a solidão.

O terceiro é La Arrancada, falado em espanhol. Um documentário do cineasta amazonense Aldemar Matias, numa coprodução com Cuba e França. Ainda inédito no Brasil, o filme conta a história de Jenniffer, uma jovem atleta que está questionando seu compromisso com a equipe nacional de atletismo de Cuba. Sua mãe, Marbelis, trabalha numa instituição de saúde pública em Havana. Enquanto seu irmão mais novo se prepara para deixar o país, as dúvidas de Jenniffer se fortalecem. Essa crônica familiar intimista e sensível retrata uma juventude num país de futuro incerto.

Divino Amor, de Gabriel Mascaro, é uma coprodução com o México, Noruega e Dinamarca, e se insere dentro do Brasil evangélico. Joana, uma escrivã de cartório usa sua posição no trabalho para salvar casais que ali chegam para se divorciar. Procura convencer os casais a participarem de uma terapia religiosa de reconciliação no grupo Divino Amor, a fim de manter a família dentro da fé e da fidelidade conjugal. O prazer é um presente de Deus para a manutenção da família e da procriação do reino de Deus. Mas seu esposo Danilo se confirma infértil e Joana convive com o sentimento de ter uma família incompleta.

Na mostra Geração, está o filme Espero tua re(volta), de Elisa Capai, um documentário ainda inédito no Brasil. Um retrato do movimento estudantil, que ganhou força a partir do ano de 2015, ocupando escolas estaduais por todo Brasil. Acompanhando três jovens do movimento e com imagens de arquivo de manifestações desde 2013, o documentário tenta compreender as reivindicações estudantis a partir do ponto de vista dos estudantes envolvidos.

Curta-metragem

O único curta-metragem brasileiro na competição internacional é Rise, filmado com marginais e artistas rappers de uma comunidade, nos subterrâneos de uma das novas linhas do metrô, em Toronto, no Canadá. Os autores são a fotógrafa e cineasta Bárbara Wagner e seu companheiro alemão Benjamin de Burca, ambos formados em Belas Artes. De Berlim, irão à Itália, onde vão representar o Brasil na Bienal de Veneza.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.