Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Doze homens e uma sentença

O filme de Sidney Lumet  constitui uma sinfonia reveladora dos valores e intenções mais profundas que regem o humano quando posto em situação especial como a de participar na condição de jurado de um jovem que supostamente cometeu um crime hediondo, isto é, matou o próprio pai.

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Cena do filme “Doze homens e uma sentença” . Foto: Divulgação

É um filme  tão espetacular que me impele a pensar porque dada a importância temática, os principais valores da civilização ocidental, não faz parte do currículo escolar do colegial 2º grau como aula de cidadania e democracia nos moldes sugeridos pelo maior filósofo espanhol da atualidade Fernando Savater que denuncia as mazelas do sistema educacional ocidental que no geral prepara o cidadão não para ser cidadão, mas para ser uma peça da engrenagem, no sentido dado por Charlie Chaplin em Tempos Modernos, do sistema produtivo, econômico e social.  Menos mal que seguidamente passam na televisão fechada tanto o filme do diretor Sidney Lumet de 1957,  com Henry Fonda no papel principal, como o “remake” de 1997 do diretor   William Friedkin.

Não preciso ser pedagogo para perceber o valor civilizatório e cultural de um filme como Doze Homens e Uma Sentença. Está quase tudo ali. É mais do que um julgamento de um jovem que supostamente cometeu um crime que está em jogo. As bases de uma civilização estão postas em julgamento naquela sala quente e abafada. Os valores civilizatórios começam, é claro, em brutal desvantagem. Valores que estão, como se diz, por um fio. Sempre foi assim, os valores mais nobres e elevados estão sempre remando contra a corrente. Tudo conspira contra. Nada mais atual, justamente, agora que estamos diante de um retrocesso mundial que não é só ideológico. É mais um retrocesso civilizatório que está ocorrendo aqui com o governo golpista de Temer e nos EUA com Trump.

Henry Fonda está soberbo no papel de alguém que ainda resiste aos desvalores vigentes. Tornar convincente um personagem que munido apenas da força moral e intelectual deve se impor em um ambiente hostil e dominado por forças culturais fortemente estabelecidas e legitimadas, requer um perfil diferenciado ainda mais que não estamos falando de literatura épica, de heróis capazes de façanhas graças ao carisma e/ou habilidades incomuns, mas somente de um homem comum que tem apenas sua integridade ética e seus valores e nenhum truque sofista e/ou marqueteiro para se fazer impor. Apenas tem dúvidas e pensa que decidir sobre a vida e morte de alguém não permite qualquer dúvida ao contrário do pensamento mais comum que movido mais pela emoção do que pela razão sempre julga de um modo açodado, leviano e sumário.

A vilania do egoísmo

Quando o arquiteto, personagem principal interpretado por Henry Fonda,  sai do tribunal não está esperando multidões nem o espocar de milhões de flashes de luzes que o levarão para as primeiras páginas dos jornais como celebridade. Recebe em troca apenas um tímido e sincero cumprimento do jurado mais velho que foi o primeiro a reconhecer o seu valor e a importância do que estava em jogo ali naquela sala. Aliás, nada de valor tangível como casa, automóvel e quaisquer outros bens materiais estava em jogo. Do mesmo modo não estava em questão a honra da família, os interesses da pátria ou qualquer outro interesse que normalmente põe  os homens em conflito.  E,  no entanto, tudo estava em jogo.

O jogo virou justamente no tempo necessário de cada um sair do torpor para desinstalar a vilania que se enraíza nas pessoas durante o existir. Ela, a vilania, tem nome: egoísmo. Todo o resto se submete a sua hegemonia. Submissão que se faz hoje mais do que nunca dado à ausência de contrapesos ideológicos antagônicos ao neoliberalismo, que a adotou como valor- maior, com igual peso no cenário mundial. Tocqueville disse, com razão, que a ruína da sociedade começa quando “O egoísmo esteriliza os germes de todas as virtudes públicas, o individualismo, de início, só faz secar as fontes de virtudes publicas; mas, depois de algum tempo, ataca e destrói todas as outras e vai, afinal, absorver- se no egoísmo”.

É bom lembrar , que estamos falando de um pensador sem nenhum pendor socialista; portanto, infenso aos senões desqualificativos dos mais conservadores. Só para ilustrar lembro que foi o autor citado por FHC como marco de sua nova posição política ao preferi-lo em detrimento de Marx embora, como já disse em outro artigo publicado neste Observatório da Imprensa, intitulado A Nova Esfera Publica, “ de concreto, esta preferência não resultou em nada. Ao contrário, o seu mandato como presidente somente agravou o principal mal denunciado, que era a perda da anima cívica, que Montesquieu e Tocqueville consideravam fundamental para a república”.

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Jorge Alberto Benitz é consultor