A luta solitária e sem meios de um casal de trabalhadores contra Hitler é o tema do filme “Sós em Berlim”, na competição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, dirigido pelo francês Vincent Perez com Emma Thompson, Brendan Gleeson, Daniel Brühl e Mikael Persbrandt nos papéis principais.
Talvez o nazismo não tivesse se desenvolvido na Alemanha a ponto de provocar uma guerra mundial, se naquela época existisse a Internet e as redes sociais com a incontrolável possibilidade de contestar. Naqueles anos de controle total da sociedade pelo Estado nazista, não havia espaço para divergências. Mas, mesmo assim, alguns ingênuos solitários tentaram fazer frente aos desvarios de Hitler e à opressão da máquina nazista, utilizando os precários meios de que dispunham.
Foi o caso de um jovem suíço, Maurice Bavaud: sem qualquer apoio e agindo individualmente tentou assassinar Hitler, mas esse gesto improvisado foi punido com seu fuzilamento. Outro jovem, esse alemão, Georg Elser, teve também sua tentativa frustrada e acabou fuzilado quase no fim da guerra.
Entretanto, a tentativa mais precária e visionária de luta contra o nazismo foi a do casal Otto e Elise Hampel. Tanto que as ações pacifistas e mesmo singelas desse casal são consideradas heróicas, a ponto de terem inspirado um romancista alemão, um seriado na televisão alemã, uma peça de teatro e agora um filme selecionado para a competição no 66. Festival Internacional de Cinema de Berlim.
Logo após o término da II Guerra Mundial, o conhecido escritor alemão Hans Fallada teve acesso a uma parte dos arquivos da Gestapo e lá encontrou o processo contra dois simples trabalhadores, com apenas o curso primário, ela empregada doméstica, e ele carteiro, por terem procurado rebelar o povo de Berlim contra Hitler,
Cartões postais como forma de resistência
De que maneira, se sequer armas possuíam? Ambos escreviam cartões postais contra o nazismo, nos quais pediam para as pessoas não cooperarem com o governo nazista, não fazerem doações e não se alistarem ou ajudarem o exército alemão. Na falta das redes sociais de hoje, procuravam tornar visíveis esses pequenos cartões, deixando-os nos bancos de jardins e nas escadas de prédios de apartamentos.
O irmão de Elise tinha morrido como soldado na França ocupada e ela e seu marido se rebelavam com o absurdo dessa guerra que sacrificava jovens e civis nas invasões. No filme, o casal tem os nomes de Otto e Anna Quangel e o gesto de desafio ao nazismo é motivado pela morte do filho soldado, na França ocupada.
Quando o livro de Hans Fallada (pseudônimo de Rudolf Ditzen) foi publicado logo após o fim da guerra e pouco antes da morte do autor, o escritor italiano Primo Levi, sobrevivente dos campos de concentração nazistas, considerou-o o melhor livro sobre a resistência alemã ao nazismo.
O diretor do filme, Vincent Pérez, é suíço de Lausanne, filho de pai espanhol com mãe alemã. Este é seu quinto filme. Mais conhecido como ator em numerosos filmes como Rainha Margot, de Patrice Chéreau, e ator preferido de Raoul Ruiz. Viveu com Jacqueline Bisset e Carla Bruni, hoje esposa do ex-presidente francês Sarkozy. Apoiou publicamente o chefe indígena Raoni na luta contra a barragem de Belo Monte.
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Rui Martins é jornalista com base em Berna, na Suiça. Em fevereiro ele cobrirá o Festinal Internacional de Cinema, de Berlim (Berlinale)