Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornalismo partidário

Eleição é complicado: o jornalista ou se integra ostensivamente em alguma campanha (e nesse caso não tem como trabalhar em jornais não engajados) ou procura manter-se o mais objetivo possível diante dos diversos candidatos e partidos, buscando ao máximo relatar a verdade como a viu.

É difícil? É: a própria criação dos meios de comunicação é ligada à propaganda. Os primeiros jornais nasceram para defender determinadas ideias ou líderes. O atual lead nasceu na Guerra da Secessão dos Estados Unidos: os jornais não tinham recursos para cobrir uma guerra daquele tamanho e dividiram os custos comprando material de agências noticiosas. As agências, tendo clientes das mais variadas tendências, criaram então a notícia como é hoje, respondendo às perguntas “quem, onde, como, quando e por que” e tentando não tomar partido.

É difícil, mas possível. O repórter Ricardo Kotscho, um dos ícones da profissão, é amigo de Lula, acredita em Lula, vota em Lula, trabalhou com Lula, e como repórter sempre manteve seus compromissos com o consumidor de informação acima de quaisquer outras considerações. É possível, pois; e é triste ver que notícias distribuídas por um sindicato de jornalistas – no caso, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo – sejam deliberadamente distorcidas, para atender a um partido e um candidato. As eleições já passaram, agora é só segundo turno; mas não é possível receber, sem protestos, tamanha agressão contra os fatos.

A história: a Folha Bancária, jornal do Sindicato dos Bancários, publicou matérias favoráveis ao candidato petista à prefeitura de São Paulo, fora das datas previstas para propaganda eleitoral. A edição foi apreendida por ordem da juíza Carla Theis Lagrotta Germano, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo.

Quem diz que a edição foi apreendida por ordem da Justiça Eleitoral? A publicação do Sindicato dos Jornalistas. Quem dá o nome da juíza? A publicação do Sindicato dos Jornalistas. Mas qual é o título – a parte mais importante e mais lida de qualquer matéria?

“Serra censura e manda recolher edição da Folha Bancária”

Serra é juiz? Não. Se fosse, teria o poder de determinar o que a juíza Carla Theis Lagrotta Germano faria em trabalho? Não.

Imaginemos uma violência: a apreensão de um jornal com uso exclusivo da força, sem passar pela Justiça. Serra é governador? Não. É comandante da PM? Não. Será secretário da Segurança? Não.

Em outras palavras, a notícia foi distorcida para enganar quem a lesse. E distorcida exatamente por quem deveria defender a correção do trabalho da categoria, o Sindicato dos Jornalistas. A defesa dos militantes fantasiados de jornalistas certamente será alegar que Serra pediu à Justiça a apreensão do jornal. E daí? Pedir é livre; a Justiça só concede o que considera correto.

Este colunista já assistiu a uma discussão em que um colega afirmava que o número é político. Ou seja, quando alguma manifestação visava a defesa do interesse do trabalhador, era lícito inflá-la; ao contrário, se visasse o prejuízo do trabalhador, seria lícito reduzir o número de pessoas presentes a ela. E quem decidiria o que fosse favorável ou prejudicial aos trabalhadores? O colega ali presente, que se arvoraria em juiz supremo dos interesses de classe.

Não, não pode. Os dirigentes do sindicato foram eleitos democraticamente, por eleitores que conheciam sua vinculação com o PT e a aprovaram. Mas distorcer notícias para prejudicar candidatos é outra coisa.

 

O valor da vida

Há jornais sob censura, há jornalistas perseguidos sistematicamente por autoridades (como Fábio Pannunzio, que teve de desistir de seu blog por criticar a segurança tucana implantada em São Paulo, e André Caramante, afastado da reportagem da Folha de S.Paulo depois de ser ameaçado por um candidato tucano que comandou a Rota, a letal polícia de choque do estado); e há jornalistas que são pura e simplesmente mortos, como se a pistolagem fosse legal no país. Jornalismo sem censura? Está na Constituição – mas, embora esteja no papel, não tem vida real.

A última vítima foi Luiz Henrique Georges, proprietário do Jornal da Praça, de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Ele e outra pessoa que estava em seu carro morreram, atingidos por tiros de fuzil; um outro passageiro foi ferido e está internado em estado grave.

Ponta Porã sofre com o banditismo internacional, que envolve contrabandistas e narcotraficantes. O Jornal da Praça investiga denúncias e faz reportagens sobre os bandidos. Em fevereiro último, o então proprietário do Jornal da Praça, Paulo Rocaro, foi assassinado na mesma avenida. Até hoje os assassinos de Rocaro não foram identificados, nem os mandantes do crime; e há quem levante a possibilidade de que os assassinos de Luiz Henrique Georges sejam os mesmos que assassinaram seu antecessor. Como matar é fácil e os criminosos não são apanhados, por que não repetir os atos de banditismo até que o jornal desista de investigá-los?

 

A vida como ela foi

Terça-feira que vem (16/10) tem um programa de primeira, para quem gosta de ler, para quem gosta de saber como Brasil chegou aonde chegou, para quem ainda acha que ditadura é solução para alguma coisa: Audálio Dantas, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, que defendeu os direitos humanos ao lado de personalidades como o cardeal d. Paulo Evaristo Arns, o reverendo Jaime Wright e o rabino Henry Sobel, lança As duas guerras de Vlado Herzog – um relato da violência que vitimou Vlado, o operário Manoel Fiel Filho, tantas outras pessoas que não tiveram direito à defesa e foram submetidas à tortura que os levou à morte.

Vale a pena: Audálio escreve bem, é um ótimo repórter, conhece os fatos como os fatos foram. O lançamento começa às 19h, dia 16, no Auditório Vladimir Herzog do Sindicato dos Jornalistas, rua Rego Freitas, 530, sobreloja, SP.

No dia 25, o livro será lançado no Rio, na Livraria da Travessa, Leblon. Dia 28, em Presidente Prudente, SP; no dia 30, em Vitória, Espírito Santo.

 

Gonzaguinha, Gonzagão, Regina

Dois grandes artistas, uma grande jornalista: agora em outubro (pode ser um ótimo presente de Natal), a jornalista Regina Echeverría lança Gonzaguinha e Gonzagão, a biografia do Rei do Baião, o grande compositor de “Asa Branca”, e de seu filho, também um músico de primeira categoria.

O livro foi a base do roteiro do filme Gonzaga, de pai para filho, de Breno Silveira. E conta uma história magnífica, que ultrapassa as fronteiras da história artística dos dois grandes músicos. Luiz Gonzaga, sanfoneiro em Exu, Pernambuco, com menos de 20 anos foi para o Rio, onde cantava em bares. Casou-se com Odaléia Guedes Santos e teve o filho Luiz Gonzaga Jr. Mas, quando o garoto tinha dois anos, a mãe morreu de tuberculose. Gonzagão achou que não tinha como cuidar do filho; entregou-o aos padrinhos, para que o criassem, e caiu no mundo. Muitos e muitos anos depois, reencontraram-se; as feridas cicatrizaram e um gostou do outro. Fizeram então shows em conjunto, rodando pelo país.

A biógrafa Regina Echeverría é jornalista (extremamente competente) e passou a se dedicar às biografias a partir de Furacão Elis. Escreveu dois livros sobre Cazuza, fez um belo trabalho com Pierre Verger, escreveu sobre a Mãe Menininha do Gantois. A assinatura de Regina Echeverria basta: se é dela, é bom.

 

Como…

De vários jornais, de portais da internet, de cabeças programadas para escrever tudo do mesmo jeito. Tema: missa de sétimo dia de Hebe Camargo.

** “A cantora Ivete Sangalo se emociona (…)”

** “Marcelo Camargo, filho de Hebe Camargo, se emociona (…)”

** “A apresentadora Xuxa se emociona (…)”

** “Adriane Galisteu se emociona (…)”

 

…é…

De um grande portal noticioso da internet:

** “Famosas são flagradas com celulite, flacidez e estrias (…)”

Que crimes hediondos! E não dá para negar: elas foram flagradas.

 

 …mesmo?

De um grande jornal, de circulação nacional:

** “Assessores de Dilma ganham duas vezes menos que os legislativos”

Considerando-se que quem ganha uma vez menos fica com zero, deduz-se do título do jornal que os assessores de Dilma pagam para trabalhar. E, como os assessores legislativos têm bons padrinhos, que lhes garantem bons salários, os assessores de Dilma pagam caro!

 

Inculta e bela

De um grande portal noticioso:

** “Chegou a receber massagens cardíacas do professor responsável e foi socorrido pelo Samu ao Hospital Padre Bento (…)”

Efetivamente, a moça, estudante, teve problemas de coração e o professor lhe fez massagens cardíacas. Mas por que “professor responsável”?

Aliás, a moça não teria sido “socorrida”, em vez de “socorrido”? E como explicar o “socorrido ao hospital”, em vez de ser “levada ao hospital”, “socorrida no hospital”?

Isso faz parte de uma terminologia tipicamente jornalística, que inclui o “baixou hospital”, referindo-se a “baixou ao hospital”, que por sua vez ficaria bem melhor se fosse “levado ao hospital”, “internado no hospital” ou coisa parecida. Inclui também o “exame corpo de delito”, que por algum motivo tomou o lugar do “exame de corpo de delito”.

Não é português, com certeza. Talvez reportês.

 

A não notícia

Esta saiu num grande portal noticioso:

** “O relatório final da sindicância apontou um ato falho de um profissional da equipe do hospital, que teria desligado o aparelho respirador”.

Se a sindicância gerou um relatório final, sabe-se perfeitamente se houve ou não o desligamento do aparelho de respiração. Por que o “teria” desligado? Ou desligou, ou não. E chamar esse desligamento de “ato falho” é ainda mais notável: matar o paciente por um erro grosseiro de procedimento é apenas “ato falho”?

 

E eu com isso?

Estamos livres do horário gratuito, dos telefonemas de campanha, já sabemos quem ganhou, quem perdeu e quem vai para o segundo turno, e entramos em outra fase chatíssima: a das análises dos resultados e previsões para o futuro.

É difícil. É muito melhor saber da vida dos artistas e de seus passeios na praia. É mais divertido, dá menos trabalho, dá menos processos, dá menos brigas com os colegas. Vamos lá:

** “Lucy Ramos e Thiago Luciano em viagem”

** “Rihanna e Chris Brown fotografados em boate”

** “Após ver filme triste, Carioca do “Pânico” marca casamento”

** “Kylie Minogue passeia em praia no Rio de Janeiro”

** “Mario Frias exibe boa forma em caminhada na praia”

** “David Beckham é flagrado de cueca durante ensaio fotográfico”

** “Thais Fersoza voltou a ficar morena”

** “Chris Evans e Minka Kelly se beijam em frente a restaurante em Los Angeles”

** “Tarde preciosa deslumbra as famosas”

** “Sobrinha de Britney Spears se veste como a tia no clipe de ‘Baby One More Time’”

** “Filha de Camila Alves passeia com avós”

** “Justin Bieber deixa à mostra sua tatuagem na barriga”

** “Thaís de Campos educa com rigor e afeto”

** “Hillary Clinton espia decote de Christina Aguillera durante evento nos EUA”

Quem disse que marido e mulher têm de ser diferentes um do outro para o casamento dar certo?

 

O grande título

Temos ampla variedade nesta semana. Podemos começar com um daqueles títulos notáveis que não cabiam na página e por isso receberam algumas machadadas para entrar no espaço disponível:

** “Eu só espero que o debate esteja tão chato que as não vejam o quanto Obama está mal”

Continuamos com um título modificado por um, na melhor das hipóteses, erro de digitação, que o deixou bem interessante:

** “Polícia apreende quase 300 km de cocaína em carga de feijão em MT”

Talvez entre no Guiness Book como a maior carreira do mundo.

Mas, desta vez, nenhum outro título teria chance. O vencedor não admite discussões:

** “Achado corpo que pode ser de bimotor sumido”

Se o corpo tiver dois motores, a busca estará encerrada.

***

[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]