Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A galinha sem ovos de ouro

Como a galinha da fábula, a indústria brasileira enriqueceu seu sócio maior, o governo. Graças aos impostos que pagou, o país chegou aos 40 ministérios, aos quase 600 congressistas, a milhares de vereadores e deputados estaduais, todos com mordomias invejáveis, todos com comitivas de assessores e auxiliares. Até que a galinha, exaurida, reduziu drasticamente a produção de ovos de ouro. Aí vem o ministro Guido Mantega e promete algum alívio para que a indústria respire e se recupere. Um dos alívios é a desoneração da folha de pagamentos.

Há pouco mais de 20 anos este colunista apurou quanto a empresa onde trabalhava tinha de tirar dos cofres para que ele recebesse o salário líquido de 900,00 (qual seria a moeda da época?) Pois bem: eram 2.200,00 – mais do que o dobro. Estes dados foram oferecidos a vários meios de comunicação; nenhum se interessou por fazer uma matéria precisa sobre o que se paga sobre a folha. Quem sabe agora, quando até o governo vê que o problema é sério?

Uma empresa brasileira leva mais tempo para iniciar as atividades, por problemas burocráticos, do que qualquer outra de um país do mesmo porte. Os impostos e encargos são mais altos. O custo de treinamento é onerado pela ineficiência do ensino público. É preciso ter um sistema próprio de saúde, ou conformar-se com prolongadas ausências dos empregados que tenham de recorrer ao sistema público. A complexidade e instabilidade da legislação tributária fazem com que as empresas tenham de desviar talento e recursos só para decifrá-la.

Não basta pagar impostos: é preciso gastar muito tempo, muito dinheiro, para saber quais impostos devem ser pagos. A energia elétrica tem uma tributação inacreditável; os insumos chegam por rodovia (raramente por trem, quase nunca por navio), e poucas rodovias têm qualidade. Os produtos saem por essas mesmas rodovias, com mais perdas e mais lentidão, e ficam mais caros – isso quando não são roubados no caminho.

Os meios de comunicação cuidam de quase todos esses temas, com certa frequência e com boas reportagens. O difícil é encontrar matérias que mostrem como é que esses problemas afetam o emprego e a vida de cada um de nós. As vergonhosas estradas que nos ligam à Amazônia (e que aparecem nas reportagens, especialmente durante as chuvas) encarecem nossa alimentação (e isso está fora da reportagem); o transporte ferroviário, como rabo de cavalo, só cresce para baixo – há 50 anos provavelmente havia mais quilômetros de trilhos do que hoje.

As boas reportagens não precisam ser partidárias. Os problemas de sufocamento da indústria vêm de longe (a agricultura só não está sendo sufocada, pelos mesmos motivos que fazem a indústria sofrer, graças ao crescimento das vendas à China – e alguém já viu, em algum meio de comunicação, uma boa análise do que pode acontecer à agricultura brasileira, e a toda a economia, e aos empregos que aqui existem, com a redução já prevista do crescimento chinês?)

 

Explicando direitinho

Uma boa pergunta: por que a China pode crescer algo como 10% ao ano, sem inflação, e o Brasil não pode? Às vezes a imprensa traz alguma informação sobre os baixos investimentos, que freiam o aumento da produção e, portanto, obrigam o país a conter o consumo. Com mais frequência há queixas sobre os juros altos. A imprensa critica o governo pelo excesso de gastos, mas não mostra a relação entre esse excesso e a alta dos juros, nem o pouco investimento.

Os problemas da indústria brasileira são uma crise anunciada. E, se não houver um trabalho conjunto, a redução das compras chinesas pode criar problemas também para a agricultura. O Brasil tem boas reservas internacionais, as maiores que já acumulou em toda a sua história, mas nada substitui uma economia que funcione bem.

 

Não, não leia

Este colunista sempre recomendou a estudantes de jornalismo que lessem o máximo possível – boa literatura, histórias em quadrinhos, jornais, revistas, o que lhes caísse nas mãos. Sempre haveria algum saldo positivo (é claro que ler um texto de Humberto Werneck é melhor do que mergulhar nesses livros chapa-branca, escritos sob encomenda, a respeito das virtudes de quem manda no país; mas até isso é melhor do que nada).

Mas a recomendação do leia-tudo deve hoje, como os remédios, submeter-se a restrições de uso. Grandes jornais publicam coisas absolutamente sem sentido: por exemplo, para elogiar os gols que ocorreram em dois jogos, usou-se a expressão “obra-prima”, absolutamente precisa, e “libelos de artistas”.

Que será que quer dizer “libelos de artistas”? Nada: é só olhar o dicionário.

Ou, usando-se aquela fórmula para evitar processos judiciais, nada mais acontece: no máximo, “supostamente acontece”. Um caso notável é o do pai que espancou o filho de três anos. Ele foi flagrado por testemunhas batendo no menino com o cinto, disse que está arrependido do que fez (portanto, confirma que fez), e o título é “Suspeito de bater em filho (…)” De onde sai o “suspeito”? Foi visto, confessou, prometeu não repetir e ainda assim há dúvidas? Ele efetivamente não pode ser chamado de criminoso, já que não foi condenado, mas de espancador do filho pode, sim. Pode, e deve.

Ou, em outro caso, escreve-se a respeito de um gol enigmático, referindo-se a um gol muito bonito, mas sem qualquer enigma a ser decifrado ou explicado.

Ou, num descuido até mais engraçado, um cavalheiro é chamado de “Golveia” num jornal de grande circulação. É Gouveia, claro (conferimos!), mas o Golveia aparece umas três ou quatro vezes no texto.

 

Acredite com cuidado

Agora, uma notícia engraçada: falando de Zezé Macedo, atriz que ficou famosa no cinema brasileiro fazendo papéis de mulher feia, publicou-se a foto de Fada Santoro, também atriz, da mesma época, que ficou famosa como mulher bonita. Ah, sim: o filme do qual foi tirada a cena também não é o que a notícia cita.

 

Papel baratinho

O papel de jornal é caro? Não, deve ser baratíssimo: um grande jornal nacional dedicou uma página a uma matéria didática, ensinando ao leitor o que fazer se um pedaço de lixo espacial, seja um pedaço de satélite, seja um restinho de foguete, cair no quintal de sua casa.

Tratar-se-á de um acontecimento frequente, a provocar preocupações na população?

Desde outubro de 1957, quando a então União Soviética lançou em órbita o primeiro satélite artificial, o Sputnik 1, houve um caso no Brasil, ocorrido há poucos dias: uma esfera de metal de seus 30 kg caiu em Anapurus, no interior do Maranhão. Um caso em 54 anos, sem vítimas, sem prejuízos materiais. Será que vale mesmo uma página inteira de um dos grandes jornais do país?

 

Papel bem caro

A respeito de uma nota publicada na semana passada, indagando o motivo pelo qual o papel reciclado custa mais caro que o produto virgem, o bom jornalista Mário Lima entra pesado:

“A respeito da nota comentando o preço do papel reciclado e o do papel ‘novo’, acho que a explicação é a mesma a ser obtida dos usineiros que cobram mais pelo açúcar mascavo do que pelo refinado. Ou de quem vende arroz integral mais caro que o beneficiado. Se alguém pode me explicar, que me explique.

abraços indignados”

Só não vale a pena indignar-se, caro Mário (ufa! Quase escrevi “Palhares”). Se formos ficar indignados só porque ninguém nos explica por que há Ministério da Pesca, ou 40 ministros, ou carros à vontade para parlamentares e magistrados, ou um lanchinho judiciário especial, preparado por empresa especializada e supervisionado por dois desembargadores, para atender àquela primeira fominha que aparece depois do almoço, ou um ministro das Relações Exteriores do B, que tem todas as mordomias do ministro das Relações Exteriores do A, mas que não precisa trabalhar, vamos passar o dia tomando remédio para o fígado. Isso quando os laboratórios não esconderem o remédio sabe-se lá por que motivo, sob o obediente silêncio da imprensa.

 

O mundo como deve ser

Cremilda Medina, professora universitária com todos os títulos, jornalista com boa passagem pelo Jornal da Tarde e Visão, lança na sexta-feira (16/3) o livro de memórias Casas da Viagem – de bem com a vida ou afetos do mundo. Cremilda é jovem para um livro de memórias, mas talento não lhe falta. A obra será lançada no Ponto do Livro, Rua Alves Guimarães, 1.322, São Paulo, a partir das 19 h.

 

Pedro, o grande

Pedro Cavalcanti, um dos grandes jornalistas brasileiros, de texto primoroso, por dez anos correspondente de Veja em Paris, lança na terça-feira (20/3) O Alçapão – uma bela obra sobre a formação do Brasil a partir de suas raízes. Local: Bar Canto Madalena, Rua Medeiros e Albuquerque, 421, São Paulo, a partir das 19h30.

 

Como…

De um grande jornal impresso, de circulação nacional:

** “O Real Madrid meteu 5×0 no Espanyol, com bela atuação de Kaká”.

Comentário:

** “Contando com os quatro gols da partida de ontem, a equipe chegou aos 85 tentos marcados em 25 rodadas, média de 3,4 por jogo”.

Terá a média sido calculada com base nos “quatro gols” do texto ou nos cinco gols que ocorreram de verdade, e que estão no título?

 

…é…

De um jornal regional, noticiando o lançamento na cidade do livro A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Junior: na foto, grande, Amaury Jr., o apresentador de TV.

 

…mesmo?

De um portal destinado a jornalistas:

** “A saída de (…) foi motivada a um convite (…)”

“Motivada a” este colunista nunca tinha visto.

 

Mundo, mundo

 

Há coisas que só podem acontecer no Brasil, já que o País das Maravilhas, aquele de Alice, é apenas ficção. A história foi contada no Facebook e fez grande sucesso. Um editor e publicitário foi com a esposa Cláudia, a trabalho, visitar a Gift Fair, no Center Norte. Entrou sem problemas e, depois de algum tempo, procurou o banheiro. Era do lado de fora. Saiu e, na volta, foi barrado: o segurança disse que ele não poderia entrar porque estava de bermuda. Tranquilo, até tentou explicar que com 34 graus de temperatura, e a trabalho, e considerando-se que ele já tinha entrado antes, não havia motivo para lhe criarem problemas. Mas havia: o segurança chamou mais dois reforços e os três, olhares ferozes, o mantiveram do lado de fora.

Cláudia, a esposa, calmíssima, chamou-o num canto: tudo bem, homem não podia entrar de bermuda, mas não havia qualquer proibição para que entrasse de saia.  Voltaram ao banheiro, Cláudia vestiu a bermuda do marido, e o marido vestiu a saia. Assim, pôde entrar sem que ninguém o incomodasse.

Seu comentário: naquele calor, usar saia foi uma delícia!

E eu com isso?

Se nos jornais, com o papel caro e tudo, há espaço para divulgar o que fazer com objetos espaciais que caírem no seu quintal (já houve espaço, há algum tempo, para divulgar o que fazer com as sobras de caviar), imagine na rede! O espaço é infinito, é barato, se alguém pegar a besteira a tempo dá para tirar sem deixar vestígios, se ninguém pegar a besteira ela sai rápido de qualquer jeito. E, então, temos nossas informações de cocheira:

** “Príncipe Harry surpreende e almoça em churrascaria”

** “Mariah Rocha brinca com o filho na praia”

** “Rihanna faz topless e grava novo clipe”

** “Malvino Salvador e Sophie Charlotte vão ao teatro”

** “Marido da atriz Jessica Alba pinta unhas de rosa”

** “Ex-jogador Leonardo mima filho na praia”

** “Katy Perry aparece em clima de intimidade com modelo francês”

** “Namorada de Cristiano Ronaldo faz topless em nova propaganda de chinelos”

** “Fernanda Lima curte dia de compras com os filhos gêmeos”

** “Reese Witherspoon é fotografada saindo de hotel no Rio de Janeiro”

** “Poliana Aleixo renova visual após novela”

** “Suor nos seios faz Nicole Kidman pagar micaço”

Que aconteceu? Nicole estava correndo e, ao chegar ao hotel, estava suada. O suor marcou seus seios na foto. Ela certamente ficou preocupadíssima com isso.

 

O grande título

Um título aqui desperta todos os caçadores de duplo sentido:

** “Mãe do filho de Neymar ganha cobertura”

Mais um, do mesmo gênero:

** “SUS pagará despesa para casal que não consegue engravidar naturalmente”

Mas não estranhe: o que o SUS vai pagar é a reprodução assistida.

E um título que, à primeira vista, parece comum, mas é ótimo!

** “Ronaldinho diz que vaias servem de motivação”

Ronaldinho Gaúcho deve estar motivadíssimo!

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]