Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O (falso) Dilema do Parasita

(Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

A expressão “centrão” tornou-se quase um palavrão na opinião pública, muito em função do modo como se deu o processo eleitoral de 2018. Entre as inúmeras promessas do dantesco “plano de governo” do então candidato Jair Bolsonaro estava acabar com o tal “toma lá, dá cá”. Teoricamente, os maiores prejudicados com a vitória bolsonarista seriam parlamentares fisiologistas, com muito pouco a oferecer em projetos e propostas para o país, mas astutos em conseguir cargos para apadrinhados e ementas para seus redutos eleitorais, para assim garantirem mais um mandato parlamentar (entre outras coisas). Parasitas. São esses os exemplares mais didáticos do grupo que hoje veio a se convencionar como centrão.

Por ironia do destino (ou porque a água já estava batendo onde o presidente tem fantasias com leite condensado), os deputados do dito cujo vieram a ser a boia de salvação pro navio sem leme que (quem diria?) veio a se tornar o Governo Jair Bolsonaro. O nome mais célebre dos aliados recentes do presidente é Roberto Jefferson, ator canastrão de CPI e condenado pelo mensalão; e, o mais importante no momento, Arthur Lira, líder do PP, o partido mais empetrolado dos escândalos envolvendo a estatal brasileiro de petróleo.

Parasitas dos corredores do Congresso Nacional podem ser muitas coisas ruins, exceto limítrofes intelectuais. Afinal, todo parasita é um ator racional extremamente competente. Se os carrapatos forem com muita sede às veias do cão, hão de matar o cão e a si mesmos por inanição. Bolsonaro não é um cão, mas um autocrata de outrora sob uma desconfortável faixa presidencial de uma república que, até há algum tempo se pensava, bastante sólida. Age mais com o fígado que com o neocórtex. Dado ao domínio do princípio do prazer sobre a inibição civilizatória, ele sempre vai pressionar as bordas das instituições democráticas e republicanas até o ponto de uma desordem que lhe permitiria a ruptura desejada. O autoritarismo e a estupidez são pra ele como carniça para um urubu.

Quem tem a perder com um eventual golpe? O centrão, ora, afinal é dela que se alimentam. “Ah, mas como eles estiveram sempre ao lado do presidente, eles seriam recompensados”. Gustavo Bebbiano deixou o pai no leito de morte às moscas para acompanhar Bolsonaro em campanha. A retribuição? Foi o primeiro ministro chutado pelo presidente, em função do ciúme do príncipe Carlos Bolsonaro pela atenção do pai. Jair Bolsonaro não vê aliados, vê serviçais. Então o dilema, até que ponto se aproveitar da fraqueza do presidente sem que isso não resulte no fim da república da qual parasitam?

Sendo assim, é difícil crer que os parlamentares do centrão estariam agindo racionalmente – ou pelo menos que estão fazendo o cálculo correto. Longe disso. Como disse, são tudo menos limítrofes. Fica implícito para eles que não há dilema nenhum, pois o presidente não tem força suficiente para o rompimento que ele apenas sonhava nos tempos em que ele faturava com Wal do açaí e Nathália Queiroz. Afinal, é difícil imaginar que um presidente que não consegue criar seu próprio partido vá articular guarnições da PM (sua principal base de apoio) em diversos estados para tomar o poder, principalmente tendo como especialista em logística o General Pazzuelo. Tudo isso, no entanto, não significa que vá ficar tudo bem com a nossa querida República. Bolsonaro não é nenhum Mequinho do xadrez político brasileiro, mas, com uma eventual reeleição, ele terá mais indicações para o STF, terá mais tempo para influir em esferas menores do judiciário e no Ministério Público, bem como interferir na PF. Óbvio que hoje é muito mais plausível um impeachment que um golpe, mas melhor não correr o risco.

Ainda que dê o esperado, o Governo Bolsonaro sobreviva como um anêmico e não tenha forças para um golpe, até pela crise econômica ainda pior que se avizinha, dado que não há mais auxílio emergencial, somos retardatários na corrida mundial pela vacinação e a pandemia se revigore com as novas cepas do vírus, a sobrevida que a vitória de Lira dá ao Governo não deixa de ser trágica. Cada dia da perversidade e incompetência do atual governo tende a levar a mais falta de oxigênio pela lotação de leitos em hospitais e contaminações que poderiam ter sido evitadas com a aquisição de vacinas com a devida urgência e ansiedade. O sangue, nesse caso, deixa de ser uma alegoria canina pra se aproximar de uma literalidade humana bem brasileira.

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Graciano Garcia Marques Neto é psicólogo de orientação cognitivista e discente de Ciência Política da Universidade Federal de Goiás.