Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os gargalos da ficção

Está na vitrine de inúmeras lojas, mesmo as não especializadas em brinquedos ou jogos de videogame. As discussões na internet a respeito do novo filme não param. É incrível como uma franquia cinematográfica pode silenciar, inclusive, os calorosos debates relativos ao impeachment no Brasil. Na semana passada (18/12), estreou nos cinemas um longa muito esperado pelos fãs de Darth Vader e companhia. Star Wars: o despertar da força é o sétimo da franquia.

Ilustração Flickr / Creative Commons

Ilustração Flickr / Creative Commons

Nos anos de 1970, quando do lançamento do episódio IV, Uma nova esperança, o público se surpreendeu positivamente com os efeitos de primeira categoria promovidos pela equipe de George Lucas – criador e então diretor da saga. Um filme sobre o espaço em uma época de avanços espaciais da humanidade deu asas à imaginação. No caso de Star Wars, a imaginação tinha forma e enredo bem definidos. Hoje, a franquia constitui patrimônio cultural de nossa espécie.

Resumidamente, a trama confronta os cavaleiros jedi, guardiões de uma república galáctica, contra os inescrupulosos sith, que ambicionam submeter todos os povos ao seu jugo. No episódio III, A vingança do sith, Anakin Skywalker completa o ciclo dos primeiro filmes e se torna o famigerado Darth Vader – vai para o lado sombrio da Força. Com isso, a então república dá lugar a um império vil e tirano. Destarte, na ficção a opinião pública normalmente fica de lado. Se Star Wars fosse real, a narrativa seria bem diferente.

A opinião pública precisa ser convencida

A imprensa, dentro de seu trabalho de apuração e investigação, tem por conduta o oferecimento de matérias certificadas, isto é, embasadas por intermédio da entrevistas com especialistas, revisão de documentos etc. No enredo de Star Wars, os cavaleiros jedi, protetores da república durante centenas de anos, são acusados de traição pelo então chanceler Palpatine, que posteriormente assume o papel de imperador. Desfecho? Eles são caçados e mortos.

Uma decisão como essa certamente não seria aceita de prontidão por parte da opinião pública. Em tese, os jedi eram os mocinhos da estória – sempre foram. A fim de parecer verossímil, o império de Palpatine e Darth Vader teria de investir pesado em assessorias de comunicação, pois a imprensa não engoliria a suposta traição sem perguntas – muitas perguntas. Em coletivas, opositores políticos condenariam a ação. Os jornais do dia seguinte estampariam em letras garrafais: “A chacina dos jedi”.

Há outras conjecturas possíveis. Um repórter de fontes confiáveis descobriria que o antigo mestre dos cavaleiros jedi, Yoda, está exilado no planeta Dagobah. Intrépido, ele pegaria uma nave espacial e solicitaria uma exclusiva. Os suítes dos veículos publicariam frases marcantes de Yoda. A audiência começaria a ver a hecatombe imperial sob outro olhar. Obi-Wan Kenobi, ex-mestre de Darth Vader, poderia constar como outra excelente fonte para falar do caso. Mas aí surgiria outra faceta da imprensa: o julgamento moral. A incapacidade de Kenobi como mentor colaborou para a corrupção de Anakin Skywalker. As manchetes não o perdoariam.

No episódio III, a ascensão do império é vigorosamente aplaudida pelo senado galáctico. Suspeito que os líderes participantes da histórica sessão enfrentariam incontáveis problemas no retorno ao seu planeta de origem. Ninguém aplaude o fim da liberdade. Está aí um erro crasso de George Lucas. Golpes militares são atos intransigentes de uma facção política. Mas vamos supor que o império fosse, de fato, a resposta de todos os sistemas estelares. A pressão aumentaria contra Palpatine e Darth Vader. Carentes de respostas, os soldados imperiais começariam uma censura generalizada, especialmente sobre os veículos de comunicação.

Se a ficção imita a realidade, Star Wars tirou algumas licenças poéticas. Trabalhar elementos de opinião pública consumiria importante espaço das batalhas entre sabres de luz, por exemplo. Ademais, os filmes da saga cumprem o propósito de divertir espectadores. A febre dos fãs está no ar, em toda parte. Se a franquia não representa um primor político, representa, indubitavelmente, um primor artístico. Que a Força esteja com os leitores deste artigo.

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Gabriel Bocorny Guidotti é jornalista e escritor