O escritor Stefan Zweig foi destaque no Festival de Cinema de Locarno, com a projeção de um filme a ele dedicado, “Antes do Despontar do Dia”, dirigido pela cineasta alemã Maria Schrader, tendo como atriz Barbara Sukowa (vivendo a primeira esposa de Zweig) conhecida por papéis nos filmes de Margarethe von Trota, como Hanna Arendt e Rosa Luxemburgo.
Stefan Zweig é talvez o escritor mais conhecido e o menos lido no Brasil. A razão de ter se tornado tão popular entre os brasileiros é sua frase célebre, sempre citada e título de um de seus livros – Brasil, o País do Futuro.
Stefan Zweig esteve a primeira vez no Rio de Janeiro em 1936, quando foi recebido pelo Ministério das Relações Exteriores, pois era, sem dúvida, o escritor mais célebre do mundo. Ainda me 1936, numa conferência do PEN Club, em Buenos Aires, o filme mostra o pacifista Zweig se negando a fazer uma condenação formal do hitlerismo, julgando talvez que sua posição de escritor no exílio seria muito confortável para condenar a Alemanha. Uma posição de “não engajado”, difícil de aceitar por um jornalista americano. Em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, veio ao Brasil para viver em Petrópolis, deixando Nova Iorque, por ter se encantado com o Brasil onde acreditava um entendimento e integração entre as diversas etnias.
Judeu austríaco, tinha deixado seu país em 1934, sabia, portanto, o significado do racismo que se alastrava pela Europa com a ideologia nazista de Hitler. Logo depois da ascensão de Hitler, a Alemanha iniciara sua política antissemita e a Áustria logo a ela se uniria pelo chamado Anschluss. Seu primeiro país de exílio foi a Inglaterra, onde viveu até o país começar a ser bombardeado pela Alemanha, depois da invasão e ocupação de muitos países europeus pelas tropas nazistas.
Uma outra frase de Zweig fez prova de clarividência – a de que a Europa se tornaria um continente sem fronteiras e sem passaportes, antecipando a União Europeia. Entretanto, seu entusiasmo pelo Brasil fez com que cometesse o erro de considerar o Brasil um país ideal, sem racismo, não percebendo nas suas rápidas viagens haver, naquela época (e ainda hoje) um racismo latente. A falta de choques não significava perfeita integração das etnias. No Brasil da época de Zweig, havia a sujeição e a semi-escravidão da população negra. A libertação da negritude com chances iguais para os não pertencentes à elite branca, só começou a ser criada (mas não concluída por não ter havido criação de infraestruturas sociais) com a chegada de Lula ao governo e a criação das cotas nas universidades.
As duas visões de Zweig
Convivendo provavelmente com a elite de Petrópolis, Stefan Zweig não viu ser só aparência o equilíbrio social no Brasil dos anos 40 que, politicamente vivia sob a ditadura de Getúlio Vargas, com alguns ministros simpatizantes do nazismo e sua teoria de raça pura, o que eliminava negros e mulatos brasileiros de qualquer possibilidade de ascensão social. Zweig não viu que para as mulheres negras e mulatas só havia, naquela época, uma profissão possível – a de empregadas domésticas, a maioria em situação de semi-escravidão.
O otimismo de Zweig com relação ao Brasil era contraposto por um excesso de pessimismo com relação à Europa e ao mundo, razão pela qual Zweig e sua esposa se suicidaram em 1942, em Petrópolis. Havia também a dificuldade de viver no exílio.
Por falta de um bom financiamento, o filme, exibido na Piazza Grande, em Locarno, e com muitas cenas faladas em português, não foi rodado no Brasil mas na ilha de São Tomé com sua luxuriante vegetação tropical, diferente de Petrópolis. Mesmo porque, explicou a realizadora Maria Schrader, não seria possível rodar o filme dos anos 40, na Petrópolis de hoje
***
Rui Martins é jornalista, escritor e esteve em Locarno como convidado do Festival.