Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Omissão judicial diante dos conglomerados midiáticos

Os profissionais de cinema deveriam se mobilizar para que o Judiciário respeite o disposto no Decreto 8.286/2014 e na Instrução Normativa 117 da Ancine, que obrigam os exibidores a fornecer contrapartidas à filmografia brasileira. A cada decisão judicial contrária [http://www.conjur.com.br/2015-mai-24/atribuicao-efeito-suspensivo-agravo-exige-risco-lesao], esse caminho vai ficando mais inviável, ameaçando a sobrevivência da nossa cultura audiovisual em médio prazo.

O argumento de “ingerência em atividade lícita” é malicioso. A livre concorrência não existe no mercado cinematográfico, sob domínio avassalador dos conglomerados internacionais. Eles controlam não apenas a produção, a distribuição e a divulgação dos filmes, mas também as grandes empresas midiáticas que veiculam o jornalismo cultural.

O espectador não “escolhe” as obras que assiste. Ele desconhece alternativas. Na televisão, no rádio, nos jornais, nas revistas, nos portais de internet, por todos os lados predomina o cinema estadunidense, que monopoliza as salas dos shopping centers (onde se concentra o circuito exibidor), às vezes com um único filme.

Os tribunais protegem essa máquina de comércio antiético. Repetindo a tolerância com outras excrescências do mercantilismo cultural [http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2014/08/a-ilegalidade-conveniente.html], prevalece nas cortes a ideia falsa e algo cínica de que assistir ou não a qualquer filme disponível configura opções livres e, pior, equivalentes. Isso já seria equivocado mesmo se estivéssemos tratando de marcas de sabonete. Num país que protesta por mais educação e cujo governo adota o lema “Pátria Educadora”, a concorrência desleal que impede o acesso a produtos culturais brasileiros ao próprio mercado cultural brasileiro é simplesmente inaceitável.

Os interesses dos conglomerados midiáticos

A ganância monopolista dos exibidores cinematográficos e de seus financiadores ofende princípios e demandas coletivas que devem ser preservados por rigorosa ação estatal. O cinema representa um bem cultural, educacional e histórico do país, além de abrigar milhares de trabalhadores especializados.

É graças a essa visão que as cinematografias nacionais desenvolvidas se resguardam da máquina hollywoodiana. O cinema brasileiro não iguala o sucesso das produções de Argentina, França, Espanha, Inglaterra, Alemanha etc., em boa parte porque relutamos em imitar as leis protecionistas desses países [http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1363].

Precisamos de ações direcionadas que conscientizem a sociedade quanto à importância de se refrear o processo de naturalização e fortalecimento dos interesses dos conglomerados midiáticos. Nem que seja apenas para conhecermos o verdadeiro poder do seu lobby no Congresso, no Judiciário e na imprensa corporativa.

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Guilherme Scalzilli é historiador, escritor e mestre em Divulgação Científica e Cultural