Samuel Wainer vs. Carlos Lacerda. Paulo Prado vs. Júlio Mesquita. Conceição da Costa Neves vs. Paulo Duarte. Paulo Francis vs. José Guilherme Merquior. Os meios de comunicação sempre abrigaram notáveis debates, de alto ou de baixo nível, sobre os mais diversos temas, sempre com uma característica comum: os debatedores se identificavam e tinham orgulho de defender suas posições. Mesmo os patrulheiros faziam questão de mostrar publicamente suas bandeiras.
Na internet, com todo o potencial que tem para democratizar as informações e a distribuição da opinião, está sendo distorcido o conceito de debate: escondidas atrás do anonimato, confiando na lentidão da Justiça e no custo financeiro para encontrá-las, há pessoas que passaram a dedicar-se à difamação pura e simples do adversário. Basta xingar, inventar, injuriar. E, como muitas vezes a manobra é combinada, enquanto o covarde anônimo não é encontrado grupos organizados usam a acusação para tentar desmoralizar a vítima.
Este tipo de distorção tem ocorrido contra políticos dos mais diversos partidos: ora é o parente de um líder petista que comprou caríssimas fazendas (e não adianta informar que o próprio dono da fazenda nega que a tenha vendido: a difamação se espalha sozinha, porque o adversário político está louco para acreditar nela); ora é uma enorme armação segundo a qual dirigentes do PT são parentes e usam a organização familiar para enriquecer ilicitamente; ora são fotos montadas em que o ex-presidente Lula aparece lendo um livro de cabeça para baixo ou com marca de urina na calça. E há os ataques difamatórios a jornalistas que ousam discordar do pensamento dos Covardes Anônimos.
O caso mais recente é o de José Nêumanne Pinto, editorialista, articulista, comentarista de rádio e TV, cujo crime maior, ao que se saiba, foi ter publicado um livro em que põe em dúvida a infalibilidade do ex-presidente Lula. Algum maluco acusou Nêumanne de ser pedófilo e de ter estuprado uma menina de nove anos, em Campinas (SP), com boletim de ocorrência, processo e tudo.
Não é verdade, claro. Não há qualquer registro dessa invencionice no Judiciário ou na polícia, o que seria obrigatório caso houvesse processo ou boletim de ocorrência. Mas, no caso, o movimento era orquestrado: chegou a haver comentários em Brasília de que, finalmente, haviam conseguido pegar o Nêumanne.
Que acontece em seguida? A vítima procura a Delegacia de Crimes Virtuais, que identifica o provedor de internet do difamador e solicita seu nome. O provedor, talvez para não desagradar o cliente, ou tentar não se envolver, adia ao máximo a resposta, até ser forçado por nova medida judicial a fornecer a informação. Leva tempo, custa caro; e, enquanto o tempo passa, a difamação continua circulando.
O Brasil247 publicou boa matéria sobre o tema, do competente Claudio Tognolli. Na entrevista, Nêumanne conta o que está acontecendo com ele e pede leis eficientes e duras para eliminar a praga da difamação anônima pela internet (nos comentários à entrevista, muitos o acusam de não aceitar que o contraditem. É falso: nada do que escreve sugere isso. Que o contradigam à vontade, mas identificando-se, como ele se identifica).
Nêumanne participou também de audiência pública na Câmara dos Deputados, na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, e ali contou sua história.
É impressionante: existem pessoas que, por paixão política, estão dispostos a destruir reputações e vidas, desde que para isso tenham a proteção do anonimato. E existem empresas que estão dispostas a desafiar a Justiça para proteger os covardes anônimos. A internet é ótima: permite o acesso livre de multidões ao fornecimento de informação precisa. Mas, só vai funcionar se puder ser utilizada sem covardia, sem anonimato, de preferência com urbanidade. Entrar na discussão sem perder a educação. Será pedir muito?
Não é assim
Dentro de alguns dias, espera-se, começará no Supremo Tribunal Federal o julgamento do mensalão. E já se ouve muita choradeira dos amigos dos réus: por que a pressão para que se julgue o mensalão petista, enquanto o mensalão mineiro, ou mensalão tucano, dos tempos em que o governador Eduardo Azeredo disputou a reeleição e foi derrotado por Itamar Franco, não foi julgado, embora seja mais antigo?
O argumento é fraco: se outros casos não foram ainda julgados, se houve outros casos, isso não reduz a necessidade de julgar este. Frases como “eu matei, mas um monte de gente também matou e não foi apanhada”, ou “eu bati na minha mulher, mas menos do que outros batem” são absolutamente desprovidas de sentido. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e ambas não se misturam. E, se a imprensa pressionou mais pelo julgamento do mensalão, teve no mínimo um motivo forte: os réus do mensalão são muito mais importantes do que os do mensalão tucano, ou os do DEMsalão de Brasília, que também anda injustamente esquecido.
Sem choro: que o STF julgue os réus do mensalão conforme os autos, de acordo com a lei, e decida quem é culpado ou inocente. Numa democracia, é simples desse jeito.
É assim mesmo
Mas, do mesmo jeito que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, o julgamento do mensalão não deve atrasar nem impedir que o caso de Minas, extremamente semelhante, e anterior, seja decidido pela Justiça. Há até personagens comuns a ambos os casos, como o publicitário Marcos Valério; e tudo indica que a experiência mineira tenha ensinado os operadores do caso federal a agir de maneira mais sofisticada – o que só deixou de funcionar quando o deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, se sentiu preterido e denunciou tudo. O mensalão mineiro (não dá para chamá-lo corretamente de tucano: muita gente mudou de partido e virou até ministro dos governos petistas seguintes) tem de ter uma conclusão, sim, e rápida. A demora é injustificável. Que a Justiça analise o caso, indique os culpados, determine sua pena e libere de vez os inocentes da carga que vêm injustamente carregando.
Nossa Bárbara
Bárbara Gancia, há tantos anos colunista top da Folha de S.Paulo, vem se superando: trata abertamente de seu problema de alcoolismo, que vem combatendo via Alcoólicos Anônimos, expõe as dificuldades que enfrenta e as vitórias que está conseguindo, deixa claro que neste tipo de problema não há triunfos definitivos: cada dia é um dia, e amanhã haverá nova luta contra a bebida.
Notável: e, além da coragem, são artigos muito bem elaborados. Todas as sextas, no caderno “Cotidiano”. E, se saíssem mais vezes, mais vezes seriam lidos com grande prazer e muito proveito.
Guerra aos vigaristas
Muitas vezes, essas empresas que lhe oferecem tudo aquilo em que você não está interessado (e mandam cinco, dez e-mails por dia, para lotar sua caixa postal) colocam uma mensagem edificante, como “nós condenamos o spam”, uma mensagem falsa (“você está recebendo nossas ofertas porque se inscreveu no site”, quando a gente sabe que não se inscreveu em lugar nenhum) e uma mensagem promissora: “Caso não queira mais receber nossos e-mails, clique aqui”.
Você clica. Às vezes não funciona: o link parece link, mas não abre. Outras vezes demora um tempão e faz uma série de perguntas sobre o motivo que o leva a rejeitar tão maravilhosas propostas. E há empresas, finalmente, em que um clique é suficiente para que digam que você foi descadastrado com sucesso.
Só que nenhum dos sistemas funciona: você continua recebendo o lixo eletrônico das empresas. Algumas usam truques (Alpha Centaurus, agora com as ofertas da…); outras nem truques usam, e enviam a chatice de sempre. Este colunista está pensando em criar um setor específico – talvez no Facebook – para que todos possam incluir o nome das empresas que fazem questão de chateá-los com sua propaganda insistente, irritante e que rouba tempo de quem quer trabalhar.
Que tal, trocar bala por bala?
Falta remédio, falta a notícia
Um leitor e colaborador desta coluna dirige uma drogaria, com especialidade no atendimento a quem tem diabete. “Para nosso espanto, soube pelo representante da Novo Nordisk, fabricante de insulinas, que houve falha na manutenção de contêineres com temperatura controlada no aeroporto, o que culminou com a deterioração do produto e sua incineração. De quem foi a culpa? Do importador? Do aeroporto? Da Anvisa, que faz a quarentena dos produtos? Do cliente que está batendo de farmácia em farmácia em busca de insulina? Admiro-me de ver que os meios de comunicação não dão uma nota sequer a esse respeito (…)”
Procure notícias que não tenham importância direta para a população e você as encontrará. Notícias sobre remédios? Só se algum jornalista em cargo de chefia não conseguir encontrar os que toma. Há algum tempo, um remédio para pressão, sem similar, desapareceu do mercado. Passou alguns meses fora, voltou, o laboratório cansou de fazer promessas que não cumpriu e só esta coluna deu a notícia. Agora é o problema com o remédio da diabete. Deve haver outros, que não chegam ao conhecimento dos poucos jornalistas que se dispõem a publicar notícias. Os meios de comunicação estão preocupados com as divergências entre a Ucrânia e a Rússia, que como se sabe influem muito mais que a falta de remédios na vida diária dos consumidores de informação.
Artes plásticas…
A galeria Gravura Brasileira apresenta a exposição “O Vento Soprou Noutros Rumos”, com obras de Leonor Decourt, Helena Freddi, Augusto Sampaio, Evany Cardoso e Salete Mulin. A inspiração é sempre a gravura, pensamento fundador da exposição. Até 11 de agosto. De segunda a sexta, das 10h às 18h; aos sábados, das 11h às 13h. Rua Franco da Rocha, 61, São Paulo.
…e e-books brasileiros
O jornalista e escritor Fernando Portela (irmão de um excelente escritor, marido de uma excelente escritora, pai de uma excelente escritora – eta, família de bom texto!) está partindo para uma nova experiência: lança, ao mesmo tempo, dois livros eletrônicos, e-books, um pela Amazon (A velha chama e a negra solidão, contos), outro pela Livraria Cultura(História do Brasil: verdades e mentiras, jornalístico, sobre pontos polêmicos da história do país). Nos sites, instruções para a compra, a preços surpreendentemente baixos.
Para Fernando Portela, autor, entre outros, de um excelente relato sobre a Guerrilha do Araguaia, vale pela novidade: “Muita gente diz que o futuro é virtual. Para mim, é apenas uma experiência. Vamos ver”.
Como…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional, na notícia sobre o jogo Corinthians 3 x 0 Flamengo:
** “O terceiro gol do Corinthians foi de Cássio”.
Cássio é o goleiro. O gol foi de Danilo. Mas há motivos para a confusão: os dois jogadores são altos, usam a camisa do mesmo time e o nome de ambos contém as letras “a” e um “o”.
…é…
De um portal de notícias, dos mais importantes:
** “Sindicato aponta nova greve geral se Madri manter austeridade”
Será que é assim tão difícil aprender a conjugar um verbo?
…mesmo?
De um portal de fofocas de internet:
** “Mick Jagger engravidou Luciana Gimenez após caso com Angelina Jolie, segundo nova biografia”
Só que a nova biografia não diz isso: diz que Jagger e Angelina ficaram juntos por muito tempo, enquanto ele era casado com Jerry Hall; que Angelina não quis vir ao Brasil com ele, que teve então o caso com Luciana Gimenez; depois, na Europa, continuou mais um tempo com Angelina Jolie. Não existe, portanto, o “após caso” – talvez, digamos, um “durante caso”.
Mundo, mundo
Em 1979, há 33 anos, a banda The Who deveria apresentar-se no Brasil. A apresentação foi cancelada por algum motivo. Agora The Who volta ao país, e os organizadores dizem que quem tiver o ingresso da apresentação cancelada de 1979 poderá entrar no show.
Até aí, tudo bem. O duro é que a imprensa divulga essa história como se fosse uma coisa normal.
E eu com isso?
Chega de besteira: bom mesmo é o noticiário que dá conversa, que quase todo mundo acompanha, que deixa a cabeça descansar. Frufru!
** “Gianecchini é visto em aeroporto”
** “Em passeio com a filha, Beyoncé mostra trancinhas no cabelo”
** “Letícia Spiller brinca com a filha em praia carioca”
** “Selena Gomez posta foto em cartão postal”
** “Veja onde as estrelas estão curtindo os dias de descanso”
** “Paris Jackson desmente o Tio Handy”
** “Raquel Nunes realiza chá de bebê”
** “Guy Ritchie será papai novamente”
** “Sem calcinha, Izabel Goulart chama a atenção por magreza em festa”
** “Katie Holmes se reaproxima de Chris Klein”
** “Renata Kuerten esquia pela primeira vez”
** “Kathy Perry quer ‘fugir’ para a América do Sul”
** “Vanessa Giácomo e Daniel Oliveira passeiam com os filhos no shopping”
O grande título
Uma colheita bem interessante. Comecemos com um título inusitado:
** “Aos oito meses, Bianca Castanho dá à luz sua primeira filha”
Este colunista está ficando velho. Nos tempos em que o Serra tinha cabelo e o José Maria Marin não tinha, só moças mais crescidas tinham filhos.
Há um título notável, oferecendo os serviços de uma empresa especializada em congraçamentos religiosos (portanto, honni soit qui mal y pense):
** “Dia do membro!”
Mas nada que se compare ao melhor título da semana:
** “Lula faz sexo por 3 horas e precisa de descanso para músculos, diz estudo”
O título, naturalmente, se refere ao molusco cefalópode de corpo alongado, com oito tentáculos e dois braços.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]