A esposa do empresário Marcos Matsunaga confessou tudo: disse que o matou com um tiro, que o esquartejou, que o motivo do assassínio foi uma desilusão matrimonial, pois descobriu que estava sendo traída e que o marido planejava, na separação, ficar com a guarda da filha pequena.
E, porém, há tanta coisa a esclarecer! Há pontas soltas na história e não há veículo de comunicação que busque aclará-las. Há espantosas declarações de autoridades sem que algum repórter se mova para verificá-las. Ao contrário, tudo o que é dito é publicado a seco, sem que se verifique sequer se tem alguma lógica.
Algumas declarações de autoridades que soam estranhas:
1. Há na casa mais freezers do que seria normal.
Ou seja, alguém andou comprando freezers já imaginando que algum dia teria de matar e esquartejar alguém e planejando ampliar o espaço disponível para o congelamento? A primeira pergunta é: qual seria o número normal de freezers que uma casa como aquela deve ter? Qual a capacidade, em litros (já que os freezers podem ter diversos tamanhos) que a autoridade consideraria normal? Se alguém compra mais freezers do que este número considerado normal vira suspeito? Este colunista conhece um cavalheiro que tem mais de cem relógios de pulso (e, como a maioria das pessoas, tem apenas dois pulsos para usá-los). E daí?
2. Há armas, todas legais, já que o empresário era colecionador, espalhadas pela casa inteira.
E onde seria conveniente guardar uma coleção de armas? Na sala, onde possa ser mostrada aos amigos, ou num cofre de banco, onde nem o colecionador poderia apreciá-las? Se ele colecionava armas, que é que esperavam encontrar em sua residência: estatuetas de corujas? Mais: quem colecionava armas era ele, a vítima; não ela, apontada como a assassina.
3. Suspeitíssimos sacos plásticos presos por uma linha vermelha – ??? Que é que isso tem de estranho? Se a residência tem vários freezers, nada mais normal que tenha sacos plásticos especiais, com fechamento hermético. Ou esses sacos plásticos não têm nada com o crime, e não deveriam sequer constar nas reportagens, ou têm – e, nesse caso, os repórteres deveriam ter percorrido supermercados e lojas especializadas das redondezas, para saber se dispunham daquele modelo e se tinha havido alguma compra recente fora do volume habitual.
4. A moça foi enfermeira e disse ser capaz de esquartejar uma pessoa. OK; mas como é que aconteceu a quebra da espinha do marido?
Tudo indica que a confissão foi real, que não foi obtida mediante pressão, que efetivamente a moça disse a verdade quando declarou ter matado o marido. Mas ainda há coisas a esclarecer. E, esclarecendo-se essas coisas, talvez se abra uma janela para saber a história inteira do crime.
Tortura para sempre
Este colunista já escreveu algumas vezes que se lembra bem do tempo em que os advogados eram valorizados pela opinião pública exatamente pela defesa dos direitos humanos e das garantias individuais. Depois, com forte apoio da imprensa – e concessões como vazamentos de informações e fornecimento de reportagens praticamente prontas – a opinião pública se voltou para o outro lado: os promotores – sempre “jovens”, não importa a idade que tenham, e “combativos”, não importa que mergulhem quando surgem problemas com eles ou pessoas próximas – viraram os xodós da população. E os advogados passaram a ser responsáveis pela absolvição de pessoas que a opinião pública, altamente influenciada pela opinião publicada, considera culpadas.
“Bons advogados” deixou de ser um elogio; “bem pagos” deixou de ser um ideal da população; e “bons advogados, bem pagos”, viraram o contraponto dos “jovens e combativos” promotores. É como se os promotores, com salários superiores a R$ 20 mil mensais, com aposentadoria integral, fossem mal pagos. Como se os promotores não tivessem feito os mesmos cursos de Direito, as mesmas pós-graduações, possuíssem menor capacidade profissional. Mas conseguem se colocar como representantes da Justiça; os advogados seriam, neste caso, os protetores dos fora da lei.
E que é que isso tem a ver com os fatos de hoje? Simples: pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo mostra que 47,5% da população do país são favoráveis a que os tribunais aceitem provas obtidas por meio de tortura. Repugnante? Sim – mas exigir que as provas obtidas por gravações ilegais sejam consideradas boas, esquecendo a formalidade de que foram obtidas por métodos fora da lei, não é praticamente a mesma coisa? A diferença é só o método ilegal: um, sangrento, horrível; outro, limpinho, de colarinho branco. Ambos são atos de banditismo. E aceitar o limpinho leva, inevitavelmente, a que se aceite também o método sujo.
Relembremos o coronel Jarbas Passarinho, ministro de vários governos militares (a frase não é exatamente esta, mas o sentido é): “Se você souber que um terrorista vai jogar uma bomba numa escola, e a pessoa que você prendeu tiver informações para evitar a matança de crianças, é errado torturá-la para que revele o que sabe?”
Em princípio, a maioria dos entrevistados acha que não deve haver violência nos interrogatórios. Mas isso vale apenas para alguns crimes. Para investigar suspeita de estupro, por exemplo, são bem vistas torturas como choques, queima com ponta de cigarro, espancamento ou deixar o interrogado sem água nem comida. É uma barbaridade autoalimentável: pode-se torturar porque o crime é terrível e, portanto, o criminoso é repulsivo. Mas como saber se o cavalheiro é criminoso, se não houve sequer julgamento? Ou seja: o cavalheiro é criminoso porque alguém acha que ele é criminoso, e deve ser torturado para que confesse o crime e justifique a tortura que sofreu.
E pensar que estamos no século 21!
A voz dos assassinos
Conta Elio Gaspari, na sua excelente série de livros sobre a ditadura militar brasileira, que o presidente Ernesto Geisel, em certa ocasião, disse que era uma barbaridade, mas que só depois que o regime começou a matar é que obteve êxito na luta contra a guerrilha urbana e a rural.
Agora, que tanto se debate a questão – e em que o destino dos desaparecidos na guerrilha do Araguaia é um dos temas centrais da Comissão da Verdade – sai um livro que não pode ser perdido: Mata! – o major Curió e as Guerrilhas do Araguaia, do repórter Leonêncio Nossa, que trabalha na sucursal do Estado de S.Paulo em Brasília. Leonêncio fez longas entrevistas com Sebastião Rodrigues de Moura, por codinome major Curió, e teve acesso a seu arquivo. No livro, Curió relata o assassínio de integrantes da guerrilha do Araguaia, que durou três anos, de 1972 a 1975. Segundo Curió, dos 67 mortos, 42 foram assassinados depois de presos. O que se comenta – e talvez seja esclarecido no livro – é que sua atividade se desenvolveu principalmente na área de informações, com farta utilização da tortura de guerrilheiros e de pessoas da região, até que contassem tudo o que sabiam.
Depois da luta, o major Curió foi encarregado pelo governo de outra missão: organizar os garimpeiros de Serra Pelada. Teve êxito. Tornou-se popular entre os garimpeiros, a cidade que surgiu por lá acabou se chamando Curionópolis, ele foi seu prefeito, terminou por eleger-se deputado. Agora, diz que seu objetivo, ao fornecer informações para o livro de Leonêncio Nossa, é educativo: “Não me julgo dono da verdade. Sei muita coisa porque vivi”, disse. “É preciso contar a história com imparcialidade para que os mais jovens possam avaliar a atuação das Forças Armadas no Araguaia.”
O livro Mata!, editado pela Companhia das Letras, já pode ser comprado na Livraria Cultura em versão digital. A versão em papel sai em 13 de julho, em São Paulo, durante um congresso de jornalistas.
Mundo, mundo
A ONU insiste num plano de paz para a Síria que não pode funcionar, por um único motivo: porque nenhum dos lados quer a paz. Até o Brasil critica o presidente sírio Assad por reagir com brutalidade e extrema violência à rebelião – mas qual a saída que deixaram a ele, caso resolva renunciar? Um julgamento no Tribunal Penal Internacional, dentro de uma jaula? Aliás, qual a saída que deixaram a seus partidários (que não são poucos) caso ele renuncie e entregue o poder aos revoltosos: fugir do país? É o que estão fazendo os cristãos coptas, que vivem no Egito há dois mil anos (como cristãos: antes disso, já viviam por lá), depois que a Irmandade Muçulmana conquistou poder político.
Os alauítas (como Assad), ramo místico dos xiitas, ainda podem fugir para o Iraque; e os católicos, na maioria do rito ortodoxo, para onde irão? Ah, sim: se houver risco de derrubada dos alauítas do poder, que farão as milícias xiitas do Hezbollah, que estão ali vizinhas, no Líbano? Vão assistir tranquilas à tomada do poder por muçulmanos sunitas?
A propósito, a imprensa tem coberto o conflito sírio como um jogo de futebol, sem levar em conta os inúmeros tons de cinza existentes entre o branco e o preto. Assad é ruim, sem dúvida; mas seu substituto, vindo dos grupos oposicionistas, será melhor? E como se explica a presença importante, nesses grupos oposicionistas, do tio de Assad, Rifaat, que chefiou a polícia política no governo anterior de seu irmão, Hafez Assad, e nunca demonstrou nenhuma centelha de simpatia por qualquer ideal democrático?
Não há santos na guerra civil da Síria. O Brasil, por incrível que pareça, tem a posição mais correta: já que não adianta se intrometer por lá, fiquemos de fora, observando. E evitando atitudes ridículas como retirar embaixadores. Em que é que isso enfraquece ou fortalece qualquer um dos lados?
A Ford, a Justiça, a imprensa
João Alkimin, jornalista de São José dos Campos, SP, cansou de esperar – cansou de esperar a ação da Justiça, a correção dos problemas de seu carro pela Ford, a reação da imprensa. E foi direto ao alvo: representou à ministra Eliana Calmon, que comanda o Conselho Nacional de Justiça.
O caso: a esposa de Alkimin comprou um Ford Taurus que teve problemas. A Ford lavou as mãos, a cliente pediu a instauração de inquérito policial no 1º DP de São José dos Campos. O Instituto de Criminalística da Polícia Civil fez perícia oficial que demonstrou defeito estrutural no carro.
A Ford continuou em silêncio. A cliente entrou com ação judicial pedindo a substituição do veículo em razão do defeito estrutural. O juiz, alegando que o laudo oficial do Instituto de Criminalística não era oficial, mas particular, nomeou outro perito, cujo laudo disse que o veículo estava em condições, embora apresentasse problemas em velocidades mais altas.
Mas o problema que levou Alkimin a representar à ministra Calmon foi a sucessiva mudança de câmaras judiciais para examinar o processo. No total, envolveram-se quatro câmaras. Por quê? É este um fato absolutamente incomum.
Houve mais irregularidades: por exemplo, o laudo elaborado pelo perito designado pelo juiz se refere a veículo com outro número de chassi. O perito nomeado pelo juiz alegou que não conseguiu entrar em contato com a revenda que havia entregue o carro pois ela já não existia – só que continuava existindo, sim. E o perito alegou, para tentar explicar seu erro, que “cometeu um lapso”.
E a imprensa? Quietinha, uai! A Ford não é uma campeã de anúncios, mas suas verbas não são de jogar fora. A briga está na Justiça. Este colunista é amigo da cliente, mas não é advogado e não sabe quem tem razão. Entretanto, negar que um laudo do Instituto de Criminalística seja oficial, fazer o processo tramitar por várias câmaras judiciais, exibir um laudo de outro veículo sem nenhuma autoridade judicial perceber o problema, tudo isso soa muito esquisito.
Se a ministra Eliana Calmon se pronunciar, será ótimo. E se algum veículo de comunicação decidir acompanhar o caso, como se supõe que seja de seu interesse e de seus leitores, será ainda melhor.
Um dos melhores
Domingos Pellegrini Jr., um excelente escritor paranaense, um dos melhores do país, acaba de lançar mais um livro: No Hospital de Brinquedos, pela Geração Editorial. O livro saiu no sábado (9/6), em Londrina, onde Pellegrini mora; e ainda não chegou ao alcance deste colunista. Mas não há erro: se é de Pellegrini é bom.
Como…
De um grande jornal, noticiando o assalto a um excelente restaurante de São Paulo, o La Tambouille:
** “(…) cinco homens armados (…) usando apenas bonés, fugiram em dois carros (…)”.
Puxa vida, os bandidos chegam pelados, usando só bonés, e nenhum policial nota nada de estranho no caminho?
…é…
De um grande portal noticioso:
** “Tentando se manter na mídia, Geisy Arruda completa 23 anos”
Se ela não quisesse se manter na mídia, quantos anos completaria?
…mesmo?
De um grande jornal impresso, em matéria sobre a construção de um enorme shopping center onde era a casa dos Matarazzo, na avenida Paulista, SP:
** “ (…) há uma cratera de dez mil metros quadrados de área e 15 metros de altura (…)”
E pensar que, não faz muito tempo, cratera tinha profundidade, em vez de altura!
É assim mesmo
De um grande jornal impresso, daqueles que antigamente faziam o possível para não cometer erros:
** “Comissão aprova cassação de prefeito que não manter conselho tutelar”
O nível agora subiu: jornalista tem de ter várias pós-graduações, conhecer outras línguas, coisas boas. Se aprendesse a conjugar verbos em português, não seria ótimo?
E eu com isso?
E chega: se o pessoal nem tomou conhecimento da Turma do Guardanapo, se quase metade da população acha que tortura pode ser aplicada, é hora de cuidar dos assuntos realmente sérios.
** “Kim Kardashian presenteia Kanye West com carro de US$ 750.000”
** “Carolina Ferraz voltou a exibir a franja nos cabelos”
** “Madonna passeia com o namorado em Istambul”
** “Chocolate é tão bom quanto sexo, diz Adriane Galisteu”
** “Julia Roberts quer babá dos filhos de Angelina Jolie e Brad Pitt como presente de casamento”
** “Daniele Winits leva filhos a espetáculo de patinação, no Rio”
** “Solange Couto leva filho de nove meses ao circo, no Rio”
** “Ryan Gosling causa frisson ao ir com Eva Mendes, sua namorada, à formatura da mãe”
** “Vera Fischer se exercitou pela orla da praia do Leblon”
** “Charlie Sheen briga com funcionária de ginásio nos Estados Unidos”
O grande título
Coisas finas, coisas finas.
Por exemplo:
** “Datena mostra seu lado B em programa”
Nem dá para comentar, né?
Ou um título que se contradiz numa só linha:
** “Morumbi: monotrilho tem protestos contra e a favor no mesmo dia”
É, protesto a favor não chega a ser um erro. Mas quem escreveu esse título certamente não sabe disso.
O título imbatível vem de um jornal pequeno, do interior:
** “Saco de lixo atira em motorista e foge”
Alguém, algum dia, será capaz de explicá-lo.
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[Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados]